Francisco Faria. Quatro vezes tempo (detalhe), 1999. Imagem
digital a partir de foto e desenho
R E F R A C T A
para Vera e Milton
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s e g r e d o
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r a s t r o
Francisco Faria. cobaea calyx (segundo Blossfeldt), 1995. Grafite sobre papel, 50x50 cm
n a m a d r
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g u d a q u
a l a d a g
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a p i n g a
d e s t r a v a r a l í n g
u a d o t r a v o d u m
a f r u t a á c i d a :
á r i d a d a r i a d i a
m e n t e : c a n t á r i d a
[Poemas de Ar | 1991]
fragmento V de Os poros flóridos
Os céus cian, e a mesma febre
Que o asfalto lume de breu rebrilha
Em cada face de suas britas,
Nas nuvens chumbo que trazem a chuva,
o furta-cor das britas na chuva.
Um aguaceiro e as palavras caem
em camadas geológicas, inspiração
de santos medievais, estátuas mutiladas,
respirar de mantra e palavras brancas,
o giz dos esqueletos sobre as dunas,
as letras fósseis papiro sobre a areia,
ou voz que rasca o mesmo silêncio.
Em meio ao chumbo (voo violáceo)
Perde-se o raio
No céu obscuro, e nos teus lábios
Os pingos rolam, rolam cristais
Na palavra chuva.
Gotas escorrem pelo teu rosto
(entre os acenos, girassóis brancos).
Francisco Faria. Quatro vezes ar, 1992. Acrílica, aguada
e grafite sobre foto e laca, 120x120 cm
E as torrentes de rápidos,
a dispersão dos átomos, vozes fora de foco,
os olhos que se fecham, sossegam,
deixam que a chuva
afague, lave a pele das pálpebras,
deslize, forme lagos, se afogue
sob o teto curvo
(arco de pleno cimbre)
do céu.
Grãos de penumbra entre as colunas gregas,
teu corpo assoma e some se escondendo
sob as organzas que o vento desdobra
em vestes de escamas transparentes
que a corrente refrata, em tafetás
e lieder boiando entre pétalas,
entre os ramos floridos de suas mãos
— sereia que se encanta nas laudas, brancas
(the rest is silence) da loucura,
Foges de mim mas o cinzel dos sonhos
(o êxtase preso em polidez de pedra)
grava em teu sono imagens de abandono
que a vigília transforma em estátuas
transfiguradas a golpe de faca:
figura nua que o tempo estilhaça
entre lamas e flores flutuantes,
submersa no próprio canto, suicida:
Francisco Faria. Os poros flóridos, II. 1992. Acrílica, aguada
e grafite sobre foto e laca, 120x80 cm
(Destruir rostos de auroras,
esculpir a aurora em rochas do deserto, polir
auroras, esquecer os não olhos
da Aurora de Rodin, seus cabelos de marsílias
maceradas flutuando no mármore,
o trevo da água na brancura
estagnada, sem flores, sem nenhum líquen
colado ao granito — veias, artérias, ramificações
de folhas de artemísia, cristais iguais
às samambaias destruídas —,
as rosas redivivas.)
um excesso de lucidez ou láudano
na partitura de chuva entre arrudas?
Sol branco, sol negro,
lembro e esqueço de lembrar
que levo a memória
no corpo, como um amor
(sol branco, sol negro),
e agora a afogo, musa perdida,
nas águas mornas do esquecimento.
Dólmens, pedras, vejo altares
e marinheiros que vagam entre orfeus,
teus olhos fixos nas dunas movediças,
os pés na neve de Rimbaud.
E os desertos
— desfigurando a geografia —
ressurgem baços
entre os semáforos.
Francisco Faria. Sem título (Mar), 1994. Grafite sobre papel, 150x150 cm
Loas lírios, lírios para o sol
cego em sua brancura de fogo.
Voragem de mil sóis,
As flores,
pênseis no ímã dos capítulos,
voam, decapitadas.
Um corpo inverte sua sombra
na superfície violeta,
tarrafas brancas abraçam o ar,
na névoa esbranquiçada da palavra opalina,
imagem distraída na finura luminosa
da retina, em sua arte de arestas,
saara ou sibéria,
na defesa insensata da beleza.
Todo reflexo mira outros ecos,
e o tempo escorre
reflexos fluidos no espelho
curvo das diferenças.
(Entre as granadas infravermelhas,
as jaças pétreas.)
Francisco Faria. Grande híbrido, 2004. Grafite sobre papel
com aguada de chá de hibisco, 2,20x1,50 m
[Poemas de Corpografia | 2007]
exercício espiritual
Aqui poucas letras bastam,
pois tudo é como papel em branco.
Manuel da Nóbrega. Carta 8 (1549)
risco
no portulano
da areia
o roteiro do error
(do latim errore):
viagem sem rumo
e sem fim,
como a dos ascetas
e dos apaixonados,
fadados ao êxtase
e ao naufrágio
anjo da Cia. de Jesus
pretume de pez
lavores de prata
zinabre na cruz
sublinha trechos
da Bíblia
com o sumo escuro
que os toros maceram
no monturo dos
brejos
ora e delira
vendo o surto
de urupês no farelo
dos lenhos, rubros
talhos a prumo
em vieiras carnudas,
febricitantes
cravos no sepulcro
dos valos
sete ferrolhos
na cela dos sentidos,
dorme descalço e nu
sobre a alfombra
de abrolhos
(tenebris ad lucem)
da terra do Brasil,
pródiga em ouro,
malária e minas
de ânimas
dois rios
espatas de palmeira
de borco sobre a terra
que llueva, que llueva
la virgen de la cueva
chove forte
nos barrancos,
entre o roxo
dos torrões,
sobre os seixos
e o musgo
do veio do rio
expulsos
(gume que o limo
recobre
de um visco frio —
pedregulho)
chove no fundo
barrento
repleto de pigmentos
que os pingos
trazem à tona
em diluídos vermelhos
chove forte
(como ontem)
no fluxo escuro
do rio
— seu curso
um leito
de troncos lisos,
crivo de tocos
pretos, restos
de ossos toscos,
esqueletos
— rentes frisos —
(terror)
de silêncio
Moradas nômades
carunchos e cupins roem,
vorazes, a choupana de ripas
pendem do esteio ramos de trigo,
feito amuleto para celeiros cheios;
tachos esfarelam crostas de grãos moídos
e redes balançam seus esgarços,
perto do chão onde uma nódoa preta
mostra o antigo fogo
tudo abandono e, no entanto,
lá fora o pomar semeado
para os que agora cruzam
(trouxas vazias), um
por um, os onze mil
guapuruvus
[Poemas de Roça Barroca | 2012]
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