APROXIMAR

 

 

Atentar mais, fazer nós

Que unam cada coisa

Às outras,

Mas nada tão necessário

Como no caso da pérola

E da ostra.

 

Talvez o cravo branco ao

Rubro ocaso,

O torniquete à hemorragia

Luminosa

Que levou a estrela à morte.

Ou talvez

As asas penosas que planam

Além da paisagem bucólica

A persistente erosão eólica.

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

 

Por trás da cartilagem do nariz

Coisas semelhantes:

Nuvens e datas, datas e nuvens.

 

Sobre a almofada cerebral

Uma fruta bichada apodrece,

O verme é uma cifra.

 

No redil estreito do coração,

Nomes de ruas e vielas

E bulevares.

 

No estômago,

Translúcida úlcera:

Lágrimas congeladas.

 

Na garganta,

Um despertador travado,

Os vocábulos jamais acordarão.

 

Nos intestinos,

A noite sem-saída

Dos bosques.

 

 

 

 

 

 

POR PARTES

 

 

Antes os aforismos fraturados

Que os dias chuvosos dos grandes tratados.

 

O fragmento e seu valor de larva

Que insinua a falta do complemento.

 

Por exemplo:

 

Um trecho de veia, dois centímetros:

Falta o sangue.

Ou uma fibra de músculo,

Falta o movimento.

Um retalho do estômago:

Falta a fome.

Uma secção de uretra,

Onde a urina e o esperma?

 

E veja que as coisas impalpáveis

Também têm suas partículas,

Como os fonemas da bela frase floral 

Com que abrevias o inventário dos males.

 

Ou os segmentos do teu sorriso

Separados por vírgulas amarelas

Quando defendes a tese

De que a felicidade é indivisível esfera:

 

Um todo sem partes.

 

 

 

 

 

 

PARAÍSO OU MAR


Eva ou Vênus,
Cona ou concha,
No teu talho encaixo
Atalho atrito,
E
Fundidos retornamos
Fundantes fodendo:
Nasce aliterado
Nosso próprio
Mito.

 

 

 

 

 

 

SANIDADE

 

 

Tal como Hölderlin-Scardanelli

Ou Van Gogh em Saint-Rémy,

Tenho apenas uma janela

Depois que enlouqueci:

Meus olhos são filtros outonais

Que purificam e igualam as estações:

Resta-me apenas afiar os ouvidos,

Quem sabe ouça ruídos

De ventos originais.

 

Entretanto, à meia-distância

Vejo anjos

De tranças

Empoleirados no muro.

Eles dizem:

Somos suas ideias, e pousamos

Em tempos separados,

Mas não creia que voemos em bando

Rumo ao futuro.

 

Quando o dia já escurece

Remanesce na relva do jardim

Um estreito trecho iluminado,

Retangular, rasteira cama de luz

Em que algum dia hei de deitar,

Libertado por compensatório

Bônus de tempo,

Para desfazer a ortogonalidade

Da janela terapêutica da loucura

Em 360 graus insanos de firmamento.

 

 

 

 

 

 

EXTREMOS

 

 

Meus pés

São iletrados,

Analfabetos

De seus rastros,

Não se dão conta

Das valas

Que, por atrito,

Criam no mármore.

 

Minhas mãos

São burras e simplórias,

Nada furtam do ar

E recusam sobre as palmas

Essas folhas de água,

Esses frutos de fogo.

 

Meu tronco não subsidia

Qualquer copa frondosa:

Meu crânio

Agora tão aéreo,

Tão narcotizado de nuvens,

Sem olhos,

Sem orelhas,

Boca e nariz.

Dentes sim:

Trincados para a memória.

          

 

 

POEMA DESPRENDIDO


Caí de uma asa mitológica,
Livre e esquecido,
Rêmige grisalha
Em espiral descendente:


Por cima é verídico o céu,
Mas, embaixo, o solo

É apenas figurado:
Página,

Papel.

 

 

 

 

 

 

O AGREGADO


A morte não é um invasor.
Não é senão um hóspede muito educado,
Fleumático e erudito professor de latim
Que ocupa o cômodo mais modesto da casa.
Senta-se conosco à mesa,
E com olhos fixos no prato
Sorve a sopa rala, nossa única refeição,
Limpa com cuidado os lábios no guardanapo,
E da mesa retorna ao quarto
Com um sorriso frugal, e de fingida paciência,
De quem se basta apenas com o antepasto.

 

 

 

 

 

 

SOMBRA-AÇÃO


Sombra que,
Cronométrica,
Desce pelas paredes,
Baixa-mar
Seca e sem sal.

Sombra que,
Roedora,
Devora ilesa,
Na ratoeira,
A isca, filete de sol.

Sombra que,
Estrategista atrevida,
Invade pela saída

O túnel vital.

 

 

 

 

 

 

UVAS


Bonita palavra é 'doravante'!
Não importa que não preveja
A extensão da vida e o acaso,
Posto que todo avante termine
E tenha prazo,
E haja um muro lá na frente
Que não contornarei.
E daí que não o ultrapasso?!
Os meus passos irão se entender
Com estes sapatos concretos,
Tão ignorantes de futuros caminhos,
De retas, de curvas, de geometrias!
E há este jornal do dia
Lido como renovável pergaminho;
E há este copo de vinho
Meio esvaziado;
E há roupas por despir de um vestuário.
E carros passam lá fora,
Os itinerários cifrados.
E você chega agora, os longos cabelos
Molhados da tarde de chuva,
E se queixa dos preços do mercado.
E se põe a lavar uns cachos de uvas,
Verdes uvas.
E amo a sua silhueta contra o basculante
Da cozinha, paz tão minha!
Que importa doravante se não as uvas
Tiradas uma por vez ao cacho,
E cuspidos os caroços com langor e charme
Enquanto nossos ossos ainda estão

Por baixo
Da carne?

 

 

 

 

 

 

SEM PALAVRAS

 

Ternura,
Suave pálpebra
Sobre o olhar imperfeito,
Suspende a procura
Dos defeitos da causa:
A pergunta pousa,
Cinza borboleta;
A palavra pausa,

De súbito obsoleta.

 

 

 

 

 

 

A PALAVRA MORTE


Mover maxilar
E mandíbula,
Martelar
Aquela palavra
Unívoca,
(diamante terrível)
A mais resistente
E densa,
Triturá-la
Até os limites
Do incompreensível,
Da falta de siso,
Da aparente
Desavença,
Mesmo que me quebre
Os dentes
E isso me custe o sorriso
De nascença.

  

 

 

 

[imagens ©marcantonio | da série melancolia ]

 

 

 

 

 

 
 
Marcantonio (Marco Antonio Soares da Costa), natural do Rio de Janeiro, é artista plástico e poeta (ainda não editado em livro). Embora escreva desde muito jovem, somente a partir de 2009 passou a publicar seus poemas na internet, criando os blogues Diário Extrovertido e O Azul Temporário, participando também, por convite, de outros espaços na rede. Reside atualmente em João Pessoa. Seus trabalhos em artes plásticas podem ser vistos no blogue-portfólio Cadernos de Arte.