©adair carvalhais jr. | praça da liberdade | belo horizonte
 

  

 

SUBIR BAHIA

 

 

E lá vou eu subir Bahia, depois de tantas vezes descer Floresta. Não apenas os versos do compositor me comovem nessa hora; também a multidão que faz da Rua da Bahia um rio de gente, rio alegre. Ali, entre Goiás e Augusto de Lima, cento e cinqüenta mil pessoas festejam a graça e a farsa.

É a Banda Mole aos vinte anos, no entardecer do dia 18 de fevereiro. É a Banda do Zé, do Jacaré e dos home-muié.

Nenhum larápio por perto; apenas um PC démodé, a ensaiar passinhos sem graça em cima do caminhão.

É hora de subir. O som está alto.

Eu olho tudo em volta. A água que chove dos prédios, as pessoas que gritam das sacadas. Os helicópteros que pairam sobre as esquinas. Eu olho as pessoas e me descubro redescobrindo os prédios da cidade. Passa o NET, passa a Igreja de Lourdes, chega a noite.

Minha fantasia sou eu mesmo. Nada de saias e perucas, de botinhas e presilhas, de plumas e paetês. Estou  com os que vieram ver a festa.

Além dos homens, velhos e adolescentes, pelos cantos também seguem as "homenageadas", nem um pouco lisonjeadas: as mulheres de verdade. Elas não foram convidadas para a festa. "Feiosa! Feiosa!", gritam os home-muié.

Há os foliões que primam pela delicadeza: elegantes, bem-trajados, pintura em cima, gestos leves e pares de pernas a rebolar. Há os largados: pegam a pior roupa da mãe ou da tia e enfiam no corpo. Há, principalmente, os reis do grotesco: sutiãs e calcinhas horríveis, em corpanzis homéricos. Noivas barbadas e sorridentes. Babados, bordados, colãs e sapatilhas.

As mulheres de verdade são discretas. Quando muito, riem. Descubro no rosto de algumas delas uma expressão nova, bem sutil, quase imperceptível. Nova assim como a bela varanda do prédio do Centro de Cultura, que sempre esteve ali, mas nem todos tivemos o cuidado e o prazer de observar.

É uma ponta de preocupação o que percebo. É claro que elas não estão preocupadas com o fim do mundo masculino — o que seria estranho a esta altura. Mas talvez estejam entretidas com o seu próprio mundo.  

 

©adair carvalhais jr.| praça da estação | belo horizonte
 
 
 
 
 
 
 

 

O MERCADO É ALEGRIA

 

 

Cinco-folhas, catuaba, celidônia, chapéu-de-couro, mulungu, marapuama. Se o cumpádi tá de tosse, hortelã; losna, pro fígado premeditado; jatobá, pro reumatismo; ginseng, pra memória; e tome espinheira-santa.

Estamos entrando no Mercado Central. A chegada é assim: variada. Tem gente de todas as classes, de todos os times, de todas as tribos. Tem loura suada e morena bonita. Tem fumo de rolo de todo tipo: do goiano, do guarani, do Porto Faria. Nego não cansa de cheirar nem de pitar.

Tem cebola, alho e pimenta, as especiarias do Cabral e companhia. Carne de cabrito, carneiro e leitoa caipira. Lingüiça de porco, de frango, enfim, tem tudo que o estômago pedir. Tem caldo de cana, água de coco, suco de manga e de açaí.

O mercado é assim: o cheiro da farinha, do bacon, da pinga. Há também o cheiro da ração. Tudo a respingar no olfato da gente. De repente, alguém grita: olha a feijoada! E a felicidade se instaura.

No comecinho do Corredor do Artesanato, há contas e contas coloridas, imagens de Exu, Caboclo, Preto Velho e outros caras. Mais à frente, inúmeras belezas de palha, de pano e de vime. Quem não conhece as panelas de barro do Vale do Jequitinhonha? É o Mercado, com sua inigualável tradição e simpatia.

O Mercado Central de Belo Horizonte é um dos melhores lugares do planeta para se tomar uma cervejinha nas manhãs de sábado ou domingo. Se bobear, o cumpádi encontra um amigo, um irmão, um pai, um político, um vizinho. Testemunhará a volta dos que não foram. Tendo a sorte de ter irmãos amigos ou amigos irmãos, relembrará o ditado que diz: "Nem todo irmão é amigo, mas todo amigo é irmão". É assim.

 

 

©adair carvalhais jr. | parque municipal | belo horizonte
 
 
 
 

*

 

Mas com meu carrinho

roda rolimã,

imergia em sonhos,

em fantas, fantasmas,

também fantasias.

Guardava segredos

em cada descida.

Bem mais que depressa,

no asfalto remava;

fugindo do vento,

correndo pra vida,

com quem eu brincava.

 

 

(Trecho da crônica "Aristóteles", do mesmo autor)

 

 

 
 
 
 
 
 
 
Rogério Miranzelo (Belo Horizonte-MG, 1961). Escritor e jornalista, colabora em vários jornais, revistas e sites do Brasil, com crônicas, artigos e resenhas. É autor dos livros Lua diferente (poemas, 2007) e Belo (crônicas, 2004).