1. Action

 

I can lay down that history

I can lay down my glasses

I can lay down imaginary lists

of what to forget and what must be

done. I can shake the sun

out of my eyes and lay everything down

on the hot sand, and cross

the whispering threshold and walk

right into the clear sea, and float there,

my long hair floating, and fishes

vanishing all around me. Deep water.

Little by little one comes to know

the limits and depths of power.

 

 

Ação

 

eu posso deixar pra trás aquela história

eu posso deixar pra trás meus óculos

eu posso deixar pra trás listas imaginárias

do que esquecer e do que deve ser

feito. Eu posso sacudir o sol

para fora dos meus olhos e deixar tudo pra trás

na areia quente, e atravessar

o sussurante portal e andar

direto para o claro mar, e lá boiar,

meu longo cabelo boiando, e peixes

desvanecendo à minha volta. Águas profundas.

Pouco a pouco começa-se a entender

os limites e as profundidades da força.

 

 

 

 

 

 

 

2. The Dead

 

Earnestly I looked

into their abandoned faces

at the moment of death and while

I bandaged their slack jaws and

straightened waxy unresistant limbs and plugged

the orifices with cotton

but like everyone else I learned

each time nothing new, only that

as it were, a music, however harsh, that held us

however loosely, had stopped, and left

a heavy thick silence in its place.

 

 

Os Mortos

 

Inocentemente eu olhei

para dentro de seus desprezados rostos

no instante da morte e enquanto

eu enfaixava suas mandíbulas frouxas

endireitava membros cerúleos sem resistência e tampava

os orifícios com algodão

mas como todo o mundo eu aprendi

a cada vez nenhuma novidade, apenas que

no caso, a música, ainda que rude, que nos segurou

ainda que frouxamente, parou, e deixou

um silêncio pesado e denso em seu lugar.

 

 

 

 

 

 

 

3. Witness

 

Sometimes the mountain

is hidden from me in veils

of cloud, sometimes

I am hidden from the mountain

in veils of inattention, apathy, fatigue

when I forget or refuse to go

down the shore or a few yards

down the road, on a clear day,

to reconfirm

that witnessing presence.

 

 

Testemunha

 

Às vezes a montanha

se esconde de mim sob véus

de nuvens, às vezes

eu me escondo da montanha

sob véus de desatenção, apatia, cansaço

quando eu me esqueço ou me recuso a ir

pela costa, ou poucos metros

pela estrada abaixo, num dia claro,

para reconfirmar

aquela testemunhal presença.

 

 

 

 

 

 

 

4. Tenebrae

 

Heavy, heavy, heavy, hand and heart.

We are at war,

bitterly, bitterly at war.

 

And the buying and selling

buzzes at our heads, a swarm

of busy flies, a kind of innocence.

 

Gowns of gold sequins are fitted,

sharp-glinting. What harsh rustlings

of silver moiré there are,

to remind me of shrapnel splinters.

 

And weddings are held in full solemnity

not of desire but of etiquette,

the nuptial pomp of starched lace;

a grim innocence.

 

And picnic parties return from the beaches

burning with stored sun in the dusk;

children promised a TV show when they get home

fall asleep in the backs of a million station wagons,

sand in the hair, the sound of waves

quietly persistent at their ears.

They are not listening.

 

Their parents at night

dream and forget their dreams.

They wake in the dark

and make plans. Their sequin plans

glitter into tomorrow.

They buy, they sell.

 

 

Tenebrae

 

Pesados, pesados, pesados mão e coração.

Estamos em guerra,

amargamente, amargamente em guerra.

 

E a compra e venda,

ruídos em nossas cabeças, um enxame

de moscas agitadas, um tipo de inocência.

 

Togas de lantejoulas douradas são vestidas,

brilhantes. Que desagradáveis farfalhares

no tecido prateado elas fazem,

para me lembrar de estilhaços de bombas.

 

E casamentos acontecem com toda a solenidade

não do desejo, mas da etiqueta,

a pompa nupcial das rendas engomadas;

uma amarga inocência.

 

E as pessoas voltam dos piqueniques nas praias

queimando com o sol acumulado no fim de tarde;

as crianças, com a promessa de assistir TV quando chegarem em casa

caem no sono nos bancos de trás de milhões de peruas,

areia no ar, o som das ondas

suavemente permanecendo nas suas orelhas.

Elas não estão ouvindo.

 

Seus pais, à noite

sonham e se esquecem de seus sonhos.

Eles se levantam no escuro

e fazem planos. Seus planos de lantejoulas

brilham rumo ao amanhã.

Eles compram, eles vendem.

 

 

 

 

 

 

 

5. Of Being

 

I know this happiness

is provisional:

 

         the looming presences —

         great suffering, great fear —

 

         withdraw only

         into peripheral vision:

 

but ineluctable this shimmering

of wind in the blue leaves:

 

this flood of stillness

widening the lake of sky:

 

this need to dance,

this need to kneel:

                            this mystery:

 

 

 

Sobre Ser

 

Eu sei que esta felicidade

é temporária:

 

         as presenças nebulosas —

         grandes sofrimentos, grandes medos —

 

         recolhidos, apenas

         para a visão periférica:

 

mas inelutável é este cintilar

do vento nas folhas azuis:

 

esta torrente de permanência

expandindo o lago do céu:

 

e precisar dançar,

e precisar ajoelhar:

                            este mistério:

 

 

 

[ Tradução André Caramuru Aubert ]  

 

 

[imagens ©raffaelle monti]

 

 

No prefácio que escreveu para a antologia de "novos" poetas norte-americanos, organizada por Kerry Shawn Keys e publicada pela Escrita em 1980, Lêdo Ivo (1924-2012) afirmou que o que se produzia naquele país era "a mais poderosa e vigorosa poesia do mundo e do nosso tempo". E, passados quase trinta e cinco anos, eu acredito que a afirmação do poeta alagoano continua mais válida do que nunca. Ao longo do século XX, e entrando pelo XXI, os norte-americanos produziram, e vêm produzindo, uma poesia vigorosa e, mais importante, extremamente plural. E, dentre os nomes que se destacam naquela vasta constelação, está sem dúvida o de Denise Levertov (1923-1997). Nascida inglesa, de pai judeu russo convertido ao anglicanismo e mão galesa, americanizada por casamento, Levertov era naturalmente, e em qualquer lugar, um peixe fora d'água, eternamente deslocada e estrangeira; seu olhar poético, agudo e complexo, seria bastante marcado por suas origens. Esta incialmente discípula de Eliot, e depois de William Carlos Williams, produziu poemas com uma enorme variedade de cores, tons e sentidos. Foi da poesia intimista e confessional até a mais escancaradamente política (quando sentiu que era hora de protestar contra a guerra do Vietnã, por exemplo) e, até, mística (quando, já madura, deixou o ateísmo de toda a vida e se converteu ao catolicismo). Mas, não obstante todas as mudanças pelas quais passou, as marcas comuns em todas as fases de Levertov são o rigor técnico e a força lírica de seus versos. Eu nem precisaria dizer que, dentre os infinitos poetas de que gosto, ela está entre as minhas favoritas. Para esta amostra, escolhi cinco poemas de Denise Levertov que, se eu não estiver enganado, jamais foram vertidos para o português. [André Caramuru Aubert]

 

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