O ARCO

 

 

Impulsos oblíquos de evanescências

— O meu desejo é um trompete de espinhos

Cujo som sinuoso

É a êxtase resplandecente do mundo

 

Eu acendo um cigarro no teu mistério do mundo

Tua nudez morta para a eternidade

Baforadas na estrutura íntima e matemática

de lábios universo

entrelaçado de discos voadores

& ideais

 

Tristeza e alegria me abundam

No modelo de ti que impera nos nichos ondulantes meu pensamento

Teus seios profeta

intensa espiritualidade diante da pele formal

concretude coloidal

tudo em ti é forma arcada

modelo ogiva

tudo em ti é alto

provas da inelutabilidade das coisas

Curvas ovoides

teu sangue é arte

teu olho areia

aspiração da linha vertical

Tristeza e alegria me derivam

 

Eu acendo um cigarro no mistério do teu mundo

Teu túmulo me coroa em vida

estás viva

& morres de ideais

entrelaçando abóbadas e cúpulas

correspondentes aos

mudos signos de amanhã

                                                                                                      

És um som sinuoso

predomina a inflexão melancólica

da beatitude elipse

Fatímida do meu califado

És a linha que curva

És um risco

És o encanto e o que me priva do encanto

És o benefício e o rapaz que desce do cavalo

És o frequentemente mencionado e o mau presságio nunca dito

És o joelho da virgem e senhor que o quebra

És os dois hemisférios semelhantes

És o Corvo do Mar é o imediato

És o fantástico que se revolve

És os meus olhos voltados para o céu e és o céu invadindo os meus olhos

Tu és o arco

Tu és a flecha

Tu me és e eu sou teu ferimento

Mortal

 

 

 

 

 

DICAS

 

 

Não se apaixone por mim

sou uma rã venenosa

 

Não me mande cartas de amor

sou um lobo cego

 

Não me procure no seu apartamento

estou na floresta

camuflado

queimando seu desejo

na ponta

de

espinheiro

 

 

 

 

 

CIGARRO

 

 

Um sinal de fumaça

adverte

os que dançam

nas extremidades do infinito

 

 

 

 

RARE TRACK BY DEAD TRUMPET PLAYER

 

 

E você quer me roubar a certeza da dor

com seu telegrama cheio de cores

escrito em persa antigo

com boas novas de Dubai

e quer reverberar o tempo nas fraquezas do meu protesto

me elucidar com olhos claros herdados de uma antiga galáxia

me convidar para tomar chá na Bulgária

me contar sobre seus amores alemães

fazer sarcasmo sobre nossa compatibilidade química

dançar nua & depois dormir pura sobre minha responsabilidade

 

quer precipitar minha euforia de morte

transportar meus livros para teu reino

comentar a ópera perdida de Mozart

retornar ao trem que corta a Sibéria

fazer de conta que nosso filho está vivo

comprar cigarros de maconha em um frigorífico

rezar o terço abaixados sob o céu que cai

ler os termos de uso de uma metralhadora italiana

à lareira

escrever cartas em persa antigo

com as boas novas de Dubai

para velhos desconhecidos

cuja dor não pode ser roubada

por cores digitais

e no mais

subtraída a dor

eu, velho, morro

sem nunca ter te dito

Adeus, senhorita

tua falta me será trovão

teu beijo nunca dado

teu peito multicor

tua brancura védica

teu mar-negro de sutilezas

serão

estarão

comigo

respondidas

 

 

 

 

 

 

BREVE DIÁLOGO

 

 

— Então você é ateu?

— Não acredito em um Deus pessoal, embora eu tenha quase todas as gravações do Coltrane. E eu não como Polvo.

— Polvo frito é uma delícia.

— O polvo nos sonha, então não como.

—Você é frio.

— Eu fui casado com uma norte-americana que enterrou o tio no quintal.

— Gastronomia?

— Eu fico feliz se tiver algo para comer, mas não duvido que a cadeia alimentar seja tão fictícia quanto nosso sistema financeiro.

— Eu me apaixonei por um cara que gostava de carne crua.

— E ele era careca?

— Era, como você sabe?

— Eu cruzei com ele uma vez no inferno.

— Se você não acredita em um Deus pessoal, por que foi ao inferno?

— Porque eles não servem Polvo por lá.

 

 

 

 

 

 

O CÃO CANSADO

 

 

Me veio pela estrada

a imagem de um cão morto

mas não só morto

morto

e cansado

 

Preto, de pelos açucarados

deitado no meio-fio

estava morto

mas não só morto

estava morto e cansado

 

Ele é que me veio

pela estrada

os carros não perceberam

os passantes desviaram

 

um pássaro deu por falta

 

Ele, o cão, é que me veio

morto e cansado

pelos açucarados

 

me veio como sobressalto

que talvez, o cão

ou a morte

estejam sempre ali

no meio-fio

a desviar dos carros

 

 

 

 

 

 

ESCOPETA DE AR

 

 

Também acontece com vocês?

De se emocionarem com uma seita secreta

codificada pelas pedras

cuja linguagem corporal

é o silêncio do mar negro?

 

Também acontece com vocês?

De estarem logo atrás de Jesus Cristo

numa fila de banco espanhol?

 

Também acontece com vocês?

De acordarem em movimento

com o solde um espancamento

pedras na vidraça do sol

canal da lógica

por um dentista insano que treina tiro

com uma escopeta de ar?

 

Em um campo devastado se encerra o olhar de uma garota

nascida em um objeto voador não identificado

placa 666

até o mar ainda vocifera

Jesus, crucificado numa saidinha de banco

O sol rachado formando uma complexa rede

de condomínios de plasma

 

As notas de cruzeiro novo chovem sobre nefastos pedaços

de frango

recusados

por brilharem em demasia

brilho verde

gosma verde

pegadas verdade no asfalto de Budapeste

 

Um rio me treme todo

Um mar me enreda, me compassa

Um tiro transpassa meu fígado

E eu sorrio

Porque tudo isso já aconteceu com vocês

 

 

 

 

 

 

AS FLORES COM PERFUME DE CIMENTO

 

 

Aos trabalhadores da fábrica de cimento Portland-Perus

 

 

As flores com perfume de cimento

Exalam também o silêncio

Que nos divide em sacos & estruturas

Mil cidades agora lápides

Aceleram minhas lembranças

Construídas com as pétalas cinzas

Das flores com perfume

De cimento

 

O silvo da locomotiva estática

Afogada pelo suor intrusivo do cansaço

Delimita os bairros dentro do bairro

Delimita o trabalho dentro do trabalho

Limita a vida, sedimenta o desejo

 

O sol nasce uma multidão na terra

Que cerca a ilha de cimento por todos os lados

Um refeitório diminuído em 3 segundos

De um prato que não suporta rachaduras

 

O silvo da locomotiva estática

& cinza

Faz nascer em cada lágrima

Uma flor com perfume de cimento

 

 

 

 

 

 

PSEUDO-HAICAIS DO VINHO

 

 

garrafa verde torina

rompe a exatidão das cores

gole frio de tamanco roxo

 

 

*

 

Sempre um fio loiro de sangue

Costumaz empecilho moral ao estanque

na última hora o Sol decide

 

 

*

 

sorriso verde da passante conhecida

afoga o desejo em um toque de guerra

a lâmina da borboleta no braço

 

 

*

 

túmulo vermelho que canta

no fundo da sola da língua

antes uma última tora

 

 

*

 

hotel da esquina com vagas lotadas

uma cama coincide sobre as termas

diamante de patas idolatrado

 

 

*

 

pescoço nas roças letradas

impões um confuso teorema

triângulo de chamas queima

 

 

*

 

solidão da confusão cósmica

estrelas circundam as esquinas

toque de recolher na vulva

 

 

*

 

sábia cantoria da cigarra

intercâmbio de mendigos

uma seta sonora na rua

 

 

 

 

 

 

PIANO, OUÇA-ME

            

 

em plena

queda

piano, ouça-me

da janela

que se joga

o poema escrito na mão

           

eu sou um modo de pensar

que sempre cai

tal chuva

como luva

no centro

do nada

 

 

 

 

 

 

ROTEIRO

 

 

trabalho agora no roteiro (a nunca ser filmado)

duas irmãs

netas viquingues

do interior

obsesadas

por professor universitário

táctil

 

pretendo:

cenas de quintal

polvo derretido

flerte na sala do diretor

flashback de mar tempestuoso

infidelidade

ação

questionamentos morais acerca do sol

dor e separação

espelho que é uma casa

muitas cenas de ponto-batido

escritório devassa

inutilidades cênicas cortadas

close na mão

plano americano dos pés

de amora

trilha feita por mim

mesmo

em piano envernizado com dinheiro

roubado

entrego a edição na mão do Romeo Ressurreição

e espero faltar em todas as premiações

por motivos de

tudo está errado

 

 

[imagens ©daniel kraus]

 
 
 
 
Vince Vinnus é dramaturgo, poeta e bacharel em tradução. Nascido em São Paulo, adolesceu na cidade de Caieiras/SP, cercado por eucaliptos, pinheiros e elementais dinamizadores. Atualmente, integra o Núcleo de Dramaturgia do Sesi/British Council (turma 2014) e a companhia teatral Desejo-Motor. Teve as peças Canibais Vegetarianos e Relicário de Concreto encenadas pelo Grupo Pandora e agraciadas, respectivamente, pelo PROAC (2011) e FOMENTO (2012). Tem como principais interesses, a persistência do arcaico (maravilhoso) sob as camadas de urbanidade, as cascatas tróficas da identidade na floresta memória e sobretudo, as síncopes do Homem (voz, copo, mente-projeção) como rebelde da (baixa) realidade. Para contrapor a incômoda situação de poeta não publicado mantém o blogue Sob Forte Tempestade como exercício de exposição, porém sem nenhum compromisso com justeza, coerência ou permanência.