OºC

 

as janelas e persianas foram removidas do quarto

você vem

pra me dizer

não há mais portas no apartamento

 

nem uma natureza morta restou

a perspectiva tornar-se imediata

imune a qualquer fuga

que se possa conceber durante a insônia

 

sobre a porcelana que solidifica o desespero

 

 

 

 

 

 

contatos imediatos

 

há momentos perpendiculares

em que o diálogo se estabelece

 [por um segundo]

a parede desintegra-se no vácuo

sob o olhar das arandelas

 

tão longe/tão perto

que nossa pele em contato

seria talvez

mais um componente da distância

 

labirinto sem saída

entre osso e epiderme

 

 

 

 

 

 

(re)construção

 

construir ruínas em uma superfície

nem sempre plana

me impõe o desafio de arquiteturas

íngremes

 

o sapato escorre pela avenida

verticalizada      onde

o tempo simula a colina de ar que nos delimita

no espaço

entre objetos

a intersecção de nossa pele áspera

na quadratura de sombra

 

e a morte

que rasteja pelos cantos

é uma infiltração na parede do corpo

desse quarto

 

 

 

 

 

 

a cama devastada

 

a intermitência dos lençóis em convulsão

cede ao impulso de uma chuva

que só dorme em nossa cama

 

o movimento apaga-se

inteiramente

a lâmpada fria

 

nenhum abraço me vem de sua boca

[vermelha ou cereja]

 

no cemitério da memória

sobrevive a incandescência

mas já passamos da hora de dormir

 

e a vela repousa

[última]

extinta em meu estômago









retrátil

        

respirar nas folhas do álbum

o gosto de casa velha dos avós

quando eram vivos e nos

enchiam de sorrisos quentes

com manteiga

 

bolinhos de chuva

no telhado

 

[eu sentia cada golpe]

 

o escuro estreita as paredes

e um senhor desenterra da boca

uma lâmina mais fria

que o inverno em seu rosto

 

o tempo

repousa nos móveis

 

revoada em papel de seda

passos minerais

no relógio de alguém

que se aproxima

 

o sem fim de

se apagar os olhos vítreos

 

[não sou mais o mesmo]

solidez de pó sobre a cadeira

[sou ainda e tantos outros]

 

o infinito e

a sucessão dos mesmos quadros

 

 

 

 

 

 

18h no zoológico

 

o relógio desregula os batimentos cardíacos da tarde

e as colunas do meu corpo fogem pontualmente

em desespero

brando

estão todos aqueles que arquivam sapatos

e experimentam a oxidação dos ossos

sob a mesa

 

retinas e dentes alambrados na veneziana

espiam os cartazes do cirque du soleil

 

torcendo pra que não chovam elefantes

ou tigres de bengala

 

 

 

 

 

 

presente

 

o pensamento

querendo tocar o objeto

paredes que se rompem

ao contato de uma luva

 

o embrulho nas mãos

se desnuda dos laços

e revela o vazio

em que se vê

 

perplexo

você rega a fluidez

da própria pele

 

um naco de metafísica

sobre a cama

um cadáver manipulado

a silêncio e bisturi

 

espaço de uma sala

incontinente



 






(imagens ©frank krahmer)

 

 

 

 

Eduardo Siqueira (Maringá/PR, 1984). Tem poemas publicados na revista eletrônica Cronópios e participa da II Antologia de Poetas Lusófonos (Folheto Edições, 2009). Mais em seu blogue, aqui