NO CÉU DE NASCIMENTO DA INFÂNCIA ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE

 

No céu da infância possuí bolas me direcionando os caminhos, esvaziando uma vez ou outra, enchendo-se quase sempre.

 

Pomares de frutas diversas me encaminhavam para a prática da sobrevivência ao encher-me a pança, espigados coqueiros produzia cuia de coco para ser chutada como se fosse bola. Quenga roliça partida em duas virava caneco de coco seco de dureza apocalíptica, quando das sobras serviam para moleque andar sobre cascos, emitindo barulho de pata de animal sobre piso cimentado, depois de enfiado em buraco cordão roubado de rede que deixava de balançar pela energia diminuta de pés de preguiçoso e descuido das mães em salvaguardar os punhos pendurados nos esses baixos das paredes facilitando a pilhagem.

 

Carne de coco branquinha lambuzava  boca, água da mesma bola verde matava a sede. Diziam os mais velhos que a água era boa não só para beber, servia como xampu. Servia não, dava cabelo endurecido, pente não penetrava, só quando forçava.

 

Isso sem falar nos fiapos das mangas que se metia a besta se enfiando no entre dentes, depois haja palito de pé de capim pra enfiar entre um e outro e retirar o cabelo pêlo da manga espada, manga rosa menos incômodo. Suco adocicado chupado com prazer de olhar penetrante na próxima fruta que ficava esperando no galho que o vente abatesse, enfeitava a vida de fartura nas safras das frondosas árvores aos cuidados de passarinho azulãosabiáconcliz.

 

Das pinhas se comia até o caroço por ser roliço pequeno e não grande nem grosso. Amadureciam por debaixo de capim amontoado para esquentar a carne e amolecer mais cedo. Fome de moleque em crescimento não esperava o tempo aberto fazê-la amolecer. Se demorasse o moleque resgatá-la do galho curvado pelo peso da boa produção, vinha esperto com mais fome ou mais esperteza e altura, roubá-la primeiro que menino arteiro.

 

Dos canais de irrigação que deixavam de ser lacrimais e saíam abundante despejando fertilidade em tempo de chuva relâmpago trovão, enfiava gosto pular de ponta de ponte dando cabeçada  n'água como se fazia com as bolas capotão em campão de toco arrancado por enxadão. Diversão danada sair nadando ou debruçado arrastado pela correnteza do rio do peixe flutuando deitado em pau de bananeira ou em bóia de câmera de ar de caminhão, olhando o céu alumiado de calor braseiro do senhor, levado mais adiante de encontro aos braços do guarda Bico-de-Aço, que entregava moleque pros pais para correção da malinação. Chicotada de cinto no  rabo ou cipó de marmeleiro visitava as costas, quando moleque não possuía ainda as pernas-pra-quem-ti-quero e corria feito potro em busca dos braços da vó.

 

Vixe, como era bom o meu sertão quando chovia de montão.

 

Vixe, como era triste o meu sertão quando fazia seca de arrastão.

 

Das goiabas novas no verde do cio, reclamava moleque pra mãe que não conseguia cagar, entupido pelos excesso de caroço hostil.

 

Das muito maduras, nem espiava por dentro moleque faminto, eram devoradas no mastigar quase não. No desarvoro bicho mole se mexendo, tapuru de fruta não via não. Horror aos bichos só delegava  as vistas quando era produzido nos restos que  os urubus não conseguia devorar dos animais mortos pelo estio.

 

Ciriguelas nem verde nem madura exprimia careta na cara dos apressados em chegar primeiro que o amadurecimento dos frutos, cajá cajarana. Juá menino não gostava de provar, não tinha muito o que mastigar da fruta desse pau sempre verde perdido no esmo da mata seca.Dele valia a casca raspada para engraxar os dentes depois de comer mais vento que coisa sólida.

 

Das menininhas criando penugem lá no seu bem-bom pra moleque que também recebia pêlo e crescia os peitos por hormônio masculino se formar na carne, sobrava delas a fantasia, vindo à realidade sobressair nas cabritas do Seu Adamastor que possuía um harém e alugava pros moleques pivetes malinador o orifício por parte de baixo do rabo delas.

 

Dependendo da conversa boa do moleque, não só cabritas/jumentas eram a saída para a efervescência do corpo, algumas que fantasiavam mais ou tinham queda pra puta, cedia à mira do seu bem me quer mal me quer e laçava o moleque com beijo ardente, carinho autêntico por amor carente, desejo latente na carne ainda crua da astúcia do uso da priquita. Tinham necessidade de alimentar não só a fantasia as meninas, também a esperança de que moleque ainda novato e filho de classe melhor amparada no colo da sociedade local e no ato do amor, a assumisse e retirasse de casa, dando agasalho comida  cobertor e muitas crias para o futuro não ficar incerto e os filhos sem sangue de melhor correr pelos labirínticos das veias. Sangue azulado como a atmosfera do mesmo céu, por possuir família, cabecinhas de gado em curral apartado, alimentado por capim de capineira plantada e cultivada sobre fruidosa terra preta feito petróleo, que a fazia sonhar em mudar de rumo. Nem sempre dava certo, depois de bulida nas partes íntimas, muitas tinham única saída, servir pra chacota de muitos marmanjos a chamando de rapariga e querer currá-las em qualquer parte de si ou ir parar na famosa zona de João Terroso em Sousa.

 

Eh vida arteira de infância sem cálculos matemáticos, sem conjunções aditivas no comprido das falas, sem o complexo nexo dos verbos conjugados dentro da lei do seu tempo, sem a sintaxe overdose de pró-nomes feios vindos por apelidos excêntricos que cada um ganhava no linguajar de moleque imaginativo.

 

Era o calor do meio dia, deixando arteiro quem tinha tino pra arte, que na escala Celsius passava dos 40 graus. Era a terra aberta em erosão de aluvião vermelhão feita no massapesão da mão do agricultor carente, que rezava doidamente a fim de ver a água correr furando oco na terra fazendo erosão, carregando a cruz de cristo nas cotas, assim como o tempo abre as portas que não querem abrir, pra tu, filho do pitu que uma vez ou outra caia na rede de arrasto ou tarrafa dos pescadores do açude do DNOCS.

 

Tucunaré com pirão fazia dente moer cachaça em talagada comprada em meiota de cana pra quem não achava dividendos pra garrafa inteira.

 

Bicicleta pedalava pernas ligeiras para ir de encontro à venda, beiços desesperados perdidos nos arados dos tratores, por debaixo dos mangueirais e coqueirais, ficavam ansiosos por talagada animada.

 

Sanfona, pandeiro, triângulo, zabumbo botavam corpos tristes alegres nos fins de semana, esperando ter feito um bem dos diabos aos animados casais que compartilhavam vontades próprias de se casarem daqui um ano, se o inverno fosse de pouco alvorecer aurora, daqui seis meses se fosse de muito alvorecer aurora, ou quando os caroços enchessem sacos e silos prontos para esperar nova seca, ira dos demônios.

 

Gruta Santa de Nossa Senhora de Lourdes, recebia degraus  joelhos de casal nubente crente que no sofrimento que é usar parte do corpo como acento, receberia garantia que a filharada que viria trazia na astúcia saúde e água  no correr dos anos.

 

Mesmo com tudo isso, melhor era o que se passou em vista do que agora são essas coisas que vêm dos infernos urbanísticos.

 

No caudal ir e vir dos dias de hoje pela urbana citi São Paulo, as lembranças arrefeçam de dentro da gente, como ondas em caudal nos arrecifes, pelas lagrimas vir visitar quase sempre, o que só nasceu para enxergar, sem propósito em ter que divisar com as malquerenças dos sitiados cidadãos da urbe humana.

 

 

 

 

NO CÉU DA ADOLESCÊNCIA HAVIA A FÉ

 

Andor andava elevado para o céu da infância como se flutuasse transportado pelas estreitas veredas entrando em humildes casas por força de fortes braços que só possuíam tendão na ação de se por a fé como única saída para  incertezas das intempéries. Tinham que a fé sarava dores de amores e calcanhares e joelhos entrevados que se punham frente aos devotos de Nossa Senhora de Lourdes lá da gruta a beira do açude de São Gonçalo, que em passos lentos acalmava  semblantes divididos entre duas facas afiadas para estripar o couro do sertanejo.Tinha na luta com o demônio da caatinga que esse ano, o lazarento, o estremunhado excomungado não ia ser o dono da terra,  essa ia se alegrar de bonança e sustança fazendo oxigenar do ventre dela as sementes  beliscando vaidade pelo nascimento, por estar a muito esperando a bendita água dos primeiros dias do ano. Na Santa punha fé/esperança que água viria peneirada do céu e afastaria o fantasma da sede, da fome e da miséria. As costas da terra  ganharia alegria, como as costas das meninas ganhariam carinho começando pela nuca, pescoço, espinhaço, dos moleques em fase de domesticação da ação de procurar objetivar o sentido do sexo.Para os seios que se formavam, neles mãos serelepes  visitavam, como visitava a terra a chuva de inverno caudaloso que fazia sangria na boca do açude, como fazia cria de saliva na língua de moleque visitando boca quente e ardente de menina que se formava mulher.Os rios e riachos desaguavam enxurrada, dos corpos de meninas ganhando peito e largura esticando blusinhas decotadas, bustiês e corpetes, suor lacrimejavam costas, pernas, latejando por dentro do organismo lascivo, energia castiçal, que uma vez ou outra se deleitava sobre a beleza da penetração nos desvão da nave igreja que amparava a santa menina depois do alvoroço do andor desprestigiando dores de cotovelo que se aglomeravam frente a seu ventre macio.Do suntuoso sexo erétil do moleque surgia despejo de soro contaminado de irresponsabilidade, onde o corpo das fêmeas se enchiam ao correr dos meses, como as várzeas ganhavam seiva da  procriação. Velejava vicio, cio e vida  sêmen em transe, vicejava vida chuva cara paga pelo composto grau da alegria que ressurgia em boa hora para quem em muito mais tempo tristeza  possuía, bem mais que a pouca alegria em demanda caindo pelo rosto do sertão.

 

Andor andava mês inteiro, visitando cada noite uma casa, quando no entardecer do dia seguinte nova morada era encontrada.

 

Pode entrar, a casa é da santa, é de vocês. Não façam cerimônia.

 

Bendito seja o nome do senhor.

 

Rapadura dura tem um pouco com farinha ainda, raspada comadre só para quem não tem dente.

 

Entrada da noite besuntava saliva de beiço pão caseiro, sequilho e alfenins, doces que adocicava quem estava no amargor fragor da desordem da fome, tendo a fé mais o alimentando do que rara comida faltante e a cara da santa mãe recalcitante reclamando de ano ruim pras coisas que mantêm a laje dos pés em pé.

 

Minha filha, que essa Santa imagem de Nossa Senhora de Lourdes, traga a fé de bem bom ano. O que se foi já passou é bom se esquecer, ele não aqueceu em nós o agasalhar da fartura, faltura é que nos trouxe balançando coisa ruim na bandeja da infelicidade. Não vê que tá todo mundo magro e arrasta parecer esqueleto os filhos pelo oitão da casa. Mastigaram o ano todo vento por esse tempo, mulher, depois de comer do chiqueiro os porcos, galinhas e restos de perus que sobraram dos anos bondosos de chuva. Passarim desapareceu das lagoas e ipueras, socó e galinha d’água e marreco não apareceram pra dá as vistas o desatar nó da insatisfação, então pro modo não morrer de inanição foi apreciso comer os bichos do quintal.Muito mal esse tempo, espero que a Santa amelhore de hoje em diante e nos faça parar de esticar o sofrimento.

 

Rapazotes buliçosos afastados dos crentes e parentes, não paravam de mexer no que tinha de melhor que mexer das meninas. Por isso de aparecer tantas novas crias pelo sertão dos então coronéis senhores donos de vastas terras. Era a fome dando imaginação para a procriação a todo aquele que ainda tinha resistência para se erguer das cinzas como a fênix e revigorar o entusiasmo por sob as pernas das moças, que fazia o diabo para se por em encontrar um nubente, mesmo sabendo que a partir desse momento ia ser os dias pra si mais duro e diferente. Mesmo se continuasse seco e claro do sol do estio os dias, sabia que ela assim não ficava, sem o vício do cio de mulher parideira, sem ver crescer a barriga ano a  não sem por nem tirar.Era rebento a dar com pau em qualquer das famílias arrebentando útero das mães que se achavam mães milagrosas por parir um filho atrás do outro. Depois de crescido  e virado rapagão ou mesmo antes disso meninão, batia pai na cabeça, vendo a mãe pelos cantos de pirraça, mas sonhando com a partida do filho.Vai pra Sum Paulo trabalhar no metrô.

 

Todo ano, minha Nossa Senhora! Vixe maria! Corria o perímetro recebendo as casas católicas, Santa mãe dos aflitos. Olhava piedosa para rosto carente de gente querendo virar gente naquele momento sabendo que depois da morte poderia virar santa igual a que andava no andor seguro por rudes mãos sobraçando esperança na imagem.

 

Deus lá de riba não tirava os olhos faísca de luz tendo o sol como patrono do tempo alumiando esperança.

 

Cânticos nas noites clareavam velas acesas por chama divina caminhozinho estreito. Estreito como eram as vista até onde ela alcançava. Só quando a lua dava as caras melhor seria enxergar rosto de menina querendo namorico com menino, que sondava o mesmo querer pelos peitos que batia renitente. Quando não dava de pegar na mão no lusco fusco do dia indo de encontro à noite, pegava a sonhar deitado em rede balançado balançando no gemer do ferro fazendo barulho de cigarra. Aja graxa, óleo Singer ou mesmo azeite  de cozinha, banha de gordo caruncho, sebo de gordura de rês morta em matadouro visitado por moscas e variedade grande de mosquitos, para fazer parar o cantar do ferro com ferro que entrava pelo meio do sertanejo o varando de um lado a outro quando não dava a produção de grãs e algodão para os acertos com o matador mandante patrão.Isso aqui não acabou não.

 

Santa mãezinha cuidava de neném sem vintém pra possuir terem, por isso do pai bater na cabeça desde pequeno para ir simbora procurar aurora pra vida corrida que surgia em corpo que crescia sabe deus como, já que pra sustentação do espinhaço em pé, nem sempre tinha de onde tirar maior sustança pra pança. Não eram as auroras dos invernos anuais de constante elevação, não, quase sempre aparecia dos quintos a falta de chuva para esquentar bem mais a solidão e ajudar  molhar o pranto em mais espaço do rosto do homem do sertão.

 

Nossa Senhora de todos os fieis emprestava por ocasião da seca passeando de casa em casa sobre o andor que diminuía a dor dos envolvidos, sua esperança no amanhecer de nova aurora, quando pintava o céu de escura nuvem prometendo chuva. O negrume do firmamento sobre as cabeças, ao invés de emprestar, a cada sertanejo, chuva de amedrontamento como os agentes químicos da guerra do Vietnã, emendavam força e palavra de conforto e conquista, por ver que mais dias menos dias, estaria se precipitando em abundancia, safra de verde pasto para encantar as vistas e saborear o paladar e encher de sustança a pança que mais tarde poria a desandar o cu escondido pelo fundilho das calças em peidança.

 

Como a fé, dizem os devotos, é força existente no interior de cada ser vivente, a Santa no andor andante em cada ano passante, elevava o sertanejo a ser benfazejo na constante fé que ano a ano ressurgia pela entrada de cada novo ano.

 

 

 

 

CASA DE PAU-A-PIQUE-TAIPA QUE TINHA UM VAI-E-VEM DOS DIABOS, QUERO DIZER DO CÉU DA INFANCIA ADOLESCÊNCIA JUVENTUDE

 

A pobreza não era base movediça para motivo de lágrimas e reclamações impertinentes, mas época aparecia de tempo ruim para o sertanejo que muito do bem bom dos anos de inverno desaparecia pela seca castigar a terra, rachá-la feito lenha que vira acha para trempe dos fogões a lenha, dividindo-a em milhões de seguimentos formando um quadro surrealista, só vindo virar  artebela pela técnica da fotografia, artista nenhum a recriaria de fato realista como se via pela arte da pintura. A terra roxa nuns cantos do perímetro, vermelhona noutras áreas, dava nó em visão de agricultor quando o sol era o anteparo e não as nuvens carregadas pelo vapor d’água. Terra segmentada desamparada destemperada pela fuga das plantas e dos animais, estorcida de solidão pela fuga da mão produção do agricultor que tinha nela seu sustento. Só produzia poeira, dor algemando peito calafetando esperança, filete de lágrima molhando rosto escorrendo pelos encovados canais das rugas produzidas pelo tempo rançoso de calor estorvo negando vida, relegando aurora primaveril da cor do anil.

 

No interior da casa humilde que recebia nas noites úmidas e nas quentes muitas redes estendidas com corpos de adultos e crianças para o descanso merecido, vivendo trepada na solidão do alto de morro tendo por base sólida pedras que serviram para a construção do açude. Em companhia dos muitos meninos vindos de um só ventre, surgia vez sim vez não, os homens do governo para branquear as paredes de veneno dizendo o responsável pelo evento ser a mando de sanitaristas para dizimar ovas de barbeiros que estavam matando gente e dando prejuízo ao governo por gastar muito do bem público com a doença de Chagas. Para as lagartixas que viviam trepadas nas paredes de saliente reboco, informara o homem de branco que não tivessem medo não, podiam as crianças partir pra cima e torá-las o rabo que mais tarde apareciam de rabo novo. Com morcegos presos pela incandescente luz do teto, se preocupassem, podiam vir nas madrugadas calmas chupar o sangue dos meninos. Fosse chupar sangue de jegues presos nos cercados de arame farpado. Animais que tiravam o dia pra transportar carga de capim e alimentar vaquinha que mugia nas secas no quintal querendo capim fresco e alimentar criança que também choramingavam ao lado querendo seu leite, que sorria e fazia sorrir nas invernadas por fresco capim a qualquer hora e a liberdade de ir e vir em busca de melhor pasto. Criança a rodo sustentada na sua essência familiar pelo mais valente dos homens, cabra que andou armado em proteção a Chico Pereira, cabra que se enfurnanava nas brenhas das capoeiras dos algodoeiros e juremais para pegar de surpresa o inimigo da política dos coronéis dos anos trinta e derrubar jagunços dos poderosos inimigos que queriam dividir o poder a seu modo. Com tiro de coiteiro o inimigo de outra facção política vinha ao chão sem saber de onde partiu a munição do rifle papo-amarelo que de cem metros alvejava o coração. Cabra que atirava assim como  Antonio Aurélio Marques Sarmento  tinha emprego garantido, passagem e carta de alforria livre para viver acoitado em qualquer terra que quisesse de qualquer coronel poderoso.Quem tivesse mais poder o levava como protetor das sesmarias.

 

Tinha o cabra citado apoio inconteste de poderoso Dr. Otavio Mariz, primo médico sem diploma por ter deixado a universidade antes da formação acadêmica, que operava quem aparecia perfurado de faca punhal tiro de qualquer munição. Era bater a porta a altas horas da madrugada regurgitando resto de vida fugindo pelas brenhas de arruaças nos bailes de nubentes, imprimia cura costurando ferimento, extraindo bala, medicando penicilina e cachete pra dores. Dr. parente importante do cabra que era citado nas rodas das conversas sobre o passado das volantes e jagunços cangaceiros com maestria no orgulho das palavras, vindo sobra de alegria danada quando recebeu em casa um tempo, outro parente mais novo pedindo voto dos filhos e de muitos outros familiares que levavam o sobrenome espalhado pelos rincões dos sertões de Nazarezinho, Cajazeiras Sousa e muitas outras circunvizinhança, que o elegeram prefeito de Sousa, mais adiante deputado do estado, senador da república, governador. Dizia aos amigos nas conversas à cana embaixo dos pés de pau de algaroba ou figueira castanhola que o Antônio Marques da Silva Mariz, o primo em grau terceiro e sobrinho do tal Dr. Otávio Mariz seu protetor quando rapazote, era cabra que ia botar o estado em governança pra ganhar sustança a educação,  a saúde, o saneamento e a moralidade e bons costumes pra deixar de andar no rés do chão pedindo esmola ao governo federal.

 

A tapera do cabra citado viu nascer e crescer oito rebentos que com o tempo viviam pulando feito potro pelo meio da casa terreiro e adjacências, livres para fazer o que bem quisessem já que não existia a preocupação de encontrar a frente alguém que os fizesse mal. No máximo escutava as estórias de papa-figo, pessoas de má índole que pegava criança pequena pelas brenhas e arrancava o fígado para vender a família de quem tinha gente com problema hepático com poder em sobra.

 

Medo dos ciganos fazia moleque se esconder por baixo de saia de qualquer da família adulta mulher, pois diziam que também além de roubar o que aparecia de interesse por onde andavam, jogava praga rara desconhecida a quem não ajudasse com esmolas de caneco de arroz feijão farinha açúcar café galinha peru pato pedaço de leitão carne de sol ao sol secando salgada para proteger das moscas varejeiras que pousavam ovo e recriava bicho feio tapuru.

 

A tristeza pra moleque vinha quando na hora do almoço jantar merendar via no prato de barro, feita pela artesã vizinha que doava de coração, mais tarde de flandres com cobertura de esmalte branco, o pastoso angu de sangue com caldo colorido com cheiro de pimenta do reino vinagre óleo só sal, por sentir que era hora de saber que a seca surgira trazendo um pouco dos infernos de hoje, levando um pouco do céu de antanho para fora do prazer que emana dessa época, pela fartura do milho cozido assado pamonhado canjicado, pelo feijão verde com nata nadando em caldo sem ser ralo, arroz novinho grudado por ser filhote de grão branquinho ou vermelhão recém colhido da terra vazante baixio que mais segurava água. Arroz precisa d'água como o sertanejo para se segurar em pé e produzir com fartura e deixar de rolar da face a água do seu interior e curvar-se a terra virar estrume.

 

Moleque só não gostava da época de chuva duma coisa, ter que acompanhar o velho pai de enxada nas costas em direção a roça, pelo calor braseiro do senhor o destronar da alegria e pô-lo na tristeza que era limpar mato desde o nascer da aurora ao se por do ocaso do sol, ganhando coceira no corpo das folhas do milharal arrozal bananeiral canavial e encher as unhas de  terra preta doando vergonha de ir de encontro a nuca de moça nas noites calientes.

 

Divertia em algum momento quando o eito ia se fechando com as enxadas se encontrando azafenadas para derribar capim capineira tiririca velame beldroega capim-de-burro, diminuindo o cercado arado, pelas cobras surgirem do resto do eito mato e cada um sair fugindo pulando para longe do bote da cascavel salamandra coral jararaca. Os mais velhos se encarregavam de pegá-la de pau e macerar a cabeça depois pendurá-la em forquilha mostrando a ligeireza e destreza que teve em pegar primeiro ele que ela a ele.

 

Momento bom surgia lá pras onze ante das doze horas metade do dia feito pra produção no cambão do enxadão amolado fio por lima de ferro de primeira ou batido o gume por martelo ligeiro que descia e imprensava o corte no ferro trilho pedaço de linha de trem que era danado de bom para amolar enxada. Vinham os meninotes que não podia arregaçar as mangas e cair ainda no eito por ser criança em fase de pós-mama, acompanhando a mãe dona Francisca Marcelino Sarmento carregando  num  cesto os pratos preparados de comida pobre em sustança, mas que do coração saia amor para cozê-lo, e algum dos muitos filhos desmamados escanchado nas costelas, ai meus deus que aperrei é muito menino querendo mimo de uma só mãe. Pratos amarrados por panos encardidos, mas que segurava pelos modos do sertão pouca comida geralmente não dando para repetição. Acontecia de ser assim quando pela entrada da seca que apresentava sangria no corpo do homem vazando pouca gordura que porventura tinha ganhado, por perder a forma que recebeu em tempo de solo úmido. Quando do  breu e do adeus da chuva, regurgitava em estado cataplégico esqueleto vivo ululante se pervertendo pela miséria.

 

Magreza esquelética ganhava corpo de gente resistente na impertinência em viver em estado de convivência com o solo impiedoso.

 

Sentado em qualquer pedaço de toco, pedra ou o próprio cabo da endiabrada enxada, comia com alegria de quem mais um dia conseguiu atravessar sem se despistar do futuro que é bom em olhar o céu e rezar pra ver se nova nuvem carregada precipitando ronco de trovão e clarão de relâmpago surgiria na fronte da esperança. Surgindo se precipitando assim assustando as crianças e alegrando os adultos, contentamento ressurgia em cara geralmente mais triste que alegre de trabalhador do campo.

 

Comidos  e descansados um tanto de minuto, peleja voltava a carga não ficando pedaço de mato em pé que não caísse quando juntava todos os filhos. Sabadão de tristeza pra uns menos levados a ser do campo por serem preguiçosos pra enxada, sabadão de produção de alegria pra outros por ver que o mato não ia comer o plantio da vazante tendo o plantio que nasceu em dia de chuva esperando que ela caísse em constância vigorosa para ajudar a crescer e produzir o suficiente pra encher pequenos e grandes açudes.

 

Vixe maria minha mãe do céu da minha infância, açude sangrando vinha alegria pela fartura de tudo dá as caras sem cobrar um vintém de alguém pra ser feliz até o ultimo suspiro.

 

 

 

 

OS PRIMEIROS MOVIMENTOS E VISÃO DO MENINO QUE SAIU DO CÉU AO CAIR NO INFERNO FOI NA RODOVIÁRIA

 

O primeiro sentimento movimentado para entristecer e desalentar dos sonhos de ir parar nas obras do  metrô, foi o dos olhos, quando a condução fedendo a xixi e excremento de gente criança, enxergou a urb entrando na marginal Tietê. O rio chorava pelas águas correntes não poderem ver nadar dela, nem gente nem peixe, pelo fato de muito mais fedor de bosta e restos de impurezas químicas não deixar nem um nem outro respirar nem os motoristas que supostamente transportavam o progresso, encontrar ingresso para o carretão passar pesando bem mais do que o piso do asfalto agüenta, sem dizer dos outros urbanóides que usavam condução de transporte público, levados enlatados no interior da grande ferragem protegidos pelo desalento de estar indo em pé para casa depois de um dia árduo de trabalho arrazoado. Os de condução própria, alguns sorriam, outros xingavam, enquanto outros pensavam, outros choravam, por cada um ser como é no interior de carcaça humana e carregar sentimentos de melancolia, de euforia, alguns de revolta, muitos sem nenhum destes, pois é certo que tem gente que não tá nem aí para o que vê, o que sente, o que cheira, o que come ou o que deixa de fazer para se resolver em meio ao inferno.Tem uns que se deixa queimar sem reclamar, outros sem se queimar se entrega a reclamar, outros pode chover canivete não desaparece da frente dos caos.Se satisfazem nem entrando nem saindo, não fudendo bem nem deixando os outro fuder mal.

 

Depois dos olhos foram às pernas a sentir o choque baque, quando pôs o pé no piso da rodoviária do Bom Retiro e começou a se retirar se afastando da multidão de mala na mão se encaminhando para qualquer lugar da capital deslizando em rodízios ou fincadas nos ombros como um peso de cruz que tem alguém que carregar para o sempre, amém.

 

Camarada Koskoviski, conto que a fumaça que se respira nesses ambientes é muito diferente do que se respira nos ares do sertão. No máximo por lá, se respira poeira produzida pelos redemoinhos que mal algum faz ao organismo, é gripezinha de leve o que se ganha passageira como chuva de verão que deixa aguaceirão no chão. Na rodoviária não, a gripe que se pega nela é para sempre crônica, intoxicante, coqueluxante, catarrenta, agourenta, tuberculozante. Os olhos nesse instante também ganharam visão de horror quando se pôs a espiar o que tem de mais horripilante: homens adultos ainda vivos se mexendo sem precipitação na ação dos movimentos do corpo pela fraqueza tê-lo ido em visita desde o nascedouro, mulheres de mesmo teor de inferiorização na ação da existência, ao invés de rir por estar viva, choravam, crianças em fase de desenvolvimento, outras prestes a se tornar adultas, anciãos que já se perderam pelos meandros dos corredores esquecidos e foram jogados nos infernos de fogo de labareda árdua, largados aos recantos dos cantos, por sob sombra de deselegantes árvores que resistiram até então a desoxigenação do ar, deitados e arrostados pela miséria, moribundos em trapos de cobertor e restos de papelão pelo chão fermentado de fezes e restos de alimento, com mãos estendidas pedindo pão ou quinhão em moeda corrente sorridente do país tupiniquim nanquim, tinta que pinta a miséria por mãos de artista sem conhecer de fato a alegoria real da miséria, pois que a ela nunca se mostrou ao vivo, nunca passou ou viveu e enxergou como sendo a única coisa que desvenda a vala para enterrar os defuntos feitos por ela.

 

Pernas driblando o diabo e mais o que de mal a pior há, o levou até a estação da luz esmaecida pelas nuvens em horário de picodelicismo repugnante. Picada que entrava sem ser fé de ferrão de abelha, o ferroava feito ferro  chuço que desalmava o bicho no matadouro e o arrazoava preso na zagaia, estas eram de veneno de derrubar no triz do instante quando se enfiavam coração à dentro. Caótico horror olhou quando se apinhou e se abespinhou e se pendurou na comprida condução vagão, tremzãobão que parou a sua frente e tentou com unhas e dentes entrar levando gente nos peitos sem esquecer a mala segura por dedos de mossa. Disseram os que já viviam nos infernos urbanísticos que cuidasse bem dos pertencem que eram seus, senão passavam a ser de terceiros sem a devida autorização.

 

Vai roubar outro seu cuzão!

 

Palavrão escutado com ouvidos de cão por nunca ter ouvido falar alguém tão grossa presunção, foi o que escutou pela vez primeira, vindo de goela de gente que virou marginal pra deixar de viver mal no círculo dos que se apresentam com muito uns, outros com pouco, a maioria sem nenhum.

 

À ferro fogo derretendo sentimento, chegou à boca da noite quase a onde a cidade acaba, nos confins do mundo urbano que deixava de ser ao sair mais um pouquinho, por sentir o cheiro de algumas frutas produzidas nos quintas das pequenas chácaras.

 

Pela visão caótica que via e as construções a beira da estrada de ferro, se interessou pelo vai e vem dos postes de luz da rede ferroviária federal e os armazéns que guardavam a produção nacional, com o trem deixando os postes em movimento para trás a fim de encontrar a última estação sem ser a do ano das flores, pois flores lá não existiam, só gente em correria a fim de entrar e sair de outros meios de transporte para ganhar o pão do dia seguinte, o aluguel dos pequenos quarto cozinha e cômodos sem espaço.

 

O difícil depois de dias foi se enturmar dentro da gíria da nova vida que queria, não sabendo de que maneira falar com quem já era do lugar, por receio que viessem lhe atazanar em gozação dizendo que chegou mais um nortista para se enfiar pelo meio da multidão a fim de vencer no ser qualquer coisa que lhe dêem em troca de salário de fome.

 

 

 

(imagens ©slavko saweljew)

 

 

 

 

 

 

José Marques Sarmento é paraibano da cidade de Sousa. Vive em São Paulo desde 1977. Trabalha como gaffer cinematográfico em longas-metragens, curtas e filmes publicitários. Publicou os romances Um homem quase perfeito; A revolução dos corvos; Urbanóides: um caos paulistano; Paraisópolis, caminhos de vida e morte; O seqüestro do negativo exposto. Escreve o blogue jmsarmento.