COISA SILENCIOSA

 

Nada mais silencioso

do que os golpes que se abatem sobre os outros,

não há ameaça mais inofensiva

à paz de espírito satisfeito.

É muda a derrota nos seus olhos,

os seus braços

permanecem imóveis.

 

Que silêncio agradável.

 

A não ser por um ruído agudo, penetrante,

que perturba sobretudo pela manhã,

mas pode-se abafá-lo facilmente

com o sussurro relaxante das folhas do jornal.

 

Antes que se amontoem as ruínas sobre eles

já estarão sepultadas sob o suplemento de variedades,

a xícara de café pela metade,

a batida de porta

 

em nossa casa,

que continua em pé.



 


NOITE

 

O ronronar da máquina benfazeja, 

nossas roupas, utensílios ou palavras giram dentro dela.

 

O peso leve da menina ficará pesado de sono

quando ela for levada de cama em cama.

O livro que ela agarra será tirado de sua mão.

 

A esta hora meu corpo se divide em muitos inimigos no olho do gato.

Se eu repreender, ele atacará. Se eu não repreender, ele atacará.

 

Hoje mesmo mais um caiu baleado à sua porta. As plantas da casa

descaíram as folhas como quem lava as mãos, ou se desculpa


"Daqui em diante vocês estão sozinhos."



 


HISTÓRIA CURTA

 

Entre nós já não há quem se lembre

há quanto tempo esperamos

pela onda branca e cega que apagará o

que basta lembrar para que volte

a nos apertar o peito de manhã

e a traqueia à noite

 

Porque o enxame de formigas repelido

volta a enegrecer nossa casa, e a água fervente

das xícaras de porcelana atinge nossos rostos,

e facas, enjoadas da carne dos morangos,

agora procuram os dedos.

 

Quando se acalmarão os pedaços de papel que circulam pelo ar,

Se aquietarão no pó

inúteis farrapos de sortilégio?

 

O que soava como chuva era o lixo da construção

jogado num monte de detritos,

o que soava como um gemido era um gemido,

há tempo precisamos de uma nova desgraça

para acabar com o resto da nossa desgraça.



 


*

 

Quem nasceu sem uma língua mãe

caminhará o resto da vida

em sua própria trilha


Levará o porão na cabeça

sua casa não saberá

que é a casa dela.


Às vezes um pássaro morto

pousará aos seus pés

fingindo uma sedutora folha de outono —


A bala de outros tempos derrete em sua língua

o prego enferrujado ainda está em sua garganta

quem nasceu sem uma língua mãe

não soltará a língua de menina.



[Do livro O Ponto da Ternura. Tradução de Moacir Amâncio. São Paulo: Editora Lumme, 2013]


 

 

 

 

[imagens ©thomas leth olsen]

 

 

 

 

Tal Nitzán. (Jafa – Israel). Poeta e tradutora é autora de Domestica (2002)Uma Noite Comum (2006), Café Soleil Bleu (2007), O Primeiro a Esquecer (2009), Olhe Para a Mesma Nuvem Duas Vezes (2012) e O Ponto da Ternura (2013).