RETIRADA

 

 

Os pés

que me ditaram

encontros

 

rendem-se

inertes

 

ou se decompõem

em fugas

 

As mãos

que encenaram astros

 

descem o pano.

 

 

 

 

 

 

PARÁFRASE

 

 

Meu coração tem catedrais imensas

         sustentadas por pontes de safenas.

 

 

 

 

 

 

MUSEU

 

 

Nesta cidade

tudo está parado,

 

só as ruas andam

para o passado.

 

 

 

 

 

 

MITOS

 

 

Sísifo e Narciso

carrego pedras

para edificar

diante dos espelhos

meus próprios tombos

 

e não sei se porque quero

ou se porque preciso

 

levo para o alto

um deus indeciso

 

nos machucados ombros.

 

 

 

 

 

 

POESIA

 

 

Poesia

é quando,

de repente,

 

leve e louca,

a alma tira a roupa

diante da mente.

 

 

 

 

 

 

A HORA E A MÃO

 

 

A hora

em minha mão

palpita

por se fazer.

 

A minha mão

dentro da hora

         o que fez?

 

                   uma rosa

         ou um punhal?

 

 

 

[Poemas do livro A pedra de Minas — Poemas Gerais. Brasília: LGE, 2002]

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Vou des-ser

do que sou,

 

sub'ir

ao invento;

 

na orla do tempo

além de mim,

 

feito canto

eu me apresento:

 

menino sem fim.

 

 

 

 

 

 

INFÂNCIA

 

 

Eu fui meu

como o espaço

era do pássaro.

 

Eu me soltava

em cantos e plumas

pelos campos da manhã.

 

Eu brincava comigo:

eu era eu

e o meu amigo.

 

Eu me falava baixo

para não espantar

o meu silêncio.

 

Eu era pequeno

e imenso.

 

 

 

 

 

 

CHUVARADA

 

 

Chove

sobre meu telhado

e brotam musgos

nos músculos

dos meus sonhos

         molhados.

 

 

 

 

 

 

VISÃO

 

 

Da janela

eu me vejo

 

                   indo.

 

Vou em mim

e me espero:

 

eu

vindo

me vejo

 

         na janela.

 

 

 

 

 

 

TANTOS

 

 

Eu fui tantos

que a vida esqueceu

muitos de mim

em mins

         que ainda sou eu

 

 

 

 

 

 

FACE E DESFACE

 

 

Entre o retrato

e o espelho

é que o tempo se pauta.

 

Do retrato

ao espelho

confere-se

a deforma.

 

Do retrato

sabe-se

o papel absorve

conserva

o disfarce.

 

No espelho

nota-se:

o vidro corta

a farsa:

 

desface.

 

 

 

 

 

 

AMBOS

 

 

Outro dia

passando por mim

 

eu quase me reconheci

 

mas íamos

ambos apressados:

 

um para o futuro

o outro para o passado.

 

 

 

[Poemas do livro Reflexos do tempo. Brasília: edição de Antonio Nepomuceno, 2013]

 

 

 

 

 

 

[imagem ©winslow laroche]

 

 

 

 

Wilson Pereira é mineiro de Coromandel. Formado em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília. Poeta, contista, cronista e autor de livros infantis e infanto-juvenis. Tem 13 livros publicados, entre os quais a antologia A pedra de Minas — poemas gerais. Participa de diversas coletâneas poéticas. Seus poemas estão traduzidos na Argentina, Itália, Colômbia e Romênia. Seu livro A Rãzinha que queria ser Rãinha foi traduzido na Coréia do Sul, na Argentina e no México. Publica poemas, resenhas e ensaios em diversos jornais e revistas do país.