[nebulosa]

 

 

 

 

 

 

 

"There is nothing to writing. All you do is sit down at a typewriter and bleed".

 - Ernest Hemingway

 

 

Nebulosas são objetos astronômicos formados por uma nuvem interestelar de poeira, hélio, hidrogênio e outros gases ionizados (plasma), que se aglutinam nas regiões cósmicas mais remotas do universo como úteros de altíssimas temperaturas propícios à criação das estrelas. Não são ainda estrelas. Para que assim seja, é preciso que a nuvem atraia para si mais matéria até ter a densidade e a formação características de uma estrela. Dos resíduos desse processo de formação estelar, surgirão os planetas e outros objetos pertencentes aos sistemas planetários. Além disso, e não menos significativo, os retratos das nebulosas feitos desde que o grande Hubble começou a vasculhar os céus, há algumas décadas, trouxeram para nós o que a grandíssima maioria das pessoas é unânime em considerar como as mais belas imagens astronômicas do cosmos. O exemplo mais conhecido, e sem dúvida um dos mais representativos, é chamado não sem razão de "Os Pilares da Criação", imagem sublime da Nebulosa da Águia.

 

Não poderia ser mais significativo o termo NEBULOSA que a fotógrafa, modelo, artista e personagem de si mesma Helena Marc escolheu para nomear o conjunto de fotografias que ela ora exibe na presente exposição, Erótica. Para bem entender a densidade dessas imagens, é preciso que o espectador leve em consideração alguns fatores importantes da poética da jovem artista. Para isso, nada como partir das próprias obras e deixar os ismos de lado, tão desnecessários.

 

As fotografias de Helena são fenomênicas e fenomenológicas. Elas não se encerram em si mesmas. Buscam o espectador, ainda que furtivamente, para se completarem e se expandirem. Visualmente, há em cada uma delas, enquanto presenças, nuvens de tecido diáfano negro e pequenas regiões do próprio corpo da artista, sempre em tonalidades róseo-plúmbeas que são, cromaticamente falando, a síntese de sua poética erótico-crepuscular: as costas tatuadas com os pontos crescentes ou decrescentes (conforme o sentido do olhar) que apontam caminhos a serem percorridos pelo encontro dos corpos; o seio delicadamente excitado, outro ponto de convergência dos corpos, assim como o ventre e o púbis macios, convidativos no que têm de esquecidos, esperando serem descobertos; por fim, a pictural totalidade do rosto extremamente cosmético, isto é, delicadamente ordenado e belo, de Helena, de intensidade e brilho difuso e certo tom decadente evidente, como que lembrando o abandono a que Ofélia foi sujeita, com os olhos significativamente cerrados e os lábios carnudos adornados de batom, vértice da série de fotografias em questão, onde não por acaso o acorde róseo-plúmbeo se intensifica, elevando-se ao convite da conquista. Por fim, há o sfumato permeável de luz e sombras recobrindo a totalidade das imagens, que se interpenetram contiguamente e são sinais umas da outras, e uma redução sutil na nitidez das imagens, que metamorfoseia no cadinho da consciência usual dos corpos a clara e distinta evidência da beleza venusiana do jovem corpo da artista em repouso de uma penumbra imprecisa e tateante que o esconde (o corpo), a oculta (a artista) e interroga, apenas para que, fruto desse gesto inaugural, possa emergir revelado o sentido do todo. Há aqui, portanto, além de uma afirmação, também um questionamento, uma dúvida, uma incerteza e uma busca. O que é exibição é também, pelo próprio gesto da exposição, um ocultar, ao mesmo tempo um algo que não se vê no que se mostra que ao se ocultar revela o que é. Nesse sentido, as imagens de Helena são jogo, processo e uma declaração de intenções.

 

Jogo de sombras; processo de autoconhecimento e descoberta de si; intenção de artista. As fotografias de Helena carregam toda a densidade característica da vanitas e do memento mori, onde a beleza convidativa do corpo da artista não é mero sinalizador para a presença de Afrodite, tão evidente, e mesmo prescindindo dos atributos usuais característicos do gênero, como o crânio e as flores murchas, anuncia criticamente o profundo desejo do sujeito artista de construir uma estética da existência para si mesma e para quem mais souber acompanhar seus sinais, cuja substância é esse Eu erótico e reflexivo que se constrói sempre que se manifesta e se revela — se expõe — diante do Outro no seu próprio processo de gestação. Nesse sentido, é uma obra aberta, para usar a expressão feliz de Umberto Eco, pois declara no e para o seu próprio constituir a necessidade do diálogo Eu e Tu, artista-sujeito de si, e artista-espectador. É também, como um espelho oculto, tão característico da dimensão alegórica da vanitas e do memento mori como emblema às avessas da deusa do amor, isto é, do que ela é in absentia, o oferecimento e a enunciação que a artista faz através dessas imagens de seu próprio processo de autodescoberta humana, um convite ao espectador para que reflita sobre o que, o como, o onde, o porquê ele, como potencial artista de si mesmo, se constitui como sujeito. Como jogo de sombras, o ocultar-se é inevitavelmente um convite à descoberta. E não poderia ser menos significativo que o meio privilegiado escolhido pela artista para construir sua obra seja a fotografia, esse útero quente e só aparentemente evidente onde a revelação só ocorre mediante a obscuridade que acoberta reações químicas imprevisíveis e aglutinantes. Trata-se, portanto, de uma verdadeira poética da Nebulosa, que tem suas raízes na própria mitologia do binômio Eros-Afrodite. Afrodite que conduz a Eros, pois não é autossuficiente, assim como a beleza não é suficiente a si mesma. Eros, esse deus primordial mais antigo que a própria mãe, nessa cosmoteogonia paradoxal tão densa e tão reveladora da própria natureza da revelação. Eros, que a tudo liga e conduz e que é responsável pela própria existência do Cosmos, palavra que para os Gregos antigos era carregada positivamente (ionizada) pelos valores da beleza e da ordem, de cuja contemplação surge a reflexão e a consciência de nosso próprio lugar no seio da criação, e que não por acaso veio a se expressar com admiração e espanto diante da dignidade inerente contida na configuração das formas do corpo humano nu e suas proporções, características nucleares que estão presentes e são a marca poética admirável desses e de outros trabalhos da jovem Helena Marc, ela mesma ainda uma estrela em seu próprio útero a ser descoberta com prazer, mas já reflexo maduro dessa matéria e metáfora cosmológica, astronômica e mitológica que caracteriza a profunda sensatez do juízo de Páris ao fazer eclodir a Guerra de Tróia, essa outra nebulosa que é também a origem do mundo e preço tão justo diante da mais bela de todas as mulheres.

 

 

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