Os Peitos
Sob a pele aveludada a insígnia:
"Um coração pulsante"
Lateralmente às narinas enfermas,
De pressentir a volúpia,
Os olhos lançam adagas.
Não é mais bela como antes.
Antepondo-se a visão,
Um muro de sentimentos rubros:
Paixão, ódio, desejo e tristeza
Embaçam as pupilas em escrutínio.
Como se morta fosse para mim,
Guardo a lembrança dos delírios
Que um dia orquestrei na alma.
Amo-a como se ama o filho morto
Nas suas possibilidades irrealizadas.
Querendo guardar esse momento
Fotografo o estático coração,
No que se me revela não um espírito,
Mas apenas um par de peitos.
Cadáver
Os poderosos se erguem sobre torres de cadáveres.
Quanto a mim, sou só mais um na coluna de corpos.
O tempo de sonhar se acabou.
Os sinos das igrejas tocam uma balada fúnebre
Pelos homens autômatos;
Pelas horas inúteis perdidas em escritórios mofados;
Pelas crianças que nascerão sob o signo do açoite.
E por todos que oferecem a cabeça à foice,
E ao trato dos algozes.
Mas sem lamúria. Tudo é necessário.
Sabemos bem da sede de poder no flanco da miséria,
É a mesma argamassa que ergue esse edifício
— Do subsolo a cobertura —
Somos todos vampiros numa dança macabra,
Eternizando nosso espetáculo de crueldade.
Sou pessimista, soturno?
— Talvez. Mas talvez esse grito de desconsolo,
Resvale apenas levemente a realidade.
E talvez nem a mulher amada dê conta do abismo
— Abismo que é —
Nem os programas televisivos de domingo.
Há um zumbido ininterrupto em meus ouvidos
Enquanto o ouço sei que estou vivo.
Será a vida não mais que um zumbido?
Um ruído desagradável na face silenciosa do universo?
Quero gozar imediatamente,
Fazer do gozo o dolo da vida.
Quero conceber. — o parto é sempre uma dor —
E só parir assenta sentidos e,
Salvaguardadas as proporções,
Também pari meus mundos.
Dinheiro
"O dinheiro compra até amor verdadeiro"
Nelson Rodrigues
I
De tudo aquilo que existe no mundo,
E circula na mente de quem pensa,
Reflitamos apenas um segundo,
Para darmos então nossa sentença.
Dinheiro, sacrifício do vivente,
Compram-se carros, casas, palacetes,
Compram-se almas, amores e coquetes.
Tudo aqui é nada e pago se sente!
Mas sem choro! Talvez, nalgum lugar...
(E a viagem é custosa, por avião,
Praia da Polinésia, ou Dacar),
Em que se viva sem nenhum tostão,
E em que se morra sem se lamentar.
Um lugar longe, para além do mar...
II
Um lugar ermo, com toda certeza,
Com matas nativas e ribeirões,
Mas ao chegar lá, pasmo de surpresa:
Eis que um Shopping banal ganha milhões!?
Desiludido, farto, parto as compras,
Pra matar minha gana consumista,
E peço ao atendente que me assista,
Quando chego, já tenho as malas prontas.
Meu cartão estourou, pedirei grana
Ao Banco e pago suaves prestações.
Perdi dinheiro, o auditor me engana,
Minha mulher me engana aos borbotões
Quero o divórcio, já não posso mais,
Parto o patrimônio em partes iguais.
III
Quero escrever bem simples, que o dinheiro
Não merece de mim nenhum capricho.
Denuncio sua face de embusteiro
E salto no sistema como um bicho.
Minha alma numeral, escriturada,
Não quer mais ser resíduo capital,
Falar-se infeliz não basta e afinal
Vale pouco e de fato é quase nada.
Mas eu devo escrever sobre o dinheiro,
De maneira a expurgar de mim a chaga,
Banco o escravo e o sou quase por inteiro,
Um infeliz que a sorte vil afaga.
Talvez queira culpar a sociedade,
Mas nada no contexto me persuade.
IV
Desqualificação não ter dinheiro.
Cavalgo a vida ou sou pobre cavalo,
Encilhado, contido por inteiro?
Paro um pouco, reflito e então me calo.
Meu vizinho, que é rico e fã de Volpi,
Solicita-me que faça um soneto.
Faço um verso fabril – discurso reto,
Onde o lirismo já não se me esculpi.
Recebo um pagamento generoso,
Como operário que sou das palavras,
Que o dinheiro me mostre um céu lustroso!
E que eu goze o sulcar de minhas lavras!
O dever monetário é visceral,
E entrego-me de vez ao capital.
Puto, baixo, vendido, vivo confortavelmente. Compro carros, mulheres, amigos; reconcilio-me com o mercado. Fico romântico, simpático, bem-sucedido. E que a poesia me perdoe, eu quero ser Paulo Coelho.
Versos Lúbricos
Cada dobra do teu corpo impassível
É divisa do desejo carnal
Indolente erguer sonâmbulo véu
Em que surge a minha sôfrega nau
Amor meu, tu me tornaste viril,
E o teu sexo foi nascente frugal.
Arrebata-me. Leva a boca ao pau,
Que me chupas como nunca se viu.
Ai querida, tudo em ti é ambição,
Pois procuro os peitos para apertá-los
Contra a face quero ter outonais,
Maturando, nos meus lábios estão
Os teus frutos orgulhosos nos halos.
E masturbo no chão quando te vais.
Meu enterro
Meu enterro terá muitas florzinhas
A visita de parentes e fadas
Terá músicas tocando baixinhas
E volúpias de moças extremadas
Meu enterro será só mansidão
Os amigos contarão anedotas
Lembrarão minhas virtudes já rotas
Gozadores contumazes que são
Que se faça a procissão da agonia
E enterrada esta carcaça onerosa
Que o lamento não perdure, e se ria
Ressequidos o perfume da rosa
E a lembrança lutuosa de mim
Sepultura terá meu corpo enfim.
Carta a Socióloga
Eu deixarei de próprio punho à mesa
Uma carta à Roberta Soromenho,
Escrita a sangue, fí-la de mão tesa
Que a mão suicida é tudo que ora tenho
Direi assim: "Caríssima Roberta,
Que o sociólogo tenha esclarecido,
Você me convenceu e é coisa certa
Estatística sendo, sou olvido,
Que os números não hão de ser lembrados
Também meu versejar será esquecido
No universo dos poetas degredados
Mas antes, de você tivesse ouvido,
Não a sociologia de Durkheim,
E sim, a boca junto a mim: Je T’Aime"
Puta no Porto
I
Fosses tu uma puta no porto
Com grande prazer pagava tua lida
E te pregava as palmas no horto
Para ver-te a face padecida
Fosses tu uma puta no porto
Com que pudor enxugava teu pranto
Velava-te como se vela um morto
E chorava tua morte num canto
Fosses tu uma puta no porto
A quem me dava com aura de santo
Perdoava-te os pecados, e no entanto
Reiterava-os a cada momento
Uma puta, mas minha entretanto
Com a paga régia do esquecimento
II
Mas se tudo coubesse num soneto
Morte amor essa puta saudade
Em quatorze versos de sentimento
Seria preciso certa maldade
Embora fosses uma puta no porto
Em excelsa luz e claridade
Se o teu vadiar fosse vaidade
E se me amasse assim, meio torto
Diria que vivo tua vida de puta
Sou puta em ti conjuntamente
Vítima do teu desejo inclemente
Voluntário, encampei tua luta
Sangro de morte constantemente
Pregado na cruz de tua gruta
(imagens ©a. obolenski)