[ foto ©Ito Cornelsen ] 

 

 

 

 

 

 

 

 

Priscila Merizzio – Quando esteve em Foz do Iguaçu, divulgando o Solar da Fossa, você comentou que é um "prazer falar para sensíveis". Nas suas viagens, promovendo o livro, qual a impressão que tem tido do interesse do público atual pela produção artística da década de 70/80?

 

Toninho Vaz – Vejo muito interesse no resgate da memória da nossa cultura contemporânea. O Solar da Fossa, que aborda a efervescência dos anos 60, teve a primeira edição esgotada em apenas cinco meses e ainda me dá trabalho — no bom sentido. A demanda do leitor é maior quando falamos de épocas de trevas, como foi o período da ditadura militar.

 

 

PM – Pensando nas manifestações que aconteceram no Brasil recentemente (2013), qual a sua opinião jornalística sobre a "Mídia Ninja" e os "Black Blocs"?

 

TV – Eu me interesso mais pela linguagem adotada pelos ninjas do que pela qualidade do jornalismo praticado por eles. Claro, como dizia o mestre MacLuhan, o meio é a mensagem. E nesse caso, falamos de uma outra estrutura (ou ausência de) para hospedar a informação e a redação. Quanto aos "black blocs", acho que foi uma criação advinda da revolta — absolutamente justificável — dos jovens, diante de tanta barbaridade praticada pelos governos. Então, a princípio, não me ocorre nenhum tipo de censura a essas atividades, que eu acompanho com interesse.

 

 

PM – Como nasceu o gosto (e aptidão) para escrever biografias?

 

TV – O primeiro passo aconteceu por sugestão da poeta Alice Ruiz para que eu escrevesse a biografia do Paulo Leminski, com quem ela foi casada por 19 anos. Depois, veio o reconhecimento da aptidão, quando percebi que biografia era uma grande reportagem com um tema central: o personagem. E eu, como jornalista, sempre gostei de escrever reportagens.

 

 

PM – Por também escrever biografias de personalidades já falecidas, existe alguma dificuldade em verificar se determinada informação é válida? É questão de ter os olhos treinados e/ou, também, de sexto sentido?

 

TV – Considero biografias de pessoas vivas uma espécie de oportunismo. Não é biografia, mas um perfil. Mesmo assim, a vigilância deve ser constante, pois os equívocos são ameaças que podem vir até mesmo de documentos insuspeitos. Quando se trata de depoimento pessoal, então, o rigor deve ser maior. Até hoje, considerando todos os meus cinco livros, sempre fiz questão de fazer pessoalmente as entrevistas. Para manter o olho no olho do entrevistado. 

 

 

PM – Você escreveu as biografias de Paulo Leminski e Torquato Neto. O escritor Paulo Leminski teve, nos últimos meses, um boom, com sua obra reunida no Toda Poesia. E a biografia de Torquato Neto está esgotada. É bem provável que, no futuro, assim como Paulo Leminski foi "descoberto" pelo público popular, o mesmo ocorra com Torquato Neto. Aparentemente, você tem um faro excepcional para as escolhas. Coincidências? Qual é seu critério na hora de escolher os biografados?

 

TV – Eu me envolvi desde cedo com a contracultura brasileira, depois que a ditadura militar acabou com a vida universitária. Fui um aluno ausente da faculdade, no curso de Jornalismo, mas passei a acumular a sabedoria das ruas, dos bares e da literatura. Depois que conheci o Paulo (Leminski), ficou mais fácil conhecer a poesia que havia por trás dos contras. Eu era leitor do Torquato no jornal Última Hora, que circulava em Curitiba, e, quando tive que pensar em novo tema para atender à solicitação de uma editora, o nome dele foi o primeiro que apareceu. O livro está esgotado, mas vai sair uma nova edição ainda em 2013, pela editora Nossa Cultura, de Curitiba. A novidade é o prefácio de Roberto Muggiati, um jornalista que aprendi a admirar à distância e que agora vem participar do meu trabalho.

 

 

PM – Para você, que tem experiência na área de biografias: geralmente, por onde começa seu trabalho e como ele se desenvolve durante o processo de criação?

 

TV – O primeiro passo é quase espiritual: você tem que "sentir" a sua ligação com o personagem, pensar em como ele pode "cair no seu paladar". Essa seria a situação ideal. No caso do Torquato, por exemplo, eu também tinha curiosidade em saber quem era ele, que eu reconhecia como o menos badalado e justiçado da turma tropicalista. Nessa fase, deve-se procurar as informações básicas do personagem, ainda numa pesquisa superficial. Mas depois que a decisão for tomada e a escolha feita, aí então, vamos aprofundar as pesquisas e agendar entrevistas que devem ser gravadas, de preferência. Eu gosto também de valorizar o contexto, dando panorâmicas nos principais acontecimentos e fatos da época.

 

 

PM – Na nova safra de artistas brasileiros, quais têm recebido a sua atenção?

 

TV -  Procuro, mas não vejo nada. Tem mais de dez anos que nada me sensibiliza. Outro dia fomos — eu e o músico Guarabyra — listar os temas do Solar da Fossa, com o que se produzia na época, e encontramos facilmente 20 músicas de arrepiar, todas feitas num periodo de três anos, de 1967 a 1969, algumas criadas no próprio Solar, como "Alegria Alegria", "Sinal Fechado", "Roda Viva" e "Back to Bahia", do Paulo Diniz. A safra dos festivais foi muito fértil e estimulante, até mesmo pela premiação e pela motivação temática que a ditadura oferecia. Prepare o seu coração…

 

 

PM – Além de jornalista e escritor, você também ministra oficinas literárias, baseado no método leminskiano de escrita (tenho um exemplar da apostila que você usa). Qual é a mensagem principal que você transmite aos alunos?

 

TV – Na verdade, meu método é poudiano, baseado em Ezra Pound, que me foi legado pelo Leminski, o meu mais importante professor. Com meus alunos, costumo abrir as conversas lembrando que a matéria-prima do texto é a leitura. Então, como faziam os meus professores, ofereço boas sugestões de autores e livros.

 

 

PM – Você foi a primeira pessoa a me falar de Georges Bataille e, na época, disse-me que admira bastante a obra do autor. O que mais te atrai em História do Olho? Como escritor, qual é a lição que Bataille deixa a quem pretende escrever — ou já escreve?

 

TV – O mais óbvio em Bataille é a coragem, o destemor. Mas o texto e a temática da obra dele são singulares, numa linguagem muito interessante e criativa. Vejo a influência dele em autores como Clara Averbuck, por exemplo, quando ela diz numa crônica que engole porra, mas não coloca a mão em queijo, tem ojeriza ao contato com o queijo. O mesmo aconteceu com você, que certa vez, produziu um texto que me fez lembrar Bataille. Foi quando toquei no assunto. Tudo em Bataille acontece num universo psicológico, através de sonhos. E os sonhos não são pudicos.

 

 

PM – Sua experiência como jornalista é superlativa, rica. Na sua opinião, qual será o destino do jornalismo cultural do Brasil? Existirá área de atuação para os novos jornalistas que entram, recém-formados, ao mercado de trabalho?

 

TV – Não sou muito qualificado para esse tipo de análise, mas posso dizer que os conceitos de sabedoria, de cultura de um modo geral, estão se alterando. E, claro, o mercado de trabalho também. Os novos jornalistas surgem com um perfil muito diferenciado, como o próprio jornalismo que se pratica hoje, vide a redação ninja, que altera o conceito empresarial do ofício. As redes sociais da internet estão cheias de informações que se confundem com jornalismo, afinal a web é uma tribuna. Mas quem tem o monopólio? A primeira grande experiência na net, no Brasil, foi o site pioneiro Nomínimo.com (nos últimos 60 dias on-line, com 5 milhões de acesso), que praticava um jornalismo de alto nível profissional (sou suspeito, pois publiquei muitas reportagens ali, sempre bem remunerado) como um rito de passagem pelas ondas da web. Foi uma experiência considerável, que chegou ao fim por questões financeiras: o patrocinador deixou de existir.

 

[ cartum de Solda | texto de Toninho Vaz ]

 

 

PM – O fechamento de revistas culturais como a Bravo!, na sua opinião, é um indício de pouco apreço dos brasileiros à arte? Ou pode ser, também, reflexo da transmutação dos veículos de comunicação?

 

TV –  Prefiro a segunda hipótese, pois creio que ainda existe demanda para as artes em seus vários aspectos: música, teatro, livros, cinema, etc. Claro que a leitura virtual tem uma grande parcela de responsabilidade nessa debandada de leitores, mas o interesse ainda existe.

 

 

 

 

setembro, 2013
 
 
 
Toninho Vaz (Antonio Carlos) nasceu na época do rádio galena, 1947, em Curitiba, mas vive hoje no Rio de Janeiro, na época da web. Jornalista desde 1969, com passagens por jornais (Diário do Paraná, Diário da Tarde, Gazeta do Povo), revistas (ISTOÉ, P&D) e televisões (Bandeirantes, Globo, CBS), foi o que se pode chamar de um jornalista atuante. Escreve livros desde que o futuro chegou, em 2000, construindo biografias e enfoques da memória nacional: Paulo Leminski, o bandido que sabia latim; Torquato Neto; Luiz Severiano Ribeiro, o homem que multiplicava e dividia; Edwiges, a santa libertária; Solar da Fossa; e a biografia parlamentar de Darcy Ribeiro, de quem foi amigo. É autor de textos para cartuns e HQ, quase sempre ilustrados pelo cartunista Solda. Atualmente, apresenta o recital Solar da Fossa, com participação musical de Guarabyra (voz e violão) e Fabio Santini (guitarra), com canções criadas na famosa pensão carioca de Botafogo. Seu blogue registra atividades profissionais sem espaço para o lazer (abobrinhas): http://toninhovaz.blogspot.com.br .
 
 
 
 
 
Priscila Merizzio. Curitibana, ventríloqua, nascida no Ano do Búfalo.
 
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