Ao contrário de países do Oriente Médio e da ex-URSS, o continente americano foi pouco ou nada influenciado pelos filmes indianos, mais propriamente por aqueles de Bollywood, a  indústria cinematográfica indiana de Bombaim (Mumbai), dita a maior do mundo. Países não alinhados com a política norte-americana, nos anos da assim chamada Guerra Fria, encontraram nos indianos toda a fantasia, ação, romance, beleza e humor que o resto do mundo comprava dos estúdios hollywoodianos.

 

Como já disse anteriormente nesta coluna, os filmes de Bollywood podem ser deliciosamente kitsch, mas como todo produto,  têm seu prazo de validade. Há que se dizer que quase nada, da última década, presta. Das centenas de filmes feitos anualmente, somente seis ou sete acabam tendo êxito nacional. A velha fórmula de sucesso se repete à exaustão, e posso enumerar somente Lagaan, dos últimos títulos que vi, como uma obra digna de atenção. Os filmes são longos para os padrões ocidentais, cheios de clichês, canções e danças modernas de gosto duvidoso. 

 

 

Ray

 

Na Índia obviamente há também um pequeno grupo de cineastas pensantes, que são provenientes principalmente  do estado de Bengala. Buddhadep Dasgupta, que tive por professor num curso sobre roteiro,  é provavelmente o mais destacado no momento. Mas para ver cinema indiano da melhor qualidade, fique com o mestre Satyajit Ray (1921-1992), que influenciou uma série de cineastas pelo mundo todo (de Kurosawa a George Lucas) e foi provavelmente o maior diretor indiano que tivemos. Seus filmes, principalmente Pather Panchali (1955) e Devi (1960) fizeram-me repensar a maneira de ver e analisar os filmes europeus, dos quais eu já era admirador.

 

Em casa

Em São Paulo, a melhor oportunidade de se ver títulos indianos são as mostras organizadas pelos Centros Culturais, Cinusp, Cinemateca e  Leon Cakof. Há porém alguns títulos curiosos em dvd, disponíveis nas locadoras, dos quais  traço um guia abaixo:

 

 

O tigre de Bengala / O sepulcro indiano – Fritz Lang

O pessoal do "Cahiers du Cinema" idolatrava estes filmes, do final dos anos 50. Particularmente bizarro, atores brancos e europeus, pintados de cobre, usando turbantes, pretensamente indianos e falando alemão! Um tigre que não assusta, empalhado, quase de papel, metaforicamente. As cenas de dança indiana criam um amálgama moderno, impensável para a época, mas isso não quer dizer que tenha ficado bom. No final das contas, dei muita risada de tudo. Os primeiros zumbis, aperfeiçoados posteriormente por George Romero, estão lá. Com coragem, você assiste aos dois duma vez só.

 

 

Samsara – Pal Nalim

Beleza é a tônica do filme. Trio central de atores lindos, música, fotografia, cenas de sexo, tudo bonito até demais, o que pode irritar um pouco a quem já comeu muita poeira na Índia.  Arrisque-se a ir além da  plasticidade de um filme que levanta questões profundas sobre as ilusões e desencantos da jornada espiritual, budista ou não. As feministas têm adorado.

 

 

Casamento à indiana – Mira Nair

Leve e divertido, mostra conflitos entre indianos residentes e não-residentes (aqueles que vivem no exterior), com os preparativos de um casamento como pano de fundo, abrangendo todas as classes envolvidas, dos servos aos noivos.

 

 

Asoka – Santosh Sivan

Eis ai um exemplo de Bollywood mal feito que conseguiu certo destaque. Conta a história do imperador sanguinário Asoka (lê-se a-sho-ka) que se converte ao budismo e inicia uma grande campanha de difusão desta doutrina pela Índia. Está tudo lá: ação, romance, aventura, danças, etc. Sharuk Khan, o astro principal e um dos três atores mais famosos da Índia, faz o adorável canastrão de sempre, seu único papel.

 

 

Missão Kashimir – Vidhu Vinod Chopra

Mostra, ainda que de maneira estereotipada, os conflitos existentes na Caxemira indiana. É um fato histórico, triste e revoltante, que permanece desde a partição do sub-continente  em Índia e Paquistão. Desde então,   a pacífica e quase sufi Caxemira, com suas belas paisagens, tornou-se um pântano de sangue manipulado por governos ineficientes e guerrilhas impiedosas. O filme  explica, ainda que superficialmente, o conflito hindu e muçulmano através de um drama familiar, cumprindo seu papel didático. Tire as crianças da sala.

 

 

O guru do sexo - Daisy von Scherler Mayer

É um filme leve e divertido, sobre um ator indiano que vai a Hollywood esperando se transformar num grande astro, mas que começa pela porta dos fundos do cinema, sem ao menos saber do que se trata. Ajudado por uma das atrizes (Heather Graham, a eterna pornô de Boogie Nights, do diretor Paul Thomas Anderson), ele acaba se tornando um líder  em conselhos sexuais, mas toda a farsa não resiste ao seu bom-mocismo. De certo modo, o filme ataca  os modismos que os norte-americanos buscam desesperadamente adotar, do yoga às dietas de low-carbs. Divertido, mas é sobre sexo, então tire as crianças se não quiser ficar explicando.

 

 

Nascidos em bordéis – Ross Kauffman e Zana Briski

Documentário sobre crianças bengalesas que moram em bórdeis com suas famílias. A Índia é realmente um local curioso, onde  uma prostituta (hindu e religiosa) pode morar com o marido e filhos na mesma casa em que recebe seus clientes, separando os dois mundos apenas por uma frágil cortina.

 

Os autores acertam ao não serem sensacionalistas nem assistencialistas, deixando para as crianças a possibilidade de cavarem suas próprias passagens para o mundo da educação e  cultura, através da arte da fotografia, que lhes é ensinada por Zana. Alguns dos resultados são perturbadoramente belos, mas às vezes a crueza da vida de quem nunca teve opções, e não sabe lidar com elas, acaba prevalecendo.

 

 

Serviço

 

 

 

 

 

junho, 2007