[ Estudante de curso de Papai Noel no Rio de Janeiro segura diploma enquanto descansa após cerimônia de formatura
Foto Pilar Olivares/Reuters ]
 
 
 
 
 
 

 

 

 

A mídia tem papel preponderante na condução da vida contemporânea sobre os riscos aos quais a sociedade está exposta. De modo especial os noticiários da televisão com seus vários programas diários de jornalismo tipo mundo cão. A TV sobretudo é legitimadora, negativamente, da cultura dos riscos a que a população está invariavelmente submetida, cujo aparato de segurança já se mostrou ineficaz para garantir paz, tranquilidade e um mínimo de bem-estar às pessoas nos centros urbanos. A cultura do medo é uma realidade latente contabilizada pelos índices recordistas de criminalidade. O sentimento de horror instalado sobretudo nos grandes centros — com forte tendência a rotinizar-se também no meio interiorano — alcança o patamar do desespero quando se sabe da impotência humana ante o desespero de criminosos em cometer delitos por qualquer motivo ou sem motivo algum, como se um surto catártico de loucura tivesse se abatido em uma quantidade cada vez maior de praticantes de brutalidade de todo tipo contra gente indefesa. É o que George Gerner qualifica de "síndrome do mundo vil", que passa e mantém na sociedade a sensação de insegurança e ansiedade crescente em decorrência do que mostra a TV com horas diárias de exposição ao sofrimento visual vivenciado por todas as classes sociais. O medo de vitimização torna todos iguais ante a cultura de horror dos riscos e o que a TV faz é generalizar o alcance energúmeno da violência. E assim a mídia alimenta o imaginário que passa a produzir uma audiência televisiva como uma prática social que  apresenta a visão do outro (que tem medo, que clama por justiça, que também é indefeso) "como símbolo de uma diferença que se quer eliminar em prol de uma visão da ordem", como analisa Maria Claudia Coelho numa discussão sobre violência e alteridade.

         Por isso, diz Victor Gentilli, no jornalismo da violência, o cidadão comum, que já foi em grande medida agredido pelo ato violento de que foi vítima — recebe nova agressão ao perder sua intimidade e privacidade. O crime organizado ou "da hora", a violência cotidiana com suas dimensões epidêmicas, a violência da loucura que só Freud explica e a violência institucionalizada, que envolve inclusive a corrupção política, atingem de chofre cidadãos e cidadãs cujas consequências levam à descrença na democracia, na Justiça e nos mecanismos institucionais que deveriam fazer justiça social.

         Ao contrário, a mídia, mas sobretudo a TV, mostra a violência pela violência, a legitimação do mal como regra da sociedade, o sequenciamento sádico da criminalidade, a adequação estética televisiva voltada preferencialmente para um público de pouca cultura. Ainda que a população tenha gana de justiça social o que se vê é a falta de sentido crítico do povo, que consome mais do mesmo todos os dias. A criação do impacto diário por pressão da repetição dos fatos como atração sensacionalista na competição das emissoras de TV também ajuda a manter o espectro do inferno na sociedade atual. 

         A violência urbana leva a refletir na perda de sentido da convivência, no valor da vida como mercadoria de pouco valor que dá sustentação ao banditismo, no pânico à mínima exposição pública de qualquer pessoa, ainda que essa seja por absoluta necessidade, na degradação forçada do homem a um ser humano cada vez mais acuado pela angústia do medo, nos requintes da crueldade, no silenciamento da autoridade em face de soluções definitivas, na banalização das vítimas preferenciais, nas escolhas obrigatórias de sobrevivência na sociedade da cultura do risco, na permanência inconcebível do bem-estar social.

         Resta saber até que ponto esses noticiários mundo cão contribuem para exacerbar a angústia do medo numa sociedade onde agora — tudo indica — só mesmo Deus poderá dar conta de eliminar a criminalidade.

 

 

 

[Presidente da AML, Olavo Romano (centro), participa da distribuição de livros em Morro

do Ferro. Foto Luciano Soares]

 

 

Algumas conquistas demoram a ser realizadas e, quando efetivadas, consagram os esforços de décadas de luta de um povo que com tenacidade, paciência e sabedoria almeja melhorar sua qualidade de vida por esforço próprio. Caso de Morro do Ferro. A comunidade, com seus cerca de 1.700 habitantes e suas 470 residências, por iniciativa da Escola Estadual São João Batista, e como uma das realizações do projeto "Um jeito diferente de ver, sentir e cuidar de Morro do Ferro", idealizado por ex-alunos daquele educandário, realiza a contento em outubro a entrega de um livro em todas as casas do distrito, após a coleta de mais de mil exemplares usados, mediante doações, que estão sendo organizadas e catalogadas para que os moradores tenham um menu de escolha do que mais lhes interessar. O passo seguinte será a realização de uma semana de palestras e oficinas sobre os objetivos desta mobilização comunitária, para preparar os estudantes, lideranças locais e população distrital para uma solenidade de lançamento oficial, no dia 25 de outubro, com a presença, entre outros, de Olavo Romano, presidente da Academia Mineira de Letras, de escritores oliveirenses, autoridades municipais e personalidades vinculadas ao assunto. Neste dia, serão entregues os primeiros livros em residências escolhidos por sua singularidade. E os demais livros serão entregues após a solenidade pelos alunos da escola. A presença de cada pessoa está sendo concitada no sentido de aliar o potencial de cada uma para "trombetear palavras, entronizar livros, recontar histórias, fluir conhecimentos, melhorar expressões, evocar paixões, dar asas a sonhos, animar vidas, transformar pessoas, evoluir seres humanos".

         A iniciativa, tendo à frente o professor e líder comunitário Antonio Ananias da Silveira Freitas, coincide com duas outras notícias. A primeira com a reimplantação do Plano Nacional de Livro e Leitura, pelo Governo Federal, que mantém o Programa Nacional Biblioteca da Escola, criando espaços de práticas de transmissão de narrativas e programas de professores mediadores, uma vez que para se formar cidadãos democráticos é imprescindível o contato com a leitura e a literatura. A segunda com a liberação, pelo prefeito João Batista de Souza, de casa no distrito, exclusivamente para funcionamento do Centro Cultural, onde também funcionará a biblioteca de Morro do Ferro, atendendo uma antiga reivindicação da população. A iniciativa do prefeito permitirá à população, doravante, ter um lastro universal com a cultura, estender mais profundamente seu compromisso com a mineiridade, impor-se como uma expressão de tradição, valorizar sua gente no contexto da troca de experiência com as artes e as ciências, as manifestações populares e o folclore.

         As conquistas do povo morroferrense, através da luta renhida de Antonio Ananias da Silveira Freitas, são a luta de muitos anos contra o vazio das promessas políticas, contra o engavetamento de projetos, contra o inexplicável adiamento de definições, contra a fogueira das vaidades e o jogo eleitoreiro de candidatos que só enxergaram o distrito em época de eleições. Essas conquistas são o resultado da lucidez de uma nova visão administrativa, idônea, justa e voltada pela primeira vez para os anseios de Morro do Ferro sem demagogia. Elas resultam da humildade de quem esperou muito, mas muito tempo de um Poder Constituído que já poderia ter decidido fazer e não fez porque não quis. Morro do Ferro agora terá uma referência bibliotecária, teatral, para exposições plásticas e visuais, para reuniões comunitárias em torno das artes e das ciências, para manter vivas as tradições do povo, para receber novidades e trazer o mundo para dentro de si.

         Lugar de inteligências raras, de sabedorias húmiles, agora Morro do Ferro terá a oportunidade de impor-se ainda mais com seus próprios valores, e provar, mais uma vez, que sempre esteve acima de tramadas inconveniências políticas, pois sua hora pode tardar mas não faltará, pois o que a grandeza do homem edifica para a humanidade ter de exemplo, não será a mesquinhez de uns poucos que serão esquecidos para sempre que haverá de deixar de espelhar para sempre e no futuro.

 

 

 

 

 

 

 

Você consegue se desgrudar do celular por um minuto do dia?  Ou o celular te controla? Você tem consciência realmente do que o celular faz com você? Uma vez pelo menos você parou para pensar na dependência que tem desse aparelho eletrônico? Você conseguiria deixar o celular em casa por 24 horas? Sairia para divertir sem esse amante de orelha? Você seria capaz de se conceder alguns minutos de privacidade sem o estorvo da companhia do celular? Enfim: você já se deu conta de que é um(a) viciado(a) em celular? E que por isso pode estar sujeito(a) a contrair uma doença chamada nomofobia, que significa o medo de ficar sem celular?

         Acredite: essa doença existe, é contagiosa, atinge cerca de 76% dos jovens britânicos entre 18 e 24 anos, 22% dos jovens franceses, 18% dos jovens brasileiros.

         Segundo a psicóloga Andreia Calçada, este vício atrapalha as relações pessoais e profissionais: "A pessoa fica muito desgastada, começa a não dormir direito e não dar atenção à família, para poder ficar olhando o celular. Se esquece o aparelho em casa, entra em pânico. Tudo isso prejudica a maneira com a qual ela vai se relacionar com os outros". Na leitura desta psicóloga, a falta de contato com o celular causa sensação de perda e passa ao usuário a ideia de estar sendo deixado de lado. Segundo ela, ainda, o smartphone pode causar dependência química como qualquer droga. "Muitos criam um comportamento obsessivo-compulsivo com o celular e precisamos tratá-los como viciados". E alerta para o fato de o uso indevido desse aparelho eletrônico causar dificuldade na separação do mundo real do virtual uma vez que "algumas pessoas simplesmente não conseguem se desconectar".

         O caso é tão sério que no Instituto de Psiquiatria da USP, em São Paulo, há 10 programas para o tratamento de transtornos compulsivos e a internet é a causa de compulsão mais procurada, associada com problemas emocionais com depressão, ansiedade e déficit de atenção.

         Uma pesquisa mundial recente revelou que 80% dos entrevistados dormem com o celular do lado da cama. O celular aproxima aqueles que estão longe e distancia aqueles que estão perto. Os cientistas observaram grupos de estudantes e concluíram que as pessoas são mais propensas a usar o celular quando alguém a sua volta faz o mesmo, pois essa se sentirá excluída e procurará conectar às suas redes sociais também. Celular e adolescentes cria uma relação perigosa por causa do excesso de uso do aparelho provocar cansaço e prejudicar no rendimento escolar, sobretudo quando utilizado à noite.

         Por outro lado, o uso do celular aumenta em até 400% o risco de acidentes no trânsito, ainda que no Brasil isso implique em multa de R$85,13 e soma de 4 pontos na carteira de habilitação. Até 2012, o país tinha mais de 212 milhões de pessoas com acesso à telefonia móvel e uma frota de 69 milhões de veículos de todos os tipos.

         Decorre ainda que o celular tem se tornado de uso banalizado, sem reflexão acerca de sua conveniência social e a exigir da sociedade normatização ética para tornar sua utilização pedagogicamente útil, além de socialmente aceitável, evitando constrangimentos, dificuldades e danos a terceiros. O celular tem se prestado a ofender a integridade corporal de outrem, para expor a perigo a vida de pessoas, a criar injúria contra alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro, o mesmo em relação a constrangimento ilegal e dano qualificado mediante ameaça. O que deveria ser um meio de comunicação tornou-se uma ameaça.  Pior: um vício.

 

 

Tobias Guimarães [10/07/2004 - 09/07/2009]

 

 

Em nosso tempo, matar animais por prazer ou alimento é quase um crime,

e caçar e comer carne não são apenas coisas triviais, mas más ações,

que, como quaisquer outras, levam a ações ainda piores – Leon Tolstói

        

 

Há uma grande diferença entre saborear um hot dog e comer um cachorro por necessidade de quem passa fome ou como iguaria culinária. Tudo é questão cultural. Comer carne de cachorro na Coreia do Sul é uma tradição do mesmo modo que comer foie gras hoje nos restaurantes mais chiques do mundo, pondo inclusive em polêmica a forma como os gansos são alimentados para ter o fígado dilatado. Ou comer pé de porco e vísceras de galinha no Brasil.  E não é diferente em relação aos vitelos privados da mãe, de sua alimentação natural, ou de leitões ao ponto, que viram receita à pururuca na mesa dos brasileiros. É questão de gosto, de consumo, de aceitação da maioria.

         Em Piedade de Caratinga/MG, Sérgio Caetano Ferreira, 51 anos, por problemas mentais ou por absoluta necessidade condicionada pela miséria e abandono pela sociedade, mantém cativeiro de cães e gatos, animais que mata para saciar a sua fome, o que pode ser um retrato da realidade social brasileiro, diz o Portal Click. E não é o único. Habitantes de Damasco, que passam fome, segundo alguns imames sírios, aprovaram autorização de comer a carne de animais "impuros", como cachorros, gatos e burros, para evitar inclusive casos de canibalismo entre eles. Tanto o mineiro como os beligerantes do Oriente Médio desconhecem se os bichos que comem estão doentes, se o que comem poderá, além de livrá-los da inanição, levá-los também à morte.

         É no Vietnã, no entanto, que o bicho pega, literalmente. Ali, o restaurante Quan Thit Cho Chieu Hoa oferece o cozido de cachorro em sopa de sangue, churrasco de cachorro com capim-cidreira e gengibre, cachorro ao vapor com pasta de camarão, vísceras de cachorro cortadas fininhas como lingüiça e cachorro no espeto, marinado na pimenta com coentro. São 5 milhões de animais comidos por ano e a carne de cachorro é o hit em reuniões chiques e ocasiões especiais. Supostamente ela aumenta a virilidade, eleva a temperatura sanguínea e serve como auxiliar terapêutico.

         Muitos comensais acreditam que quanto mais os cachorros sofrem para morrer mais saborosa é a carne, o que explica a forma brutal de como são abatidos: espancados até a morte com 12 golpes, degolados, ou ainda queimados vivos. Um prato custa em média R$100,00. O roubo de animais, de rua ou de estimação, se tornou tão comum que ladrões chegam a ser linchados, às vezes até a morte. É um mercado livre de impostos, com lucro que varia de 300 a 500% no qual toda a população mete o bico para complementar os rendimentos. Paga-se R$21,00 por um vira-lata.

         São muitos os problemas: ninguém conhece a procedência da carne. Doenças como parvorisose, cinomose e pneumonia são comuns nos cães, 30 cães morrem diariamente de infecção nos abrigos e é pífio o número de veterinários voluntários para cuidar da vigilância sanitária. Série de reportagens levadas no Brasil registra que dada a precariedade dos abatedouros espalhados pelo país não se pode confiar cegamente na carne distribuída aos consumidores, uma vez haver inviabilidade técnica dos pequenos matadouros que trabalham de forma insatisfatória, isso quando não estão da clandestinidade.  Matéria da 'Ilustríssima' registra que no Vietnã "há filhotinhos esqueléticos com patas quebradas, vira-latas sarnentos, com muco escorrendo dos olhos e focinhos, cães cobertos de vômito e fezes, e somando-se a isso, as carcaças dos que morreram, que, em sacos plásticos, esperam para ser incinerados".

         Preconceitos à parte, fato é que comer cachorros, longe da ideia romântica do fast-food, dos contrastes culturais entre comedores de carne e vegetarianismo, põe na mesa o questionamento da usura comensal e da necessidade com uma conclusão óbvia: com ou sem ética ante as fontes de proteína, o homem morre pela boca. Às vezes comendo seu melhor amigo.

 

 

dezembro, 2013

 

 

CORRESPONDÊNCIA PARA ESTA SEÇÃO

Av. Américo Leite, 130 – Centro