©john rush
 
 
 
 
                                                                    
  

A grande ilusão é a sensatez, a consciência, a verdade, a concretude, a precisão, a validade do que se dá por objeto às coisas. No meio disso tudo, a grande certeza é que a vida finda ainda na morte. Não fosse assim, de que valeria o Caos, a aleatoriedade, as leis do acaso, os incidentes, os acidentes?

 

Sei que algas crescem em meus dentes. Isso é randômico e viável, se desperto para a imaginação. Isso é o Caos que tento despertar como sombras. Uma delas, essa, por exemplo...

 

***

 

a máquina invisível da dissimulada Alice depois de vinte minutos de loucura premiada ou o adeus em pânico dos desconhecidos Ele e o Outro: o cotidiano adeus de uma vidança sem título

 

No princípio eram nomes. Depois se fizeram carne, corpo, rosto. Pensamento. Apenas um ficou invisível, sentado na última cadeira da última fila. Um dos mais velhos abriu os alforjes e dele tirou pergaminhos contemporâneos. Mosarb, o invisível, não aceitou o dito paradoxal, pergaminhos? Contemporâneos? Mas continuou em silêncio, como sempre. Um dos mais velhos leu-os em voz alta. Apontou espaços, territórios, formulações, índices. Ouviu, também, espantos, estigmas, soluços, cuidados, aceitações, como só ele ouvia. Aqui e acolá, um desaviso. Até que, exausto, guardou os papéis e deu-se à noite. E cada um seguiu os próprios passos. Menos Mosarb, que ali permaneceu, disseram, sentado na última cadeira da última fila, até agora.

 

Nos dias seguintes, todos já se reconheciam. A genealogia formada. Uma era virtual, outro, quase mouro; uma, nascendo, outras vencendo; alguns buscando, várias multiplicando.

 

Um a um, na tenda apocalíptica, foram se ouvindo. Enquanto isso, Mosarb escrevia a lição dos desejos em trama. E as palavras expelidas pelas cavernas foram se avolumando, retorcendo-se em novos pergaminhos... Mosarb, o invisível, inflava-se do Verbo. E escrevia...

 

(Naquela situação, ela pôde até sentir o odor da menarca. Alice levou a mão ao coração agarrando o seio. Talvez ela também fosse tímida. Roberto de novo sai do quarto. A ex-meninazinha se enfeita buscando de volta toda a alegria que ela sabe que está guardada em algum lugar desse dentro dela. Amava se sentir assim.

— Ele nem sonha com a possibilidade de Outro em minha vida.

Um rápido aceno interrompe seus pensamentos. Ela perde a oportunidade da conclusão, regressando ao que desprezara há poucos dias. Seu pai era um homem severo e rude. Ela não resiste ao pânico naquela madrugada. Agora não está mais só.

 

Eu me lembro de ter visto a cena mais magnífica da minha vida… Ela voou.)

 

Sem perceber, o pensamento continuou na mente de cada um, engravidando-se. Chegaria o fim. E chegou. Um dos mais velhos sumiu, de volta a Panaplo... Todos os outros passaram a cometer delírios ou a caminhar pelas ruas, como se nada tivesse acontecido. Mossarb continua ali, dizem. Escrevendo.

 

***

 

As algas em meus dentes. Algas produzidas em laboratório. Há muito ainda sobre o que desistir e comentar. Antes do fim.

 

 

 

 

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ps:

 

1. estante de tartaruga, enquanto não sai do prelo o n. 2, ainda, Caos Portátil – Um almanaque de contos.

2. nesta víscera, inter/invenções sobre textos do laboratório: narrativas, territórios, realizada no Instituto Dragão do Mar, em Fortaleza-CE (dez 2005  / jan 2006) 

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março, 2006

 

 

jorgepieiro@secrel.com.br