Elias José e Marco Antonio Oliveira

 

PIONEIROS DO MINICONTO NO BRASIL — RESGATE HISTÓRICO-LITERÁRIO, DE MÁRCIO ALMEIDA, REPRESENTA O BRASIL NO SALÃO DO LIVRO DE GENEBRA, SUÍÇA

 

Pioneiros na criação do miniconto há 54 anos, em Guaxupé/MG, os escritores Elias José (Prêmio Jabuti, entre outros), Francisca Vilas Boas, a única remanescente do grupo, Marco Antonio Oliveira e Sebastião Rezende foram amplamente reconhecidos à época pela crítica e pela academia em função de sua originalidade, qualidade de texto, difusão do novo produto literário através de concurso nacional e pelo exemplo deixado como lastro para gerações de novos autores. Ainda que o mérito tenha sido distinguido nas décadas de 60 e 70, a crítica, depois disso, sobretudo a do Sul do país, imputa a Dalton Trevisan, indevidamente, a criação do miniconto, com um atraso de mais de 30 anos, omitindo por completo o trabalho pioneiro dos escritores mineiros, agora resgatados de todas as formas pelo livro Pioneiros do miniconto no Brasil — resgate histórico-literário, de Márcio Almeida.

Pinçado originalmente do livro A minificção do Brasil — em defesa dos frascos & comprimidos, que Márcio Almeida produziu em 2010 pela Editora Clube de Autores, sendo único no gênero no país, o novo livro é acrescido de entrevista com Francisca Vilas Boas, de iconografia, miniantologia, de reprodução fac-similar de documentos imprescindíveis à demarcação cronológica do movimento que se expandiu em nível nacional. Por isso, o livro é importante contribuição à dialógica acadêmica com o processo de invenção da minificção do Brasil e do mundo e a oferta de um conteúdo de genuíno sabor universal para leitores exigentes que apreciam o que, em nível de prosa curta, tem analogia com o que há de mais criativo, podendo ser comparado com o que houve com o conteúdo da Semana de 22, Verde/Cataguases, Tendência, Antropafagia, concretismo, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, entre outras invenções.

O miniconto hoje é responsável pela criação do hábito de leitura em diversos países, inclusive o Brasil e nos Estados Unidos, e, neste, é inclusive objeto de curso de pós-graduação na Universidade de Austin. O miniconto levou a prêmio Nobel Nadine Gordiner a declarar que a Literatura atual será "representada pela ficção breve" com seus "clarões de terrível revelações". A minificção revelou também, na atualidade, uma nova voz no trabalho acadêmico, um novo e fértil diálogo com a ficção experimental contemporânea, sobretudo entre latino-americanos, norte-americanos, australianos e neozelandeses, revelando uma nova geração de grandes críticos, autores e publicações. Márcio Almeida é autor também do livro de minicontos Estranhos muito íntimos, em edição bilíngue, prefaciado por João Bosco Ribeiro, publicado pela Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2010.

 

 

Salão do Livro em Genebra

        

A participação de Márcio Almeida neste evento, no início de maio, dar-se-á através do convite feito pela escritora e editora-geral do Varal do Brasil Jacqueline Aisenman, que mora em Genebra há vinte anos. O Salão Internacional do Livro e Imprensa de Genebra é um dos encontros mais populares e mais prestigiados de toda a Europa entre autores, editores, acolhendo anualmente 100 mil visitantes. O estande Varal do Brasil, em 2013, levará cerca de vinte autores brasileiros e portugueses. O Varal do Brasil é também nome de revista eletrônica existente desde 2009, registrada na Biblioteca Nacional da Suíça, cuja divulgação é feita através de e-mail, blog, site e redes sociais nos cinco continentes em português e em outros idiomas.

O professor, escritor e jornalista Hugo Pontes, ao reconhecer o livro, publicou em artigo no Jornal da Cidade, de Poços de Caldas (19/2/13): "Saliento o trabalho de Márcio Almeida como necessário e marcante". O professor doutor Edgard Pereira Reis, da UFMG publicou em Ideia Subalterna: "Márcio Almeida recolhe farto material, em cuidadosa e paciente pesquisa e reafirma o que não deveria ser novidade: Elias José é o criador inquestionável do chamado miniconto, em 1968. O livro de Márcio Almeida afirma-se como referência e subsídio indispensável e abrangente, sem adesão a modismos, para a devida contextualização histórica da mininarrativa brasileira".  

 

 

Elias José, Francisca Villas Boas e Sebastião Rezende, em

lançamento de publicação em Guaxupé

 

SOBRE PIONEIROS DO MINICONTO NO BRASIL — RESGATE HISTÓRICO-LITERÁRIO, DE MÁRCIO ALMEIDA (Oliveira/MG: Edição do Autor, 2012)

POR HUGO PONTES [Escritor, jornalista, professor. Mais aqui.]

 

Elias José, Francisca Villas Boas, Marco Antonio Oliveira e Sebastião Rezende são escritores brasileiros que, nas décadas dos anos de 1960 e 1970, desenvolveram na cidade de Guaxupé, sul de Minas Gerais, uma forma criativa de elaborar contos. Na ocasião a forma literária, original, ficou conhecida no Brasil como miniconto. Acredito que os seus autores não tiveram, num primeiro momento, o reconhecimento pela nova forma criada, uma vez que distantes dos grandes centros, não tinham espaço para divulgar seus contos.

Esse fato, posso atestar pelas atividades desenvolvidas ao longo dos anos, seja em Oliveira com o Grupo VIX de poesia de vanguarda, seja pelo trabalho com o Poema/Processo em 1969, seja com o Poema Visual, no início da década de 1970.

Entretanto, acreditamos que o tempo encarregará de mostrar  e analisar o trabalho que todo o interior, seja mineiro, seja dos outros estados brasileiros, desenvolveram em torno da literatura.

E assim é que o poeta, professor e pesquisador Márcio Almeida marca o trabalho e a história literária dos quatro escritores guaxupeanos, cujo mérito foi — exatamente — o de criar uma nova forma de conto que o Brasil reconhece e desenvolve.

O trabalho de Márcio Almeida é, sem dúvida, um tributo aos quatro criativos escritores e o resgate da sua história. E isso eu posso testemunhar, pois convivi com esses autores e a eles rendo todas as homenagens, uma vez que nós — autores — vivendo no interior, sempre tivemos e teremos dificuldades para alcançar alguma projeção, em virtude dos inúmeros obstáculos impostos pelo mercado editorial, distribuição, livrarias, divulgação e tudo o que possa interferir na vida de um livro.

Saliento o trabalho do Márcio Almeida como necessário e marcante.

 

 

COM A LÂMINA QUE MATOU MEU PAI, ADRIANA VERSIANI COMETE MAIS UM ÓTIMO CRIME PARA A LITERATURA NÃO SE SENTIR CULPADA DE SI MESMA

 

Há dez anos, assumi on by myself analisar a obra de Adriana Versiani — que vem paulatinamente se compondo de livros como A física dos Beatles (2005), Conto dos dias (2007), Explicação do fato (2007), Livro de papel (2009), a produção difundida nos jornais Dazibao e Dezfaces —, além de permanente dialógica com a autora ouropretana radicada em Belo Horizonte.

Não é exagero nem favor algum incluir Adriana Versiani entre as melhores autoras pós-modernas do Brasil, fiel que é a um trabalho eivado de talento, experimental, no qual mantém em ebulição especificidades (anti)literárias que sedimentam criativamente seu legado próprio de dicção autoral.

Em todos seus livretos, a leitura se identifica pela intenção de fazer proesia onde sobejam a bioescrita, re-cortes, frações diegéticas, partículas mentais, células escriturais, vestígios como rastros de memória, linguagem eminentemente orgânica, dramatização lírica e surrealiricidade, escrita descontínua e fragmentária, personagens pulsionais sem contornos, sem identidade palpável, representados pela palinódia — incerteza insolúvel reforçada por hesitações, inconsistência do narrador, além da religiosidade, tópica recorrente de forte presença em sua mininarrativa poética.

Esses compósitos estão também no recém-lançado A lâmina que matou meu pai (2012), que enriquece sua bibliografia e oferece literatura de qualidade a leitores exigentes e de bom gosto. A partir de insinuante provocação de cometer patricídio, como no complexo de Édipo perenizado por Sófocles em Édipo Rei, Hamlet, de Shakespare e Irmãos Karamasoviski, de Dostoiévski, a autora compõe com as falas de quatro personagens (ela própria, a filha, o pai e a lâmina), via metonímia, narrativa em que o substantivo "lâmina" substitui/representa a pulsão denunciadora de um crime que na verdade é onírico (Sonho-me navalha, 11 — Eu, enquanto sonho, sou lâmina, 42), porque a verdade não está nas palavras (idem), e porque nenhuma verdade resiste ao tempo (67).

A constatação fictícia do crime ficcional: a lâmina, que não está mais lá, também é personagem (34). A navalha fia um anti-enredo mental, oralizável, que cronometra, num espaço temporal indefinido, pensar nos movimentos dos outros atores, membros duma família afeita à libertinagem da bebedeira, do defloramento da faxineira, de cachorros que não estranham.

As descrições do "crime" são realistas e misturadas a reflexões líricas, às vezes surrealíricas: afiei a navalha na pedra do quintal/me vêm fluxos enquanto observo o mar da janela do avião (6) — a lâmina está entre a bota e a panturrilha/o sol se esforça para tocar o chão nessa mata de flores raras (12) — três golpes secos e a navalha toca o aço dos ossos/lembra/se dos dias lindos... (13) — matei meu pai, comi carne humana e tremo de alegria (66), entre outros exemplos. Para então como que concluir: navalha, fantasma de todas as histórias (15). 

Contudo, a surrealiricidade versiânica é mais um pretexto para pensar a proesia do que propriamente o libelo defendido pelos surrealistas. Há, todavia, a intenção, tal como entre os surrealistas, de se pensar em temas recorrentes de Adriana Versiani, como a morte e a escrita como linguagem da paixão, sabedora que é de Hegel, ao afirmar que "toda arte é uma vitória sobre a barbárie".

Talvez seja oportuno informar que A lâmina que matou meu pai foi escrito durante viagem da autora ao México, onde vivenciou in loco e nas entranhas populares a relação daquele país com o sangue, a morte e o sacrifício herdados à cultura indígena dos astecas, yaquis, maias, rarámoris, zapotecas, entre outras tribos, justamente as que mais deram sangue nos conflitos para obtenção da independência da nação de Octavio Paz, em 1810.

Para o povo mexicano, "a água brilhante, que escorre nos riachos e rios, não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados", lê-se num paper. Essa relação intra-venal com a cultura mexicana, me relatou a autora, a deixou realmente impressionada, do mesmo modo que muitas décadas antes perturbou Aldous Huxley ao conhecer a "extravagância" do barroco da igreja de São Domingos, em Oaxaca (local de imolações religiosas), construída por frades dominicanos "com o sangue e o sacrifício de muitos índios". A autora declarou ter permanecido por dez horas no Panamá, quando do seu retorno, em cujo tempo escreveu o livro, depois reescrito em Belo Horizonte.

Nesse sentido, tanto a prática sacrificial indígena do México, quanto o êxtase purificador do patricídio literário poderia ser uma função catártica do duplo êxtase provocado pela hubris — o primeiro destinado a salvaguardar o instinto de sobrevivência através da proteção dos deuses, o segundo para criar contra-reação da autora frente ao uso arbitrário da força da linguagem para sobrevivência da própria escrita. E a escrita de Adriana Versiani, pelo menos nos seus livros até então publicados, é bioescrita.

O livro presta-se a refletir sobre a vida, a Literatura, a arte, o corte epistemológico pela navalha da autoria:

 

Trago fórmulas para forças desconhecidas:

A inexatidão da imagem: Arte

A inexatidão do som: Arte

A inexatidão das palavras: Arte

Para o pássaro, o mundo inteiro é pássaro (42).

 

Vá, e da estante que está à direita, leia apenas as coisas em si (idem).

 

Palavras, silêncios abandonados (48).

Infância, melhor lugar para pensar a fuga (51).

 

A possibilidade é o princípio da essência

Há átomos e talvez a menor parte deles seja provida de alma (56).

 

Tudo em Adriana Versiani ensina: escrever é dialogar com as vísceras. Como o organismo é composto por vísceras que decidem sobre as reações dos sentidos, é recomendável ler A lâmina que matou meu pai como uma referência bonita e competente da produção literária feminina da Literatura brasileira atual.