©francis kelly
 
 
 
 
                                                                    
  

O grito, enquanto grito, é apenas o silêncio se esvaindo. O caos, enquanto caos, é apenas a latitude maior deste silêncio. A mesma coisa é a diferença. Na verdade, o que mesmo importa?

 

Mariposas de madeira? Jardineiros cegos? Crimes perfeitos? Quadros em movimento? Que importam?

 

Talvez o que valha seja mesmo o estilhaçamento, a fragmentação de todas as realidades inocentes, graves ou mortas. O caos é crise e solução. A memória é apenas uma invenção.

 

Que importa, mesmo este excerto?

 

 

através de uma porta de imagens

 

Eremias era um sonhador e confundia-se nos sonhos. Um dia, o cigano vendeu-lhe um espelho. Foi inesquecível para Eremias, o do sonho, que não conhecia o objeto. Eremias se duplicou. Beijou-se e manchou a imagem. Com isso, entristeceu-se e espedaçou o espelho. Minúsculos pedaços passaram a olhá-lo, e outros Eremias aconteceram. Daí, ele compreendeu que não bastava sonhar, porque ele era único, mesmo em imagens.

 

 

***

 

 

É neste novo caos que se insinuam bênçãos para a pestilência do engano, Leontino; que se vê nascerem penas dos calcanhares dos mortos, Joan Edesson; que o hipopótamo invade o jardim, Gildemar; que se instauram instruções para as indecisões, Eduardo Jorge...

 

É neste novo caos que o começo continua sendo o fim.

 

 

***

 

 

Nas manchas dos estilhaços. No novo labirinto. A bordo: Ana Miranda, Gilmar de Carvalho, R. Leontino Filho, Sânzio de Azevedo, Amílcar Bettega, Lourdinha Leite Barbosa, Jorge Pieiro, Soares Feitosa, Tércia Montenegro, Joan Edesson, Nilto Maciel, Tânia Lima, Rinaldo de Fernandes, Jorge Tufic, Gildemar Pontes, Pedro Salgueiro, Micheliny Verunschk, Luiz Arraes, Floriano Martins, Eduardo Jorge, Francisco Sobreira, Cândido Rolim, Aldir Brasil Jr., Daniel Glaydson, Clauder Arcanjo, Fernando Lima.

 

 

***

 

 

Um olhar sem imagem:

 

"Seu medo era tamanho que resolvera proteger-se, agarrando-se com ele. E assim atravessaram o corredor vazio, as dependências invadidas pelo sossego da hora, o quintal e o jardim; por um impulso do mais forte, estacaram debaixo de um caramanchão distante alguns metros de uma cisterna decorada com motivos ibéricos. Foi nesse ponto que a mulher soltou aquele grito que já lhe intumescia a garganta, percorria-lhe o corpo trêmulo. A voz tomou a forma de uma tocha vermelha e atravessou as ruas da cidade. No local, uma sinuosa caligrafia de sangue, dominando o espaço hipotético de cinco rosas desfeitas, compunha um delta na superfície do ladrilho. Mas nada existia que indicasse a origem do grito." (Jorge Tufic, "Cinco rosas". p.37)

 

 

***

 

 

Que importa mesmo a vida? Importa viver. O caos.

 

 

 

 

__________________________________________________________________________

 

ps:

 

  1. estante: finalmente, Caos Portátil: um almanaque de contos. v. 1 n. 2. Fortaleza: Letra e Música, 2005 (mesmo já em 2006). 66 páginas.  R$ 10,00.
  2. número 3 em processo para lançamento na Bienal do Livro de Fortaleza, em agosto, 2006.
  3. contato: letraemusica@secrel.com.br

 

___________________________________________________________________________

 

 

 

 

junho, 2006

 

 

 

 

jorgepieiro@secrel.com.br