Rodrigo Leão – Sergio de Paiva, qual a influência das histórias em quadrinhos no seu trabalho?

 

Sérgio Paiva - Não tenho como citar outra importante referência antes dos quadrinhos. Comecei a colecionar HQ em 1987 e bem antes disso já gostava de revistinhas infantis. Aprendi a desenhar com quadrinhos, copiando, reproduzindo desenhos em todo lugar. Quando comecei a comprar quadrinhos adulto, fui descobrindo vários artistas que faziam HQ, fora do padrão do esteriótipo do herói que sempre salva o mundo. Roteiros cheio de críticas morais, políticas e religiosas, repletos de referência históricas, histórias reais sobre natureza humana e suas fraquezas, além de artes super elaboradas, com técnicas diversas, tipo colagem, aquarela, nanquim, ou seja, passei a perceber como cada quadrinho era uma tela única que no conjunto formava uma obra completa e, principalmente, como isso era uma meio de comunicação eficaz, um casamento perfeito de imagem e história.

 

 

RL - Quais quadrinistas ajudaram na sua formação?

 

SP - Tem uma lista enorme de pessoas importantes, é difícil dizer que um artista foi mais importante de que outro, para mim. No Brasil, tem Angeli, pelo sarcasmo de seus personagens (Skrotinhos, Bob Cuspe, Wood&Stock). Fernando Gonzalez tem um humor que eu considero surreal, com a capacidade de observar coisas simples do nosso cotidiano e ridicularizá-la de maneira divertida. Aprendi a usar a imaginação sem pudor, lendo muito Laerte, que cria situações tão absurdas como um homem que passa a procurar desesperadamente um poste que foi retirado de frente da sua casa. Artistas como Moebius, Will Weisner, Milo Manara, Alan Moore, Frank Miller, Bill Sienkwickz colocaram a HQ mais próxima do conceito de arte e graças a eles, interessei-me por ilustração. Com Crumb, Lourenço Mutarelli e Harvey Pekar, entendi como é possível retratar a realidade de uma maneira fantástica.

 

 

RL - Como vê essa fusão entre quadrinhos e cinema?

 

SP - Eu acho que é inevitável que esses dois meios se aproximem tanto. Os quadrinhos, além de uma riqueza e infinidade de roteiros e estilos, são quase que um story-board pronto para as telas de cinema. Já é feito com enquardamento, com a sequência que você vê normalmente no cinema e possibilita criação de cenas e visuais novos, que o cinema é obrigado a desenvolver recursos para reproduzir. Além do conteúdo, que tem roteiros extremamente realistas ou fantasticamente sedutores. Fora que grande parte dos leitores de quadrinhos são consumidores de cinema, assim como muitos cinéfilos são admiradores da linguagem de HQ, embora talvez nem saibam.

 

 

 

 

RL - Quais os filmes que mais foram fiéis aos seus similares em quadrinhos?

 

SP - Eu acho dificil dizer que exista uma adaptação fiel de uma HQ para o cinema, são mídias diferentes. A maioria das adaptações acabam com muita interferência e influência da indústria de cinema. Você tem o recente V de Vingança, uma obra fantástica de quadrinhos do escritor Alan Moore, mas que nas telas, foi um romance típico das produções cinematográficas entre as personagens principais, totalmente desnecessário e inexistente na versão original. Inclusive, o próprio autor pediu que seu nome fosse retirado dos créditos do filme, tamanha sua decepção com o resultado final e tantas alterações. O filme 300 da obra de Frank Miller, onde o general espartano aparece comendo uma maçã sobre uma pilha de corpos de persas, mostrando um ar de desdém com o combate. Nos quadrinhos não é preciso essas bobagens para se definir o personagem e o clima da história.

 

As melhores adaptações, na minha opinão são aquelas em que você percebe que o diretor leu e conhece o tipo de trabalho que tem nas mãos. Como exemplos:

 

Old Boy, um mangá de 1997, escrito por Tsuchiya Garon e desenhado por Minegishi Nobuaki;

Estrada para Perdição, baseado na graphic novel de Max Allan Cowell, interpretado por Tom Hanks, que fala sobre a máfia em Chicaco;

Do inferno, que conta a história de Jack, o estripador, com Johnny Deep, um roteiro escrito durante quase 10 anos por Alan Moore;

— Akira, uma das melhores animações já produzidas, feita a partir da série em quadrinhos;

— o excelente Sin City de Frank Miller: tem cenas do filme que são colocadas lado a lado com a HQ e não existe diferença;

Lobo solitário de Kazuo Koike e Koseki Gojima, que teve uma adaptação para o cinema em 1975;

American Splendor, que conta a vida de Harvey Pekar eu considero uma adaptação do universo de quadrinhos para cinema. Aliás, em primeiro lugar o trabalho de Pekar é uma adaptação da vida para os quadrinhos.

 

 

RL - Por que se decepcionou com a carreira de artista plástico? É uma carreira?

 

SP - Entrei na universidade com 18 anos. Carregando aquela ideologia de mostrar algo novo, mudar alguma coisa, ainda mais num curso de artes. O que houve durante o curso, foi uma sucessão de combates de egos nos mais diferentes níveis. Professores-artistas, querendo conquistar alunos-seguidores, jovens cheios de pretensão e mediocridade, achando que seu amontoado de bonequinhos de barro era um grande trabalho. Foi essa a grande decepção, alunos ou aspirantes a artista (como quiser), querendo a aprovação de professores ultrapassados, míopes em relação à arte, que falavam principalmente sobre o próprio trabalho e todo mundo preocupado em mostrar que seu umbigo era o mais limpinho. Eu não estava a fim de mudar meu trabalho nem agradar ninguém para conquistar um espaço e mostrar o que eu gostava de fazer e é isso que você precisa fazer se quiser ter uma carreira. É preciso se adaptar ou estar preparado para um caminho árduo. Nessa época eu não estava a fim. Isso é uma carreira, com todos os riscos, dificuldades, méritos como existe em qualquer outro trabalho, eu só acho que há um glamour equivocado que acaba ridicularizando, desmerecendo essa profissão. Hoje em dia, qualquer um que vende um retrato a óleo sai dizendo que é artista.

 

 

RL - Como começou a fazer os próprios quadrinhos e o seu trabalho artístico? Como evoluiu este trabalho? Para onde ele se expandiu?

 

SP - Comecei fazer quadrinhos no ginásio. Sempre gostei de desenhar e na 5ª série tinha um amigo que também adorava desenhar. Começamos a fazer caricaturas dos outros alunos, logo as outras crianças viram e começavam a pedir que desenhássemos esse ou aquele aluno. Fizemos uma revistinha mensal e vendiamos para o pessoal da classe, que adorava ver piadas sobre outros alunos, professores. Nunca publiquei nenhuma história em quadrinhos, interessava-me mais pela ilustração, fazer um desenho, gostava de cartoons, charges, contar uma história ou passar uma mensagem em uma única imagem. Foi para esse caminho que direcionei meu trabalho, a ilustração, que fez com que eu pudesse aplicar esse trabalho em diferentes campos de atuação, como publicidade, design, estampas para camisetas.

 

 

 

 

 

RL - Como vê a internet como meio de divulgação de cultura?

 

SP - Hoje a internet é fundamental para qualquer divulgação, principalmente para cultura. É prática, acessível, rápida e atinge um número de pessoas que você nem imagina. Acho que possibilita você conhecer artistas de diversas áreas que dificilmente teriam exposição pelos meios comuns de divulgação. Há uma quantidade enorme de trabalhos e artistas publicados na internet, saber selecionar as informações de qualidade é que faz a grande diferença. Hoje leio muito mais pela internet, descubro músicos do circuito independente da Califórnia, grafitti das ruas do Reino Unido, coisas que sem internet, dificilmente eu saberia da existência.

 

 

RL - Publicidade é arte? Onde começa a arte e acaba a publicidade e vice-versa?

 

SP - Publicidade não está nem perto de ser chamada de arte e espero que nunca seja considerada como tal. Deve existir publicitários que se julgam artistas, mas isso é de uma insensatez sem tamanho. A arte não precisa de público consumidor para ser concebida. É um processo mental do artista, que pode ser pessoal ou com objetivo crítico que o público se identifique com a obra. Já a publicidade é feita com o único propósito de consumo, precisa de um público para sua criação e um público específico, direcionado. É feita pra ser vendida, apesar de muita arte produzida hoje em dia ter este próposito também.

 

 

RL - Qual a idéia por detrás de sua confecção? Como é o trabalho nesta área?

 

SP - Sempre tive aversão às autoridades em todos os sentidos. Gostava de criticar essas autoridades, seus comportamentos sociais cheios de hipocrisia, com muita ironia e sarcasmo. Já estava cansado de trabalhar com publicidade, conversei com um amigo sobre a criação de uma marca de camiseta, que seguisse essa linha de protesto, o cara topou e começamos. Foi mais como uma forma pessoal de protesto, mas também foi surpreendente o número de pessoas que se identificaram com essas idéias. Estamos no começo ainda, claro que a idéia é crescer, por enquanto esse trabalho é feito de uma maneira que garante a exclusividade do produto. Não está à venda em lojas comuns, vendemos pela internet, ocasionalmente, participamos de bazares de moda na Vila Madalena em São Paulo, mas principalmente contamos com a divulgação pela internet. Ainda dá pra considerar que é um trabalho underground, de identificação com público por essas idéias, um pouco exclusivo já que dificilmente você vai encontrar em qualquer vitrine.

 

 

 

 

RL - Como surgiu o Flipbook?

 

SP - Trabalhei em uma agência com um designer chamado Pipol, que era mestre em web. Em 2001 o cara fazia recursos para sites, que na época, pelo menos, só bons programadores sabiam fazer. Perdemos o contato, acabei por reencontrá-lo anos depois e ele me falou de um programa que eu já conhecia, mas com novos recursos, inclusive esse de flipbook (N. da E.: livro virtual, folheável). Ele já estava fazendo uma revista eletrônica institucional com edição mensal para uma instuição do comércio. Quando vi o resultado, pensei: "Isso pode ser aplicado como uma publicação alternativa mesmo. Para quem não tem condições ainda de conseguir uma editora para publicar seu trabalho!". Comecei fazendo uma experiência com o meu trabalho, tinha alguns textos e fui mexer no programa para aprender, daí foi começar a divulgar e mostrar como este pode ser um recurso com um resultado profissional, acessível e, principalmente, alternativo, para quem quer publicar seu trabalho e direcionar para algo comercial, vendendo seus trabalhos em CD.

 

 

RL - Como você encara a carreira de escritor?

 

SP - Não me considero escritor, nem penso nisso como uma carreira para mim. Vivo dizendo que não pretendo colocar novas idéias no mundo, só quero tirá-las da minha cabeça. Escrevo como terapia, pode parecer clichê, mas é a verdade. Algumas idéias não consigo transpor como imagem ou em uma ilustração, então acabam virando textos. Mas não tenho a pretensão de me considerar escritor.

 

 

RL - O que é mais difícil para o Sérgio Paiva escritor?

 

SP - Acho que a questão é o que é mais difícil para Sergio Paiva em geral? Disciplina! Vejo a carreira de escritor como algo disciplinar, você precisa produzir, precisa de um roteiro, uma linha de pensamento pra concluir seu trabalho. Eu estou fazendo uma coisa a cada 5 minutos. Trabalhava com publicidade, fui fazer camisetas, montei oficinas de origami para crianças, escrevi textos, aprendi a mexer com web, faço freelances na parte de comunicação visual, agora faço projetos gráficos para livros virtuais. Acho que escritores se dedicam integralmente ao seu trabalho, não consigo me concentrar exclusivamente em uma atividade, por isso é difícil eu pensar em levar isso profissionalmente a sério.

 

 

RL - Tem algum mote? Fale sobre.

 

SP – "Toda evolução depende de uma revolução interior". Questiono muito sobre o que anos do que chamamos de evolução nos trouxe. Conseguimos conhecer e aprender coisas fantásticas, desde os macros aos microorganismos, mas não aprendemos a ser sociais. Não aprendemos nada sobre nós mesmos, nem a conviver em harmonia tanto uns com os outros, como com o ambiente em que estamos. Não vejo muita vantagem em toda essa "evolução tecnológica", se não conseguimos essa revolução interior, se não entendemos nosso lugar nosso planeta e nossa importância para o desconhecido que passa apressado por nós na calçada. Como posso me preocupar com o lugar para onde vou ou de onde venho, se não me importo com o lugar onde estou?

 

 
 
junho, 2007
 
 
 
 
 
 

Sergio de Paiva trabalha como designer e tem uma marca de camisetas, a AEH!. Um resumo do seu trabalho pode ser visto em www.artezine.com.br

 

 

 
 

Rodrigo de Souza Leão (Rio de Janeiro, 1965), jornalista. É autor do livro de poemas Há Flores na Pele, entre outros. Participou da antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002). Co-editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Edita os blogues Lowcura e Pesa-Nervos. Mais na Germina.