Proclamar a sujeira da poesia é apenas um lugar comum, desde Baudelaire, pelo menos. Portanto, a intertextualidade e a carnavalização nos textos de Vertigem, série de 29 prosas poéticas de Wilson Alves-Bezerra devem apontar para outra coisa. Seriam pequenos capítulos que podem ser lidos de maneira independente formando quadros de linguagem, ou uma narrativa sem começo nem fim e que poderia ser lida a partir de qualquer capítulo. Provavelmente cada leitor escolherá o seu próprio primeiro capítulo dessas reflexões, ou dessa reflexão sobre a crise da linguagem e a literatura. Por isso, se for o caso, poderia pinçar o sétimo fragmento, no qual encontraria um ponto de partida e chegada e sintetizaria a teorização implícita em cada linha deste pequeno livro, capaz no entanto de se desdobrar ao exigir do leitor um diálogo muito próximo à letra, para que se associe ao processo criativo da obra.

Trata-se de um texto — o capítulo ou poema número VII — que reivindica o acaso, ok, e a incerteza incorporada à expressão que absorve o referencial e o transforma em fluxo do verbo sempre inconcluso. A certeza do narrador é de que sua única chance será ceder à compulsão aceitando este fato básico: ele não passa de um "escritor de rascunhos", pois "mais importa rabisco que tipografia. Sempre tive certezas, nunca borrachas". A compulsão vem do atestado de vida final, o próprio corpo, suas contingências e condicionamentos físicos. Aí está o lance premente: permitir que a obra se faça em progresso e incorpore o escritor, a animalidade, em seus júbilos e estertores, uns ligados aos outros. Por exemplo, no caminho entre a cama e o banheiro ou vice-versa, ele confunde pia com vaso sanitário (um erro enfático) e "tomba para a cautela acadêmica vir lhe decifrar os rabiscos". Tomba embriagado de sono, álcool ou de náusea, ou tudo isso junto.

A cena escatológica zomba da possível pretensão acadêmica, propondo a destruição de conceitos também a essa entidade impossível chamada "leitor comum", isto é, alguém disposto redescobrir, com o texto, chaves de rompimento e abertura para o exercício crítico-criativo, sem o qual ele, o leitor, será o primeiro a desaparecer como tal levando também o autor para o vazio. A vertigem do rabisco tem seu ponto máximo em matéria de humor e gastronomia no macarrônico "Malangue Malanga" (IX), que mistura francês, inglês, castelhano, a partir de um ponto de vista luso-brasileiro. O grande humorista Costinha aparece ali num lance metonímico e iluminador). Deboche, caviar com farofa dará tudo na mesma. O melhor vinho batizado com cachaça de cabeça. No final do livro parece haver sinal de que a linguagem se automatiza, mas isso não invalida a experiência.

 

 

 

[ Texto publicado originalmente no Estado de S.Paulo ]

 

 

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O Livro: Wilson Alves-Bezerra. Vertigem. São Paulo: Iluminuras, 2015, 72 págs.

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setembro, 2015