A
Lua
Vem
a paisagem
calma
noturna
com o
brilho
da Lua
deixando
em sua luz
vasta
a larga
saudade
do Sol
que nova
vem à noite
como a Lua
como
a esperança
da saudade
Que a Lua
é uma beleza
potente
abandonada
oposta
refletindo
outra
beleza
pela saudade
que vaga
numa
paisagem
noturna
estendendo
um brilho
de esperança
[ em
amplidão
escura
que
vaga
chamando
A Lua
quieta
em soberana
imagem
refletida
de saudade
pergunta
com o
brilho
do Sol
em outra
beleza
Qual é o seu nome
Última
Pronúncia
Quando
morrer
já
estarei cremado,
pois
quis fulgurar na vida.
Encandeci.
Morto,
serei fuliginoso...
Vivi
como pode viver o fogo,
consumi
todas as coisas
até
apagar minha existência.
Chegando
lá, amigos, de onde nasci
a
rude e bela cidadezinha
rival
da Santa Croce
Queimem-me
no que me sobrar.
Atirem
sem cuidar de onde.
Servirá
qualquer canto.
Nom
vos preocupeis com o espalhar das cinzas.
Que
estas são apenas fuligem, o eu morto.
O eu,
que vivi,
pelos
lugares que andei,
já
foi espalhado.
Enforcado
Desconsolado
está quem fora içado
pois
que a cabeça virada tanto ia,
que
ele, apaixonado, pouco via.
Acabou
pela Justiça então virado.
Que
não por pena fora assim puxado,
antes
motivo de sabedoria,
pois
por paixão não viu que a alegria
era o
embuste pelo outro preparado.
Então
a Razão, por vil jogo ser
exposto,
tira pelo pé o movimento,
deixando
só vagar o entendimento;
para
que então, enforcado, possa ver
que
quanto mais o mau tem liberdade,
mais
testemunho dá de sua maldade.
Poética
Quando
terminarem
estes versos
terei meus pés no chão
A via
que percorri
durante todos os anos
fora suave
e prazerosa
Andara
solto
entre sonhos.
Recolhendo
pela
memória
preciosas miragens
esquivando-me das coisas
com alegria
[ daquele que é
etéreo
E por tanto descuido
sobra-me
agora
pesado juro
em dura cobrança
surge-me a vida
miserável
em traje roto
estende-me a mão macilenta
em lasso pedido
"O que tens dá-me. Acode!"
diz o espírito infame
e eminente
"Toma meus versos. São o que tenho."
respondo
"Somos os dois miseráveis
e eu maldito
ainda
por dar em
cruciante agonia
tão nuviosa matéria.
E, se a mim sobra alguma coisa
por dignidade
aponta-me
o caminho por onde vieste
e lança sobre meus ombros
o teu duro destino.
Que darei teus passos
na pena de tanto te ter desmerecido."
Sofrerei
em custo altivo
assumindo minha disposição
sustentada no mérito
ainda que miserável
ainda que maldito
E, se acontecer
de que me perca
em solidão,
por um áspero vale de tristeza,
de lá, os que me acudirem
tocarão no corpo
de um poeta.
Desconfiança
Um
toque na porta
uma apreensão
uma segunda
tentativa
O que será?
Não vem
esquiva
silente
ciente
muito
afastada
uma mão que toca a porta
fria
silente
não vem
Desconfia.
silente
vai embora
Ama
como Tertuliano
Existe
um desejo que dorme.
Que é
velado como morto para que acorde.
Porque
desperto, tudo dorme.
E o
que nele dorme fica morto.
Porque
morto, jura-se para sempre.
Buonarroti
Aquele
Buonarroti Simone
que
teve nas mãos para as cores e para
a
pedra
a
forma.
Aquele
que engendrou e fez
o
esquema perfeito
da
mais perfeita capela,
se
soubesse o que verdadeiramente fazia,
na
intenção do que realmente desejava,
pintava,
e
diante de tamanha beleza,
triste,
a destruiria.
Porque
deu tanta perfeição
à
forma tão vilã,
que
finalmente posta,
encerrava
a liberdade
que
tanto o movia.
Mar
Tanta
força e harmonia
Do
que era 'voz que só'avia,
A q'é
sempre encantando,
A
confusa melodia
De
quando
Estoura
a voz do mar
Chorei-me
neste lugar.
Eaqui,
outro veio chorar.
Aqui,
ondeo rio desce
Nada
vem que perturbar
Que
tece
O rio
a calma que desce
Paronde
Estoura
a voz do mar
Plasma
É boa
a morte
se
há
deixado
nesta ruptura instante
um legado a si
em
lápide
[a
promessa do renascimento
É bom
morrer diante
da face louca da Lua
esperando
num desejo delirante
o júbilo de um terceiro Sol
[ descer
à gruta funesta
recostar-se
em plácido abandono
e ser
dalí arrancado
pela esperança
É boa
a morte
que carrega
crença na vida
[ um espaço de sonho
inteiramente verdadeiro
Tombar diante da
glória
lançado o corpo envelhecido
no romper
do plasma calcinante
do eterno espírito
que arde
sequioso
na veemência duma estrela
lançada
[ vagando
em seu brilho
furioso
até alumiar
um corpo novo
Coração
dos Anjos
Lutamos
tanto
ao preço de nosso sangue
queremos
tanto
mais
em
ânsia
com aquilo que procuramos
por nosso comércio
[ nossa imagem
nos tornamos então
soberanos
simulando a bondade
dissimulando
a lágrima
Manteremos a paz
emitida
na morte do outro
Corações de Bronze,
Urnas sem benevolência
Até que seja lançada
fora
a espada
que tomada pelo outro
cumprirá
nosso desígnio
derramando nosso
próprio sangue
para estourar
o último lacre de
urna álgida
revelando
seu
conteúdo
[
pilhado
ainda ameno
e vivo
Adeus
a Bariri
O ar
quente
extrai das flores
este
aroma conhecido
de tempos passados
pungindo-me o peito
a
brisa voa com eles
este vapor primaveril
é um ópio memorioso
que tragado
alucina com imagens
num delírio tímido
isolado
dolorosas
presenças
marcas da saudade
Eu
vejo as ruas do meu lugar
fora do tempo
não há um dia só apropriado
estão unidas todas as felicidades
numa paz peregrina
por toda a minha história
Este verão perpétuo
recende as árvores
e a brisa vai carregando
minha lembrança enevoada
para dentro das casas
Lá, a inocência dos meninos
me contempla com familiaridade
recosto-me
como a cortina livrando-se do vento
admiro o espetáculo
das pessoas passarem à rua
naturais
com olhar direto
sem se afetar
firmes
de que onde estou
só haverá uma cena comum
segura
familiar
A televisão tremulando
uma imagem abandonada
desimportante a quem viaja
longe do mundo
num balanço
Tilinta uma promessa
tranquila
da garrafa emprestada da geladeira
jurando
em conjunto
à
serenidade
das palavras que saem de um quarto
na conversa alta
estalando iguais
os sinceros
ganchos de uma rede
[ rangem
e, em algum lugar
ora o silêncio
de um velho
calado
recolhido
confessando que o tempo passava
fecho tudo dentro de mim
apareço para a vida
através de uma velha janela
revelando
minha saudade
secreta em pequenos
motivos
que imitam as lágrimas
disfarçando
um sorriso
piedoso
que entrego
como se ainda fosse
menino
Debussy
I
Olha,
veja:
a
música de Debussy
parou
o suicídio
e
aquele homem ficou velho
A
música de Debussy entendeu o mágico efeito de
nossa
[ metafísica
Imitando
a tudo
agitou o espírito que
ardia convulso e desesperado
com o pavor e no desânimo
a queda de quem vendo a Lua
não
compreende
e fica lá
suspensa
enorme
gigante
no alto
de tudo mística massa nua móvel mito muda
[ sozinha
e
relaxa
e deixa
e
passa
e o
homem chorava calmo para a vida
prometendo
a
vida
e chegou a ser velho
para
que morasse no tempo
como a
música de Debussy que se desfaz
[ Serena
II
A
música de Debussy
parou
a Mário de Andrade
e sua
boca enorme
e sua
cabeça enorme
levou
e colou de volta
aquele sorriso enorme
[ de quem era feliz
Falava a música de Debussy
que
dobrava suas notas
mescladas
harmônicas
contrapostas
quebradas
encadeadas
como os movimentos dos vivos nas ruas de São Paulo
e os
alongamentos que correm ao lado das sentenças
curtas
como quem com
espírito cardíaco
[ Urbano
deixa
a cidade
na mor
alegria cedendo o peito para a morte
num suicídio
perdido
como quem olha
para a Lua
e se espanta
maravilhado
treme
[ que
carrega
porque a pegou, a engoliu
sentindo no peito o tamanho daquilo que é maior do que a
cabeça
de
Mário de Andrade
e o coração reage
numa fúria
oprimida
no tempo das teclas
numa fúria
igual
a quem
sofre
igual
a quem vai
morrendo
igual
a quem
se espantou diante da visão da ferida
o ódio de ver seu ideal
tão
claro
lá
fora
fora
da cabeça
fora de nossa vida
exterior
[ isento da imaginação
longe
e enorme
[ lá fora
fora de nossa realidade fabricada
A
realidade de um outro
que
fica tão maior
tão impossível
que a ideia não cabe na cabeça
mas fica só dentro
igual
fechado
ultrapassando a cabeça
dando no coração
apertado...
porque é enorme
e
oprime
a quem reage e bate,
bate
bate
[ bate como se odiasse
na sofreguidão de uma presa
num ódio que não vê
sem olhos
[ perdidos
como os que se abandonam sobre a superfície da
Lua
que é
enorme
um gigante sustentado no vazio
voando sem nenhuma explicação
e a razão
saindo
vai tombando prum lado
vagando
pequena
numa ideia que não cabe na cabeça
a
loucura que contempla
um
mundo vazio
que
gigante
[ voa
sem
razão
louco
encantando
turvando o discernimento
mescla
harmoniza
contrapõe
quebra
encadeia
e erra
sereno
como olhos em passadas largas
vendo
o mundo
porque é possível
porque é pequeno
porque é a realidade insuportável
suspenso
dentro
dentro da cabeça
maior
da imaginação
e chega
fugindo como uma presa
para
realidade fabricada
loucura pequena
um astro nu que voa
desfazendo a explosão do suicídio
deixando envelhecer
numa desvairada e feliz promessa de
vida
que quebra o tempo
como se amasse
imitando a música de Debussy
que
parou até a boca enorme
[ de Mário de Andrade...
