©lőrinc

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

1975

 

 

Acorda o acordo a corda o dardo o dado

¿A cor do acordo é corda ou acorda o dedo?

É dedo o dito a dita é digitada

O acordo acorda em dado e é dardo o dedo

 

¿É dado o dado ou duro é cedo o dedo?

¿Ditado o acordo ou dito o norte dado?

Tardio acordo a corda indigitada

Em tempo acorde a guerra é dado dado

 

O dado avisa o ferro acorda o dedo

A corda o dado importa e guarda o fado

Acordo em guerra é dito ainda a medo

 

Acedo à dita e o acordo é fato dado

¿Argui-me o dardo em dito digitado?

A cor da dita é dado além da amada

 

¿A dita é cor da amada além da morte

Ou morte é amada corda enquanto dita?

 

 

 

 

 

 

1980

 

 

Tem muita coisa que a gente não sabe

Eu não sabia

pai

até mesmo ontem que gostava de mel

muito além das preferências do ursinho Misha ou de quem quer que seja

Eu gosto

Você morreu antes de saber

de eu saber

coisas novas sobre aquela palmada antiga

(logo antes de irmos a Maceió ver o teu amigo que minha mãe julgava um                                  cabotino)

a primeira

a única

causada por teu filho pequeno ter fugido do mel prescrito pela doutora Vera

que até depois de 80 vive e chegou a cuidar do Ingmar do Dioniso

Era dor de garganta

força maior

¿se lembra?

Mas a criança não declinava certos verbos nem era assim sensível a dores de

força maior só à força maior da dor

não da cura

como se soubesse

como se eu soubesse

que isso de cura não poder ser maior que o gosto

que isso de cura não pode ser maior que cura haver sozinha ou

não haver cura

Foram quase trinta anos até eu provar mel de novo

mas era pra adoçar café na casa de uns naturebas

Até que fui dar mel pra filho e santo e

ó

já estou comendo mel com pão com fruta puro e de tempero

Não foi pela palmada que hoje adoço a goela

Não foi pela palmada a muita resistência e o suor como se estivéssemos dentro

de um edifício em chamas

É que a gente acha que conhece gostos e desgostos quando nem de nós

sabemos nem a menos parte

A palmada gera é uma lembrança sem amargo

mas o mel

meu pai

tem gosto bem melhor que qualquer cura

e se houver um tempo aí na sua morte

sinta-se saudado se eu sorrir

babando

com favos sem segredo com potinho e colherada

 

 

 

 

 

 

1981

 

 

Era o começo do fim do

ano

(que eu soubesse o mundo tinha acabado desde que eu vira

um ator sem projeções de apocalipse criação ou

escatologia representar Nostradamus no programa do J
Silvestre

fiz as contas vi que viveria o ano 2000 com problemática

adultez e seria eu mesmo o fim do

mundo

Depois deixei que a impossibilidade de insistir em crer em

Deus nos termos que me propunham

infante safo que só acreditaria em Deus se visse o milagre

resolvesse por si só o problema

Hoje não sinto qualquer falta de O céu é o limite

Deixe J

Silvestre

o céu para de céu quem é)

quando Roberto dominou a bola n’água bateu no

canto de Raul e adiou a série final daquele
Campeonato Carioca

Pouco importa o domingo

dia de pedir milagre e deixar a missa sabendo que

dava no mesmo o mesmo lusco-

fusco a que hoje eu dou sentido quando quero mas

era só segunda antecipada com gosto de pão ázimo

Importa a quarta-feira dia de dentista na Barão de Ubá

chuva sobre os cabelos das esquinas e de um

Maracanã

cinza cinza cinza

hoje em cores e inadiavelmente partido tal como

tudo o que foi posto

sem defesa

à venda Mas era quarta eu não me lembro da dor

se é que houve dor

lembro da cinza cor das ruas de voltar a casa e ter de dormir

antes do meio do segundo tempo

A notícia do dia seguinte com cores e tudo no televisor

sem água era apenas a confirmação

quiçá do sonho que sonhei dormindo ou da

certeza que me tinha antes de os olhos se fecharem

abrirem-se os outros que enxergavam mais

Eu já sabia

Agora sei a razão de aquele gol ser

para mim para o Roberto

ele me disse

mais que memória cinza de bancada e dente são

ou noite de dançar na chuva sem vestido nem remédio

nosso adiamento da final do campeonato

suspensão musical do termo

vitória a nosso alcance sobre

Nostradamus sobre

o fim do mundo

 

 

 

 

 

 

1988

 

 

No dia 8 de agosto ninguém pensou que era o fim do mundo mas

houve quem notasse que a coincidência

8 do 8 de 88

só se repetiria mais de dez anos depois

9 do 9 de 99

Isso não quis dizer nada

Não querer dizer nada não é o mesmo que não dizer nada

Enquanto isso

eu

na minha antiga caixa de ferramentas pertencente a outrem

eu inexperto grão de arroz cheio de inútil pólen

queria dizer coisas imensas mas

faltava o verbo sobravam

as coincidências

uma delas a morte de Ana Beatriz que ninguém engoliu

nem poderia Ou seja

querer dizer nada não é o mesmo que

dizer nada nem querer dizer tudo não é dizer

alguma coisa que se aproveite

dependendo

é claro

de quem a possa aproveitar

Enquanto eu não fugi de casa pouco falto às aulas muito

escondo bem guardados cantos

soube sempre que haveria a hora de dizer mas

não num 8 de agosto mas um dia qualquer sem horizonte

ou grãos de pólen numa tarde em que o atraso tenha sua razão de ser

Falo baixo bocejo insinuo cantares gosto gosto

de hospedar nas veias  

na caixinha

um silêncio atravessado de Joelma

de janelas com vista para 8s de agosto que eu invento porque

zumbo a espera inteira à espera

em parte

de aprender a usar o músculo a mostrar a língua

a criar quereres de dizer silente algo que seja

¿e quem é que sabe?

de bom proveito

 

 

 

 

 

 

2000

 

 

Fiquei com medo quando a lua

o sol

crescendo cresceu cresceu

ficou do tamanho de uma bola de basquete

do tamanho

melhor

de uma coisa muito maior que uma bola de basquete e nada

aconteceu depois

só encontrar o peixe no mesmo rio o mar

nas mesmas margens Oxum com mão no registro

uma verdade nova no meio-fio da minha

rua

não

da minha vida

A independência talvez ou um bug com meses de atraso

período sem relógio sem ciclo dinheiro só

com mênstruos e ventosa

se eu voltar a casa é que talvez me teve um pensamento um

pressentimento

me pegou num só gesto o encanto de me pôr adiante no

tempo

tudo virado

quando feitas as contas vi que viveria o ano 2000 com problemática

adultez e seria eu mesmo o fim do

mundo

Não sei se é isso

Sei que o J Silvestre

aquele sacana

esperou dar a curva imprevista pelo Nostradamus

seu amigo

para morrer em paz tomando Miller Light comigo ao telefone

perguntando se afinal inda haveria tempo pro Romário

havia

se ainda Mariana tomaria muitas vezes seu destino instável mas

isso ele não perguntou

fui eu

Depois bem depois

a lua era mesmo

o sol

uma bola muito grande

ao largo do meio-fio ainda se escreve a giz

bugs são focas de estimação perto do meu lago gelado

J Silvestre não saiu de sua última morada e

eu só prometi prestar

atenção nas cenas deixar que elas é que explodam

crescendo muito muito

e ficar olhando o silêncio esperar

que ele me dirija

 

 

 

 

 

 

2007

 

 

Se eu te falei das sombras, dos alvores

do auspício de um acordo em corda dado

à espreita esteve a praia estive o medo

se em ti escusei espinhos ouvi flores

 

És dona e literal dos meus amores

enquanto a vida passa o ano em segredo

envolta em vã justiça sem pecado

e beijos é beijos tu e muitas cores

 

do negro andor na areia sem pegada

A vida escorre em própria canaleta

Alguém andou comigo esta vereda

 

Abrindo o coração (a caderneta)

mil faces o meu peito em ti hospeda

e a cara do futuro é uma careta

 

  O vento não conversa é apenas flores

     Se morte é amada corda enquanto dita

        as cores de tua cara e minha dita

           espreitam-me umas sombras e uns alvores


                 Eloy D’Almeida ainda está sem carta

 

 

setembro, 2015

 

 

 

 

 

Luis Maffei (Brasília-DF, 1974). Poeta, compositor e músico, autor, em parceria com Marcelo Gargaglione, do disco Na mesma situação de Blake (2005). É também crítico literário, com artigos publicados em diversas revistas especializadas. Publicou os livros de poemas A (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2006), Telefunken (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2008), 38 círculos (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2010), Pulsatilla (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2011), Signos de Camões (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2013) e 40 (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2015).

 

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