A tartaruga negra

 

 

em Dujian-gyan

na província de Sichuan

 

um menino

preso sob as ferragens

terá as pernas

amputadas

 

para que os bombeiros

possam fazer o resgate

 

enquanto enfermeiros lhe cercam

 

o sheishuku explode

de suas pernas:

 

Gui Xian — a tartaruga

Baihu — o tigre

Quinglong — o dragão

Zhuque

 

— a fênix

 

 

 

 

 

 

O Livro Ruim

 

 

pior para sair

— pior para ejetar —

 

o livro ruim,

permanece

 

sempre à sombra

— do próximo passo da leitura —

Deus Vírgula

 

 

de novo — o corvo

 

 

 

 

 

 

Viaduto Santa Ifigênia

 

 

último jato de amor

sobre

 

a

 

flor morta

 

 

teus dentes explodidos de crack

 

 

querem me dizer

mas não dizem

 

 

teus poemas explodidos de crack

 

 

querem me dizer

mas não dizem

 

 

 

 

 

poesia feminina

 

 

— eu vim te seduzir esta noite —

 

 

não, eu não sou nada disso

— isto é apenas texto —

poesia feminina —

o querer você aqui

é

 

 

apenas

máquina —

movimento involuntário

— certa forma

de

 

 

 

bruxismo

— você soca paredes

pelo filho perdido —

o sexo está cada vez pior

não importa o que se faça

cinco dedos

não são o bastante?

para acertar o

gosto da comida

— do maldito bife —

steaking heart?

 

 

 

 

 

 

não me interessa saber

onde vão caber seus livros

 

— essa coisa infantil e tola —

essa acumulação machista

porta-tudo, bric-à-brac,

buraco negro — o que

é vc — acumulando tudo —

lixo cósmico

 

isto designa inteligência?

marca território?

a pissing territory —

a grizzly bear?

 

o que esta cozinha

ainda tem de

expelir —

halitoses não

nascem aqui — tudo

ainda é branco

demais —

 

— limpo demais —

— escorregadio demais —

nada gravita aqui

nem a

nem j

nem a fatídica senhora x do apartamento 302

— desenho infantil na TV —

um tiro atravessa o

meu rosto — Woody

Woodpecker

Girl — o grande O

 

 

 

 

 

 

ouvindo Devendra Banhart

'Smokey Rolls Down Thunder Canyon' — eu quero me

tornar tropicalista

para

 

você

 

 

— quero me tornar

 

sensualista —

sulista —

— I wanna be your Pocahontas —

I wanna be your

Rodrigo Amarante —

 

 

feminina por você —

 

like

Babylon

 

 

 

 

 

 

os dinossauros

 

 

poetas são como

dinossauros

 

todos vão ser extintos

 

 

de uma hora

pra outra, todos

 

 

 

 

 

 

sem exceção

 

 

 

 

 

 

guarde o seu lote

 

na cratera

de

 

 

 

 

 

 

Chicxulub

 

 

 

 

 

 

nos encontraremos todos

 

no big O

 

 

 

 

 

 

———————————— de volta

para

a

Grande

Mãe

 

 

 

A

 

Batistina

 

 

vomitando

 

 

———————————— condritos carbonáceos

 

 

relembrando

de quando,

éramos

 

 

 

 

 

 

grandes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adeus

 

 

 

 

 

 

Rockers

 

 

sim,

eu aprendi

a fazer negócios com o Livro

e

 

isso

 

sim,

 

pulveriza

poetas

 

ó

nervos fracos

 

 

é preciso estofo para lidar com toda essa coisa elétrica

: plugar

a guitarra

 

 

disparar o pedal Inferno

 

 

 

 

 

 

Para Adriana Zapparoli

 

 

naquele dia

 

que

quase morremos

atropelados

 

— a vida seria boa para mim —

mas, não, nunca

esta não é a regra no caderno

do secreto demiurgo

 

o ouro escorre direto

de suas narinas

liquid sky, epifania cardíaca

 

sinais

 

de

trânsito

 

intermináveis

 

 

 

 

 

 

Napoleão em Pernambuco

 

 

não, eu nunca estive aqui

— nem quis estar —

Lapatie, Artong, Raulet,

Le Doulcet — não,

nunca

fizeram parte

do

meu

círculo

— não me interessa cruzar

a tua alfândega — isto

aqui não é Tilsit —

não quero me coadunar

a tais cogliones

— aos teus intelectuais

imbecis, bolorentos —

aos teus poetas e padres de merda

— esta cidade fede e o seu fedor

já chegou até Santa Helena

— ele embriaga e cega —

por que, afinal,

haveria de cruzar o meu nome

com a 'tal'

República

do

Cabugá

 

— Qu'est-ce Cabugá ?

 

 

 

 

 

 

In the Bathroom

 

 

um

cubo

suspenso

 

sintetiza sua vida

 

— santo

da lâmpada

halogênica —

 

cosmético de luz

para os gritos reservados

(múmia da dor)

 

são simão

estilita

 

dos espelhos

 

 

 

entre silêncios domésticos

(apague com giz

o teu score

de ódios velados)

 

teu nojo

escorre

 

— íntimo —

 

 

pela

pia

 

baptismal

 

 

 

 

 

 

football

 

 

desculpe a timidez

depois

de

 

tantos espancamentos

 

depois

do

 

clitóris vermelho

flamingo-fogo

 

da gira-pomba

 

— era preciso recortar ————  o que era inválido, suscetível de

———— emet, met, a indesejada das gentes

 

— aqui não é Cartago, você

não é Aníbal —

 

o gol

apenas o sonho esférico ———

depois de

 

tantos espancamentos ————

 

restam

apenas

 

os

dados

 

em passo de onça,

 

objetos ———————————————————— que convergem

 

 

 

mas

 

 

não amam

 

 

 

— estas são as leis da esfericidade —

 

algo em vc

q

simplesmente desanda

, e

corrói

 

— os planos —

 

desculpe

a minha timidez ———— eu não

sou sólido,

ou retícula o bastante

ou aberto como

vulva ———— impensável de reflexos

, violento como

narina

 

desculpe

 

meu passo não é ligeiro ——— espere

 

 

 

 

 

 

canção popular

 

 

quando menos

esperava

 

                       você      + alguma função de Propp

                       ninguém  + alguma função de Propp

 

a dor pode ser resumida

em

 

 

 

 

loops

 

 

[Do livro Recife, no hay. Recife: Cepe, 2013]

 
 
 
 
 

 

esta jukebox toca samba para curdos

 

 

sim, vc quer novidade

e isto

eu não te dou

— você quer ser esquecido? —

página virada, notícia de ontem

de que servem teus poemas

General

Leônidas

— vc é velho —

old school

 

— vc leu a entrevista do Dmitri

Nabokov

sobre

'The Original of Laura'?

— vc já ouviu falar de

Gogol Bordello?

sorry — vc não é

 

 

mais assunto pra jovens —

 

porra, você já

publicou

 

os seus livros

 

— o que mais quer? —

 

 

 

— Everybody Must Get Stoned —

só que sua poesia

não dá

 

mais barato, entende?

 

 

 

 

vc não tem o colorido que eles querem

 

 

primeiro — eles picham a tua obra

 

segundo — picham a tua vida

 

 

 

terceiro — vc não é mais

ninguém

 

 

nem Leônidas, nem porra nenhuma....

 

lendo Hart Crane em seu Bósforo particular

— vc nunca será persa

o bastante — vc quer novidades demais

— e eu já cansei disso —

 

 

 

 

 

— eu já não toco tão pesado —

 

 

esta jukebox toca samba

para curdos

 

armênios

 

Woody Guthrie, Deportee (Plane Wreck at Los Gatos)

 

— I'm so tired of you, Persia —

enforcado

nas mãos

 

de

 

 

 

um invisível DJ

 

 

[Poema inédito]

 

 

[imagens ©chloe sells]
 
 
 
 
 
Delmo Montenegro (Recife/PE, 1974). Poeta, ensaísta e tradutor. Autor de Os Jogadores de Cartas (2003) e Ciao Cadáver (2005). Organizou, em parceria com o poeta Pietro Wagner, os dois volumes da antologia Invenção Recife (2004), projeto que deflagrou o mapeamento da nova cena poética de Pernambuco em destaque na última década. Foi um dos idealizadores, em conjunto com os escritores Fabiano Calixto, Marcelino Freire, Micheliny Verunschk e Raimundo Carreiro, da revista de literatura "Entretanto" (2007). Seu mais recente livro — Recife, No Hay — foi um dos vencedores da primeira edição do Prêmio Pernambuco de Literatura (2013).