Fabiano Calixto é meu amigo, o que tornaria as coisas complicadas para mim, neste exato momento, se não fosse o ótimo poeta que é.

Vocês devem se lembrar do que eu disse, no começo deste Ano do Senhor de 2007, sobre como o ano era importante para a poesia dos autores jovens.

Pequena & incompleta recapitulação, apenas para que percebam o quanto, às vezes, dá para acertar um vaticínio: Angélica Freitas, Ana Rüsche, Fabrício Corsaletti, Ricardo Domeneck, Paulo Ferraz, entre outros, lançaram, durante o ano, seus novos livros de poemas.

(& eu nem sequer mencionei a importante revista Modo de Usar & Co., ou os eventos numerosos que tivemos neste ano excelente para a poesia brasileira).

Agora foi Calixto quem acabou de lançar, com os livros de Fábio Weintraub e Ruy Proença, o seu Sangüínea. Foi um dos agraciados com o PAC do ano passado, e a gente agradece ao PAC por esse tipo de coisa.

Calixto vinha de outro livro muito bom, o Música Possível, da Cosac & Naify, e neste agora lançado pela Editora 34 há uma familiaridade com o verso bastante incomum hoje: ele manipula dicções diversas com a mesma facilidade & felicidade, onde língua & linguagem não estão em desacordo.

(Outra coisa rara nesses nossos dias, nos quais é costume a língua ir para um lado & a linguagem para outro. O chamado deslocamento).

O que eu quero dizer com isso? Poderia escrever um longo e enfadonho artigo detalhando cada poema até vocês dizerem chega, mas fico com o exemplo iluminador de um poema da coleção, chamado "Obituário Literário com Figuras de Gatos e Ratos".

Nesse poema, que é, aliás, um poema cheio de humor, o leitor distraído sequer perceberá como foi rimado com extrema perspicácia e habilidade ("pois/foice", "quem se/ aquece", "metonímia/ mínima", etc), porque é escrito do modo mais casual deste mundo. Aparentemente.

Carlito Azevedo escreveu na orelha do atraente volume que é um livro de poemas "belo-amaros". Definição certeira, e um dos mais belo-amaros poemas deste volume indispensável é "Juntando Gravetos". Dificilmente o leitor e a leitora encontrarão mais complexa simplicidade. E de uma beleza tão grande, tão grande, que seria muito injusto não citar um trecho.

Com o qual deixo vocês (aliás, depois seria inútil dizer qualquer coisa), esperando que vão encontrá-lo na livraria.

 

(a dor nos traz anseios

tolos — como fazer a Terra

voltar meses, anos atrás, como fez

aquele herói extraterrestre

do filme e do álbum de figurinhas

que juntos colávamos

em muitas manhãs de domingo —

ou olhar uma estrela

e imaginar que você

dorme em algum lugar

ali por perto —

e nos dá a medida do tempo

e continuamos sem entender

medida alguma, aguardando

o barco retornar de Delfos

para que possamos, também,

nos despedir definitivamente

desse nosso

bosque liliputiano)

 

 

 

O livro: Fabiano Calixto. Sangüínea. São Paulo: Editora 34, 2007

 

 

 

dezembro, 2007