Jacuraru ou no tupi yakurua'ru é um lagarto verde de faixas pretas. É provável que as pedras iluminadas do agreste tenham sido, e sejam ainda, morada e toca desses répteis que originaram o vocábulo Caruaru, também a cidade plantada na região do agreste pernambucano, nas proximidades da boca do sertão há alguns quilômetros adiante.

 

Pela manhã o sol já acende um calor manso e contrastado com o vento morno e suave, quase impalpável. A cidade gira feito um formigueiro, ali parece que todos têm pressa, o mito do dolce fare niente se desfaz, posto que tudo se move.

 

Na feira, que orgulhosamente contam ser a maior do mundo, o auto-falante preso ao poste anuncia numa voz tranqüila e blasé que "no momento, a temperatura local é de 38 graus".

 

Segue-se pelo labirinto de pequenas ruelas abarrotadas. Um aroma em profusão invade o ar da manhã e cada um se vira como pode — poetas, jogadores de cartas, vendedores ambulantes. Aguardam o tempo, que lá parece ágil e belo como o lagarto que empresta nome ao lugar —, não há tédio, mas vivacidade e o sentimento de que esse mesmo tempo existe para que passe assim, perceptível minuto após minuto, como as gotas da ampulheta colorida sob o sol desse burburinho soprado, leve e musical. O sentimento do mundo e do tempo que lá existem para que também se cumpra o ofício da vida.

 

A cordialidade aqui é reafirmada nas cores fortes e no sol, adensadas como um poema de Cabral, em cada olhar e em cada gesto.

 

O azul do céu nos ensina por que dizemos que algo é azul-celeste, choca-se violento com as flores de um rosa intenso e os tons de argila do solo com sua vegetação transcendente.

 

Do alto, a cidade alarga-se clara e pedregosa, o chão arenoso solta fagulhas de ouro e prata, e a tarde segue caindo sobre a cidade. O mesmo vento agreste agora é seco e frio sob o lajedo branco, e uma noite de estrelas desce e apaga a dureza das nuvens desse agreste onde algum pássaro noturno cantará seu desafio e sua ode ao dia e ao sol que virá.
 
 
 
 
 
 
Jussara Salazar. Poeta, artista plástica e designer. Natural de Pernambuco, vive e trabalha em Curitiba. Tradutora e colaboradora de periódicos e revistas no Brasil e no exterior, publicou de sua autoria em 1999, Inscritos da casa de Alice (Tipografia do Fundo de Ouro Preto), Baobá, poemas de "Leticia Volpi" (Travessa dos Editores, 2002) e Natália, (Travessa dos Editores, 2004). Trabalha há alguns anos como editora e com o selo Tigre do Espelho, produz livros e publicações. Atualmente, edita a revista eletrônica Lagioconda.