O PADRE DIRRAG ANUNCIA A ERADICE QUE ELE

A FARÁ GOZAR DE UMA TORRENTE DE DELÍCIAS

POR MEIO DE UM PEDAÇO DO

CORDÃO DE SÃO FRANCISCO (DO QUAL É PORTADOR)

 

 

Vamos começar, minha cara filha — prosseguiu o Padre. — Cumpri bem os vossos deveres e estais certa de que, com a ajuda do cordão de São Francisco e de vossa meditação, este piedoso exercício acabará numa torrente de delícias inexprimíveis. Ajoelhai-vos, minha filha, e descobri essas partes da carne que são o motivo da cólera de Deus: a mortificação que elas sentirão unirá intimamente o vosso espírito a Ele. Eu vos repito: esquecei-vos e abandonai-vos.

 

 

ERADICE DESNUDA AS NÁDEGAS PARA RECEBER

A DISCIPLINA DO PADRE DIRRAG

 

 

A Srta. Eradice obedece imediatamente, sem replicar. Ela se ajoelha num genuflexório, com um livro diante de si. Depois, levantando as saias e a combinação até a cintura, deixa ver duas nádegas brancas como a neve e de uma forma oval perfeita, sustentadas por duas coxas de uma proporção admirável.

— Levantai mais alto a vossa combinação — diz o Padre —, ela não está bem... Aí, assim. Agora ajuntai as mãos e elevai a vossa alma a Deus, enchei o vosso espírito com a idéia da eterna felicidade que vos é prometida. — Então o Padre aproximou um banquinho sobre o qual se ajoelhou, atrás e um pouco ao lado dela. Sob a sua batina, que ele levantou e passou em sua cintura, estava um grosso e longo feixe de varas, que ele apresentou para que a sua penitente o beijasse.

 

 

O PADRE DIRRAG A CHICOTEIA

RECITANDO ALGUNS VERSÍCULOS

 

 

Atenta ao desenrolar desta cena, eu estava cheia de um santo horror, sentia uma espécie de estremecimento que não posso descrever. Eradice não dizia uma só palavra. O Padre percorria com olhar esfogueado as nádegas que lhe serviam de perspectiva, e, tendo ele os olhos fixos nelas, eu o ouvi dizendo em voz baixa, com um tom de admiração:

— Ah! Que belo colo! Que tetas encantadoras! — Depois se abaixava, levantava-se intercaladamente, resmungando alguns versículos. Nada escapava à sua lubricidade. Após alguns minutos perguntou à sua penitente se a sua alma tinha entrado em contemplação.

— Sim, meu Reverendíssimo Padre. — Ela lhe diz: — Sinto que o meu espírito se desliga da carne e vos suplico que comece a santa obra.

— Isto basta — retomou o Padre —, o vosso espírito ficará contente. — Recitou ainda algumas preces e a cerimônia começou com três varadas que ele lhe aplicou bem de leve no traseiro. Estes três golpes foram seguidos por um versículo que ele recitou e, sucessivamente, por três outras varadas um pouco mais fortes que as primeiras.

 

 

ELE TIRA O PRETENSO CORDÃO DE SÃO FRANCISCO

 

 

Depois de cinco a seis versículos recitados e interrompidos por essa espécie de diversão, qual não foi a minha surpresa, quando vi o Padre Dirrag, desabotoando as suas calças, pôr à mostra um dardo inchado, que era semelhante àquela serpente fatal que havia atraído as censuras do meu antigo diretor! Esse monstro adquirira o comprimento, a espessura e a firmeza preditas pelo capuchinho, ele me fazia estremecer. Sua cabeça rubicunda parecia ameaçar as nádegas de Eradice, que ficaram da mais bela cor encarnada. O rosto do Padre estava todo afogueado.

— Agora — disse ele —, deveis estar num estado mais perfeito de contemplação: a vossa alma deve estar desligada dos sentidos. Se minha filha não engana as minhas santas esperanças, ela não vê mais, não ouve, não sente mais.

Neste momento, este carrasco fez cair uma saraivada de golpes sobre todas as partes do corpo de Eradice que estavam a descoberto. Contudo, ela não dizia nada, parecia estar imóvel, insensível a esses terríveis golpes, e nela, simplesmente, eu não distinguia mais do que um movimento convulsivo das nádegas, que se comprimiam e se descomprimiam a todo instante.

— Estou contente convosco — diz-lhe o Padre após um quarto de hora dessa cruel disciplina —, está na hora de começardes a gozar do fruto de vossos santos trabalhos. Não me escutai, minha cara filha, mas deixai-vos conduzir. Prosternai o vosso rosto contra o chão: com o venerável cordão de São Francisco, vou expulsar o que resta de impuro de vós.

De fato, o bom padre colocou-a numa posição, na verdade humilhante, mas também a mais cômoda para os seus propósitos. Jamais se viu algo de mais belo: as suas nádegas estavam entreabertas e descobria-se por inteiro a dupla estrada dos prazeres.

Após um instante de contemplação do falso beato, ele umedeceu com saliva o que chamava de o cordão e, proferindo algumas palavras num tom que cheirava ao exorcismo de um Padre que trabalha para expulsar o diabo do corpo de um endemoniado, Sua Reverência começou a sua introdução.

Eu estava colocada de maneira a não perder o menor detalhe desta cena: as janelas do quarto onde ela se passava estavam defronte da porta do gabinete em que eu estava trancada. Eradice acabava de ser posta de joelhos no chão, com os braços cruzados sobre o estribo de seu genuflexório e com a cabeça apoiada nos braços. Sua combinação, cuidadosamente, levantada até a cintura, deixava-me ver, meio de perfil, nádegas e uns quadris admiráveis.

 

 

ELE SE ATRAPALHA COM A ESCOLHA DAS DUAS ENTRADAS

QUE ERADICE LHE APRESENTA. A PRUDÊNCIA

O DETERMINA E PREDOMINA SOBRE O GOSTO

 

 

Esta perspectiva luxuriosa fixava a atenção do reverendíssimo Padre, que se pusera, ele próprio, de joelhos, as pernas de sua penitente entre as suas, as calças abaixadas, o seu terrível cordão na mão, resmungando algumas palavras mal-articuladas. Por alguns instantes ele permaneceu nessa edificante atitude, percorrendo o altar com olhares abrasados e parecendo indeciso quanto à natureza do sacrifício que ia oferecer. Duas aberturas se apresentavam, ele as devorava com os olhos, embaraçado quanto à escolha: uma era um manjar delicioso para um homem de sua batina, mas ele prometera prazer, êxtase para a sua penitente. Como fazer? Ele ousou dirigir várias vezes a cabeça de seu instrumento para a porta favorita, na qual esbarrava levemente. Mas, enfim, a prudência predominou sobre o gosto.

 

 

ELE O INTRODUZ... DESCRIÇÃO EXATA DOS SEUS

MOVIMENTOS, DE SUAS ATITUDES, ETC.

 

 

Eu lhe devo esta justiça: vi distintamente o rubicundo príapo de Sua Reverência atravessar a estrada canônica depois de ter entreaberto delicadamente os seus lábios vermelhos com o polegar e o indicador de cada mão. Este trabalho foi inicialmente começado por três vigorosas sacudidelas que fizeram entrar quase a metade dele. Então, de repente, a tranqüilidade aparente do Padre transformou-se numa espécie de furor. Que fisionomia! Ah, Deus! Imaginai um sátiro com os lábios carregados de espuma, a boca aberta, às vezes rangendo os dentes, resfolegando como um touro que muge. Suas narinas estavam inchadas e agitadas, ele mantinha as suas mãos levantadas a quatro dedos das ancas de Eradice sobre as quais via-se que ele não ousava colocá-las para ali se apoiar. Seus dedos afastados estavam em convulsão e adquiriam a forma da pata de um capão assado. Sua cabeça estava abaixada e seus olhos cintilantes, fixados no trabalho da cavilha mestra, cujas idas e vindas ele compassava de maneira que, no movimento de retroação, ela não saísse da sua bainha e que no de impulso, seu ventre não se apoiasse nas nádegas da penitente, a qual, por reflexão, poderia ter advinhado onde se encontra o pretenso cordão. Que presença de espírito! Vi que aproximadamente o comprimento de duas polegadas do santo instrumento ficou constantemente reservado do lado de fora e em nada participou da festa. Vi que cada movimento que o traseiro do Padre fazia para trás, pelo qual o cordão se retirava do seu abrigo até a cabeça, os lábios da parte de Eradice entreabriam-se e pareciam de uma cor encarnada tão viva, que encantavam a vista. Vi que por um movimento oposto, quando o Padre empurrava para a frente, esses mesmos lábios, dos quais então não se via mais do que que o pequeno pêlo negro que os cobria, apertavam de forma tão exata a flecha, que ali parecia engolida, que teria sido difícil advinhar a qual dos dois atores pertencia este pino pelo qual um e outro pareciam igualmente atados.

Que mecânica! Que espetáculo, meu caro Conde, para uma moça de minha idade que não tinha nenhum conhecimento desse gênero de mistério! Quantas idéias diferentes me passaram pela mente, sem poder me fixar em nenhuma! Lembro-me somente que por vinte vezes estive a ponto de ir me jogar nos joelhos deste célebre diretor para suplicar-lhe que me tratasse como a minha amiga. Seria um movimento de devoção? Seria um movimento de concupiscência? É o que ainda me é impossível discernir bem.

 

 

ERADICE E O PADRE DIRRAG ENLOUQUECEM DE PRAZER.

ESTA MOÇA ACREDITA ESTAR GOZANDO DE UM PRAZER

PURAMENTE CELESTE.

 

 

Voltemos aos nossos acólitos. Os movimentos do Padre se aceleraram, ele tinha dificuldade em manter o equilíbrio. Sua posição era tal que, de forma aproximada, da cabeça aos pés, ele formava um "S", cujo ventre ia e vinha horizontalmente até as nádegas de Eradice. A parte desta, que servia de canal à cavilha mestra, dirigia todo o trabalho e duas enormes verrugas, que pendiam entre as coxas de Sua Reverência, pareciam ser testemunhas disso.

— Vosso espírito está contente, minha santinha? — disse ele, dando uma espécie de suspiro. — Quanto a mim, vejo os céus abertos, a graça suficiente me transporta, eu...

— Ah, meu Padre! — exclamou Eradice — que prazer me aguilhoa! Sim, gozo da felicidade celeste, sinto que o meu espírito está completamente desligado da matéria. Expulsai, meu Padre, expulsai tudo o que resta de impuro em mim. Estou vendo... os... an...jos. Empurrai mais para a frente... empurrai, vamos... Ah!... Ah!... bom... São Francisco! Não me abandonai! Estou sentindo o cor... o cor... o cordão... não agüento mais... estou quase morrendo!

O Padre, que sentia igualmente a aproximação do soberano prazer, gaguejava, empurrava, resfolegava, arfava. Enfim, as últimas palavras de Eradice anunciaram o sinal de sua retirada e eu vi a orgulhosa serpente, tornada humilde, rastejante, sair do seu invólucro, coberta de espuma.

Tudo foi prontamente recolocado em seu lugar e o Padre, deixando cair a sua batina, com passos trôpegos, alcançou o genuflexório que Eradice havia abandonado. Ali, fazendo de conta que começava a orar, ordenou que a penitente se levantasse, se cobrisse, depois que viesse reunir-se a ele para agradecer ao Senhor pelos favores que d'Ele acabara de receber.

O que vos direi, enfim, meu caro Conde? Dirrag saiu e Eradice, que me abriu a porta do gabinete, saltou-me ao pescoço, abordando-me:

— Ah! Minha cara Teresa — disse-me ela —, participei da felicidade dos anjos. Quantos prazeres, minha amiga, em troca de um momento de dor! ela virtude do santo cordão, minha alma estava quase desligada da matéria. Pudeste ver por onde o nosso bom diretor o introduziu em mim. Pois bem! Eu te asseguro que o senti penetrar até o meu coração. Um grau de fervor a mais, não duvide, eu passaria para sempre para a morada dos bem-aventurados.

Eradice me fez mil outros discursos com um tom, com uma vivacidade que não puderam me deixar dúvidas quanto à realidade da felicidade suprema de que gozara. Eu estava tão perturbada que mal a felicitei. Com meu coração na mais viva agitação, beijei-a e saí.

 

 

 

 
(Do livro Teresa Filósofa. Autor anônimo do século XVIII. Tradução
de Maria Carlota Carvalho Gomes. Porto Alegre: L&PM Editores, 1991)

 

 
 
 

Nota: A autoria do livro, secreta, é atribuída ao senhor Jean Baptiste de Boyer, Marquês d'Argens, nascido em 1704 e morto em 1771.