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Lira pornoerótica inova a velha sextina

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Sendo a literatura investigação do humano, é apenas natural que a erotografia (sob qualquer forma) seja antiga como a civilização. Aliás, em seu Eros e Civilização, o filósofo Marcuse postulava que Eros, como princípio vital, rechaça a repressão e o controle.

Para deixar jorrar essa pulsão eruptiva, o poeta português Joaquim Estevez da Guarda retoma a sextina do século 12 em seu livro Llama de amor viva: Sextynas (Cadernos do Subsolo, Porto, Portugal, 2007). A sextina é uma complicada composição poética criada pelo trovador provençal Arnaut Daniel, que dela se serviu para bem cantar folguedos amorosos. Dante e Petrarca também praticaram a forma. Tecnicamente, a sextina consiste em seis sextilhas mais um terceto final, sendo que as rimas se repetem, de cabo a rabo, segundo uma ordem estrita, impondo uma circularidade ao discurso poético.

Neste Llama de amor viva — um verso tomado de empréstimo ao místico Juan de la Cruz —, Estevez da Guarda engaja-se na militância amatória de um Bocage clássico para louvar a "glória das feminis carnes" e o "lúbrico tormento" da cópula, chamando as partes ditas pudendas por seus nomes impróprios.

Numa era em que a pornografia eletrônica é um business bilionário, esta celebração do gozo carnal constitui, na verdade, uma transgressão às normas vigentes — a farta oferta de sexo virtual, a "neocaretice" pós-advento da Aids, as múltiplas formas de obscenidade em cartaz no mundo-mercado, no circo da mídia, na chamada sociedade do espetáculo e do controle. A surrada questão "arte ou pornografia" sequer se coloca aqui, pois o sextinário sexy de Estevez da Guarda — erudito e popular a um só tempo —, se filia a uma robusta tradição latina de letras lascivas, onde nada do que é humano é estranho à poesia. Em dez elaboradas "sextynas em medida velha e medida nova", este liber libertinário exalta o gozo demasiado humano — o coito sem protocolo, sem repressão e sem preço.

O poeta põe as musas em pêlo, com pleno domínio da forma, do repertório clássico e da tradição portuguesa. Como assinala, no prefácio, o poeta galego Xosé Lois García, ao exaltar a liberdade instintiva, "doada pela própria natureza", o sextinário compõe uma "liturgia laica" para espíritos livres. A língua franca de Eros reafirma, ainda e sempre, sua primazia.

 

 

 

O livro: Joaquim Estevez da Guarda. Llama de amor viva: Sextynas

(Porto, Portugal: Cadernos do Subsolo, 2007).

 

 

 

 

De feitura artesanal, é distribuído no Brasil pela Editora e Livraria Crisálida de Belo Horizonte.

Tel.: (31) 3222-4956 |  livraria@crisalida.com.br | Pode ser adquirido junto ao próprio autor, clicando aqui.

 

 

 

dezembro, 2007

 
 
 
 
Luiz Roberto Guedes. Poeta, escritor e tradutor, nasceu e sobrevive em São Paulo. Publicou, entre outros, Calendário lunático — erotografia de Ana K (Ciência do Acidente, 2000), a novela O mamaluco voador (Travessa dos Editores, 2006), o infantil O Livro das Mákinas Malukas (Dubolsinho, 2007), Minima Immoralia/Dirty Limerix (Demônio Negro, 2007) e colaborou com Claudio Daniel nas antologias Íbis amarelo sobre fundo negro, poemas de José Kozer (Travessa dos Editores, 2005) e Jardim de Camaleões, poetas neobarrocos (Iluminuras, 2005). É letrista sob a identidade secreta de Paulo Flexa.
 
 
 
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