*

 

Para os homens,

há dois universos:

o do lado de fora

no céu,

infinito!

E o do lado de dentro

o da imaginação,

infinito!

No meio deles

a nossa pequenez

disfarçada de corpo.

 

 

 

 

 

 

*

 

Eu nunca soube a diferença entre a oração e a reza.

Eu nunca encontrei razão pra dar a César o que é de César.

Eu nunca consegui saber conservar o que se preza.

Pois somos presas fáceis da distração.

Pois somos presas fáceis da frustração.

E somos sujeitos à estrada que se enviesa.

Ainda mais nessa vida metida a contradição:

quanto mais vazia, mais pesa!

 

 

 

 

 

 

*

 

O Historiador

se mete

no passado

através

da foto

branca

e preta.

Ignora

o passado

amordaçado

exigindo

"não se meta".

 

 

 

 

 

 

*

 

Relacionamento pra dar certo:

Metade conto de fadas

Outra metade conto de fodas

E no meio disso

Pra desfazer esse mito de que só há duas metades em tudo

Um pouco de silêncio

Um vácuo seguro

E algum caos na sala de estar.

 

 

 

 

 

 

*

 

Ergueu-se

Levantou os pés

Esticou os braços

até arderem

as articulações

 

Em vão

 

O passado

está fora de alcance.

 

 

 

 

 

 

*

 

É mito

Isso de que as coisas sabem

Que possuem tempo determinado pra acabar:

O choro

A chuva

A própria vida

Você e eu — todos somos

Suicidas por engano.

 

 

 

 

 

 

*

 

Há colunas

Que separam palavras confusas

O espaço para nossas construções

Pré-fabricadas.

 

As lacunas

Separam as pessoas em ricas e reclusas

O espaço pras nossas subversões

Industrializadas.

 

E eu vejo o vegetar de tantos

O zumbido da mosca

Um zumbi de cor fosca

E um frustrado andando nos cantos.

 

Enquanto em minha rua

Homens anêmicos

Enfrentam anos epidêmicos

Com coragem, abrindo o peito.

 

Já eu abaixo a cabeça

Porque meu texto acadêmico

Carregado de simplicidade

ainda não foi aceito.

 

 

 

 

 

 

*

 

Lá vem outro homem:

pulando ondas,

buscando a sorte,

mal sabe que já é formidavelmente sortudo

pelo simples fato de poder tocar o mar.

 

 

 

 

 

 

*

 

Sejamos, então

Como duas aves sobrevoando

Folhas outonais de amendoeiras

Caindo sobre o solo

Que os homens preencheram

com suor e cimento

Inutilmente...

Sejamos a epiderme do ar.

A força que impulsiona

os fortes ventos de agosto.

Sejamos o cume do monte

Que reluz a face divina

em seu próprio rosto.

Sejamos a cor da água,

Os pés da menina

e até seu coração.

Sejamos a cura da mágoa

E o trem de carga

Que pra sair da rotina

Invade o sertão.

 

 

 

 

 

 

*

 

O eterno retorno

às vezes não retorna

de tanto se encher

e se esvaziar

sem querer

a vida entorna

 

 

 

 

 

 

*

 

A esquerda diz: o petróleo é nosso!!!

A direita diz: o petróleo é privado,

mandem o Estado pelos ares!!!

Enquanto o petróleo

Chora

Melancólico

Pelos bares:

Me deixem em paz

Sou de ninguém mais

Só das bacias sedimentares.

 

 

 

 

 

 

Busquei ver Deus em imagens depreciativas

Que enfiavam a dor que Jesus sentira

dentro de minhas entranhas

Eu quase fui refém dessas fantasias

Quase cedi a essas artimanhas.

 

Empenhei-me na busca por Deus

Em utilidades materiais supérfluas:

Quanto maior a bênção, maior a riqueza

Eu quase fui refém dessas fantasias

Eu quase tomei isso como certeza.

 

Como um navegador que está perdido

Pensei ter achado a terra, enfim:

O mal é demoníaco e Deus é a cura!

Mas descobri que o mal vem de mim

Lendo as sábias divinas escrituras.

 

Fui frequentador assíduo dos cultos

Duas horas por noite sem cessar

Sábados, domingos e quartas

Mas descobri que minha gratidão é no respirar

E que essa rotina quase me mata.

 

E que toda a segregação religiosa

Mantém enclausurada minha razão

Me torna um homem frouxo e passivo

Como ter como foco a salvação

Se já me sinto salvo estando vivo?

 

 

 

 

 

 

[imagem ©andré kertész] 

 

 

Jonatan Magella. Escritor e professor de História. Vive na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, desde que nasceu, em 1990. Autor do blogue Sismograffia.