Era uma vez um escritor. Escritor com o "E" maiúsculo, como os leitores perceberão dentro em pouco. Nascido na Espanha, criado no Marrocos (na época, sob o domínio colonial da França), de formação francesa, e radicado, enfim, no Brasil, ele tem prestado serviços inestimáveis às nossas letras. Trinta livros que publicou não deixam sombra de dúvidas a respeito disso. Romances, contos, poemas, peças de teatro: obras marcadas pela argúcia e amargura de quem conhece o reverso da vida e não tem medo de explorá-lo, obras humanas, universais, ecumênicas e... todas distantes do grande público. Caso estranho e raro, possivelmente o único em toda a literatura brasileira; caso que traz à memória aqueles homens que, ao servir por mais de dez anos na Legião Estrangeira, tatuavam outrora em seus antebraços o título honorífico — Le grand inconnu... Sobre a sua vida dramática, sobre os seus escritos que permanecem no limbo, sobre a literatura, em geral, e a do Brasil, em particular, é que conversamos hoje com ele, o grande desconhecido que faz boa literatura — Rodolphe Roldan-Roldan. [Oleg Almeida]

 

 

 

 

 

 

 

Oleg Almeida - Antes de tudo, Roldan, eu gostaria de agradecer-lhe a disposição de gravar esta entrevista. Sei que leva uma vida discreta e aparentemente é avesso aos holofotes...  Pois bem. Conte-nos, por favor, um pouco de sua história. Como surgiu o escritor R. Roldan-Roldan, ou melhor, como foi, digamos, a fase pré-literária de sua vida?

 

Roldan-Roldan - Escrevo desde que era criança, o que me ajudava, na puberdade e adolescência, a enfrentar uma realidade muito dura. Sou um escritor orgânico. Ou biológico. Instintivo. Um animal literário. Para mim, não existe outro caminho a não ser o da literatura.

 

 

OA - Muitos críticos e estudiosos de literatura tendem a atribuir a inspiração literária às raízes étnicas e socioculturais de determinado autor. O amigo concorda com essa opinião? Em outros termos, como a sua passagem por vários países do mundo se refletiu em sua criatividade?

 

R-R - A origem étnica é, claro, muito importante. Mas acredito que, mais do que a etnia, é o meio sociocultural que forma o escritor. No meu caso específico, a coisa é mais complexa. Sou produto de várias culturas. Isso enriquece o escritor. Mas cria, de certo modo, o desassossego do deslocamento, o de, no fundo, não pertencer a nada.

 

 

OA - Sabemos que o amigo passou a infância no Marrocos, e que depois, já adulto, visitou outros países orientais, por exemplo, o Afeganistão. Qual foi a influência que o Oriente tem exercido sobre a sua obra literária?

 

R-R - O Oriente sempre me fascinou. Desde criança. Sobretudo a Ásia Central, que exerce em mim uma atração irresistível. Além do mais, fui criado no Marrocos, país islâmico que assombra toda a minha obra, talvez pelo fato de ali ter passado uma parte crucial, e muito difícil, de minha vida, ou seja, a infância e adolescência. De qualquer modo, a visão de mundo do Oriente é muito mais elástica do que a visão racionalista do Ocidente. Portanto, um modo mais sutil, mais sábio de captar o universo.  

 

 

OA - E quais foram aqueles autores que mais o impressionaram e poderiam, em função disso, ser considerados seus precursores ou, sabe-se lá, professores? Quem lhe deu asas: Kafka, Gógol, Céline?

 

R-R - Não sei se tenho uma influência direta de algum autor. Mas há escritores que me marcaram, de um modo ou de outro. Kafka, Khayyam, Nietzsche, Rimbaud, Baudelaire, Lautréamont, Villon, Sá-Carneiro, Neruda, Stendhal, Montherlant, Camus, Tolstoi, Pirandello, Italo Calvino, Dino Buzzati e Hermann Hesse, entre outros.

 

 

OA - Qual é o seu gênero predileto: romance, conto ou poesia? Faço-lhe esta pergunta por achar sua prosa explicitamente poética e sua poesia, pelo contrário, implicitamente prosaica.

 

R-R - Todos os gêneros me atraem. Cada um tem seu atrativo. Talvez me envolva mais com o romance, por ser de elaboração mais longa, mesmo porque o poema é uma ejaculação.

 

 

OA - O conteúdo de suas obras é muito rico e multiforme: há nelas traços oníricos e irônicos, filosóficos e eróticos, chocantes e fascinantes. Como o amigo definiria aquela vertente real ou hipotética a que pertencem seus livros: realismo fantástico, bem difundido aqui na América Latina; surrealismo em sua dimensão pós-moderna; ou, talvez, neonaturalismo?

 

R-R - A minha ficção, embora contenha elementos neonaturalistas, é essencialmente surrealista. O que não impede que haja nela considerações filosóficas e um determinado engajamento político-social. E uma dose de ironia proporcionada por um certo distanciamento.   

 

 

OA - O elemento erótico ocupa um lugar destacado em seus escritos. O que explica esse interesse pela sexualidade: sua visão freudiana do mundo, alguma convicção pessoal ou tão somente a intenção de "épater les bourgeois"?

 

R-R - Sim, tenho uma visão muito freudiana e racionalista sobre o sexo. Sexo é algo tão necessário quanto a alimentação para o bom funcionamento do corpo e da mente. Uma pessoa satisfeita sexualmente é sempre mais equilibrada, logo, melhor. Por outro lado, o sexo, na minha obra, é uma celebração da vida, em oposição à morte. E acaba adquirindo uma dimensão transcendente. Considero que a abstinência sexual é uma aberração decorrente de superstições milenares e uma violência contra o corpo e o espírito. Sinto uma verdadeira aversão pelo conceito judaico-cristão do sexo. E uma repulsa pelo enfoque fundamentalista do sexo, seja cristão, islâmico ou judeu. O fundamentalismo religioso se opõe à luz da Razão.  Gostaria de ressaltar que não escrevo sobre sexo para chocar ou para vender.  Não sou tão limitado. No meu entender, pornografia é a comercialização do sexo pelos meios de comunicação. E não, por exemplo, um filme com sexo explícito.

 

 

OA - O que liga entre si muitos dos seus livros é o protagonista deles, David Haize. Que nos conste, essa pessoa excede a condição de um personagem fictício, sendo seu alter ego e, de uns tempos para cá, seu heterônimo — algo que lembra a transformação de Romain Gary em Émile Ajar, uma das maiores mistificações que o meio literário já viu. Conte-nos sobre David Haize: como ele veio à luz e que papel tem desempenhado em sua vida?

 

R-R - David Haize (Haize significa vento em euskara, ou seja, língua basca — e o vento é sempre livre) sou eu, nem mais nem menos. Ou talvez mais. Já que ele, pelo fato de ser em parte ficção, pode se permitir ações que a vida prática me impede. Num clima onírico, David Haize é quase onipotente. Os jogos de identidade, por assim dizer, de Romain Gary são fascinantes.  Assim como os de Fernando Pessoa. Aliás, ser múltiplo é fascinante. Uma vida só não basta. Sobretudo para a imaginação de um escritor.

 

 

OA - Em resumo, podemos dizer que, feitas as contas, Roldan-Roldan e David Haize são a mesma pessoa, ou existe ainda certa fronteira que os separa?

 

R-R - Decidi assumir os excessos de David Haize como algo inerente à minha personalidade. Em certos casos, imito as ações dele por experimentação e prova de liberdade individual. Em outras palavras, imito a ficção na vida real. Esse aspecto lúdico da minha vida e minha obra me proporciona um prazer sofisticado. Em suma, eu vivo o que escrevo e escrevo o que vivo. Para mim, não existe fronteira entre a vida e a literatura.

 

 

OA - Três livros seus — Inidentidade, O bárbaro liberto e Boa viagem, Sheherazade ou A balada dos malditos — ganharam prêmios e menções honrosas na Itália. De certa forma, isso significa que suas obras são mais valorizadas fora do Brasil?

 

R-R - Sim. Acho que aqui os poucos que me leem me veem como um autor fora do tempo pelo fato de ser humanista. E ainda por cima surrealista, libertário e libertino, como se dizia no século XVIII. E ficam desconcertados, quando lhes é impossível me catalogar. Ou me rotular, como eles gostam. Uma das características da imbecilidade é a necessidade premente de rotular. Quanto aos editores — que em verdade são meros comerciantes que mandam imprimir livros — cheguei à conclusão de que, além de mercenários (como dizia Hilda Hilst), são burros e ignorantes. 

 

 

OA - E, para terminar, como o amigo avaliaria a situação atual da literatura: tanto no Brasil, quanto no mundo inteiro? Dizem que a imagem é mais atraente para o ser humano do que o texto. Por isso costumo perguntar a todos os entrevistados da EisFluências se a literatura ainda está na ativa ou já sucumbiu ao vídeo e à Internet.

 

R-R - Vivemos na era da imagem, onde tudo é devidamente pasteurizado e edulcorado para uma digestão e uma defecação fáceis. O sistema vigente, o capitalismo neoliberal, como todo regime totalitário, tem obviamente interesse em que as pessoas consumam e não pensem. O neoliberalismo colocou o lucro no centro do mundo, lugar que cabia ao Homem, de acordo com o humanismo. Portanto, a literatura e todas as artes acabam prejudicadas, já que elas não se encaixam no conceito lucro do sistema. Daí o achatamento cultural. A produção de lixo cultural em massa. E a imbecilização do ser humano. Mas, como toda arte é resistência, acredito que sempre haverá homens e mulheres (superiores, se comparados com a turba de frangos hormonados que nos cerca) que continuem a escrever com a alma (ou com as vísceras e os colhões, como eu), como testemunho de fé no ser humano. E talvez também como um caminho para a elevação. Para atingir a espiritualidade laica. 

 

 

OA - Finalizando, gostaria de me referir à sua recente obra, Engel, Sinfonia inacabada para Anjo e Poeta, que considero uma das mais inclassificáveis em toda a literatura brasileira de nossos dias. O que será: um poema épico, um romance em versos, um extenso solilóquio confessional ou, como se pode deduzir da sua estrutura formal, uma sinfonia para ser lida?

 

R-R - Engel é tudo isso. Um poema épico pela dramaticidade e pela vasta extensão imagética. Um romance em versos, já que relata uma história de amor romanesca. E um solilóquio que ilustra o desdobramento de um ser e expõe essa ambivalência da matéria e do espírito. Ou a espiritualidade de um hedonista místico que não acredita em Deus, já que Engel é também uma espécie de liturgia do amor. Mas antes de tudo, Engel é uma obra surrealista, logo, sensorial (aliás, como praticamente tudo o que escrevo), e certamente a poesia não é racional, mas sensorial, como a música. Engel se situa no mesmo plano das pinturas de Bosch, Max Ernst, De Chirico, Dalí, Magritte ou Delvaux. Ou seja, longe do registro cartesiano. Por outro lado, a estrutura é a de uma sinfonia, onde os diversos movimentos musicais correspondem aos movimentos da alma. E onde o leitmotiv é representado pela litania amorosa. Volto a afirmar que a poesia é sensorial como a música. Beethoven, por exemplo, é pura emoção.

 

 

OA - Trata-se nessa obra do amor entre um Poeta e um Anjo, amor impossível por natureza, e mesmo inimaginável, que só pode acontecer no plano metafísico. O que o amigo quis dizer com isso? O amor não tem mais lugar neste mundo dominado pela solidão existencial, onde os seres humanos ficam, conforme nos diz Pascal, espiritualmente distantes um do outro?

 

R-R - Sim, trata-se do idílio amoroso entre um anjo entediado de imortalidade que busca o gozo carnal da mortalidade e um poeta, insatisfeito com a mortalidade e sedento de imortalidade. Numa dimensão metafísica onde não existe tempo nem espaço, eles se amam com paixão. Mas eu não quis espiritualizar o sexo como santa Teresa de Ávila e são João de Deus o fizeram. Mesmo porque era importante ficar no plano sensorial e não afastar-me da linha dos sentidos. Daí que haja sexo entre o anjo, um ser assexuado, e o poeta, um ser altamente sexuado, para quem o prazer sexual é a afirmação da vida. Mas eles não podem permanecer juntos porque vivem em mundos opostos. E aí entra a minha visão da solidão humana. O amor brota sem explicação, arde e a chama se apaga — restam, para o poeta, as cinzas que guardam o tempo perdido. O amor é a necessidade premente de preencher um vácuo eterno. Pertencemos a alguém, sexualmente, apenas temporariamente. Espiritualmente estamos sempre — consciente ou inconscientemente — à procura da alma gêmea. E essa busca nos deixa à deriva na vastidão do universo.

 

 

OA - Obrigado pela sua polêmica e empolgante entrevista, Roldan! Espero que nossos leitores não a deixem despercebida. Gostaria de finalizá-la transcrevendo, na íntegra, um dos poemas seus — ou de David Haize? —, bem como o primeiro movimento lírico-musical do Engel...

 

 

Balada do Poeta Errante

(À Guisa de Biografia)

 

Rápido rápido ele está passando

quem é? quem é?

dizem que

a terra de Lorca o viu nascer

a cidade de Ibn Batouta o viu crescer

o país de Baudelaire o educou

o de Bandeira o adotou

e o mundo ele abraçou

e de estar passou a ser

será?

quem é? quem é?

ele já passou

 

Venho de longe

espaço aberto tempo ido

filho errante do Planeta

pelas sendas do universo

viajo de poesia

de louros e espinhos siderais coroado

vestido de abismos

perfumado de paixão

enfeitado de trigo e papoulas

permaneço no entanto com os pés no chão

e embora segregado da Grande Sinfonia

carrego na lembrança atávica

sóis de antanho

estrelas de Belém

luas de outrora

rios sagrados

e o gozo da terra em cio

 

Rápido rápido ele está passando

quem é? quem é?

dizem que

morou num galpão

morou num porão

morou numa pensão

trabalhou numa corporação

onde quase fodeu o coração

de tanto militar na putificação

será?

quem é? quem é?

ele já passou

 

Venho de longe

espaço-cruz tempo-círculo

o branco monacal trago do Leste

a lucidez metálica da razão do Norte

a areia escaldante do Sul

o gozo exuberante da vida do Poente

e de língua em língua

de país em país

arrasto

funâmbulo dos extremos

paladino dos jardins selvagens

o estigma de a nada pertencer

senão ao Verbo

e para alguns

trago escondido na alma

um brinquedo proibido

e a perplexidade de existir adulto

quem quer meu viver de menino?

 

Rápido rápido ele está passando

quem é? quem é?

dizem que

catou sucata e jornal velho

comeu restos de frutas

restos de doces

que os clientes não queriam

e quando se deitava sua mãe

a única calça lhe lavava

será?

quem é? quem é?

ele já passou

 

Venho de longe

espaço ferido e tempo fragmentado

de guerras fome e exílios impregnado

trago na ponta dos dedos

carícias trincadas gestos truncados palavras trancadas

do amor a lágrima represada na solidão

entre o ruído e a velocidade de estar sem ser

semeando o poema do caminhante

no desterro da consciência

o amor e a escrita como sina

a liberdade como estandarte

o desejo como perdão

diluo meu corpo na vastidão do espírito

meu passo na escuridão da lucidez

alço voo

alcanço as alturas

miserável ao tocar o chão peregrino

quem em dias de pragmatismo o acolheria?

 

Rápido rápido ele está passando

quem é? quem é?

dizem que

fumou

cheirou

roubou

contrabandeou

e amou

escreveu

e amou

será?

quem é? quem é?

ele já passou

 

Venho de longe

espaço sangrando tempo revogado

de furor liberdade e saber calado

trago nos ombros

a parca generosidade do mercantilismo

deste século profano

que exauriu Deus e plastificou o Mistério

dando aos órfãos

a lubricidade de engolir sem degustar

que esvaziou os olhos da Ética

violando o ritmo milenar de ser e haver

abortando o Silêncio de Mãe-Terra

século totalitário do adulterado

algoz do Início e do Eterno Retorno

século robotizado de Harmonia aviltada

que fizeste do Sagrado?

 

Rápido rápido ele está passando

quem é? quem é?

dizem que

é o filho do Sol

tataraneto de Eurípides

é o filho do Mar

bisneto de Kayyam

é o filho do Vento

neto de Villon

é o filho da Terra

filho de Rimbaud

será?

quem é? quem é?

ele já passou

 

Venho de longe

espaço sem identidade tempo sem memória

de despojamento silente e referências mortas

agora empossado

transpassado pelo silvo da solidão

fio de algodão

da lembrança ancestral

fiando fiando fiando

em rocas de séculos acumulados

as filigranas da alma

tecendo tecendo tecendo

no que restou do tear do silêncio

no côncavo telúrico do pensamento

recolhido no segredo de não-ser

quieto de estrondos mal vividos

no que resta de mentira

como ilusão da própria vida

venho e nunca chego

quem quer meu silêncio?

 

[David Haize, março de 2004]

 

 

 

 

Engel, Sinfonia inacabada para Anjo e Poeta

Primeiro Movimento (Largo)

Planando no Presente

 

Azul-néstor-almendros

Violeta

Haxixe

 

Do fundo dos séculos emerges

ao meu encontro

além do espaço

além do tempo

diamante esquecido no pó dos milênios

Engel é teu nome

peço perdão por te amar

desesperadamente

além do amor

sem restrição

como um animal

para te triturar entre os molares da paixão

além de Yerushalaim ani ohev otach

bebes minha essência

além de Malta inhobbok

repousas tua cabeça sobre meu peito

além de Santo André eu te amo

te recolhes em minha alma

Anjo é teu nome

à beira do caminho

solitário como uma prece nas dunas

entre a constelação do Destino

estendes a mão que beijo

já te vi

longe

bem longe

em Buenos Aires yo te quiero

ou Nova York I love you

ou talvez no gueto de Varsóvia ich han dich lib

e beijo tua ferida milenar

e me faço chaga tua porque te amo

muito além de mim

da razão

do perdão

da redenção

te amo

como a raiz ama a terra

vem meu amor

vem antes que eu parta

vem me viver na extensão total do meu desejo

na divisa do absoluto

vem me viver nos limites do humano

tu anjo no exílio

no irreversível?

sou em ti a razão de ser

és em mim o que esperavas

e te fazes criança em meus braços

querubim

Angel é teu nome

transmutam-se as horas

os corpos se encontram

oásis à sombra do infinito

que buscas em mim

senão saciar a sede do indizível?

que buscas em mim

senão saciar a fome do inominável?

em ti cessa a minha busca

em ti abdico

perante o amor

nada além desse sentir

eliminando tempo e espaço

esse impulso que nos precede

como o enigma precede o acaso

o fantástico acaso que nos alinhou

não sei de onde vens

não sabes aonde vou

queres fundir-te em meu corpo

como água absorvida pela terra

além das muralhas de Jericó

Angel é teu nome

e cobres minha pele com tuas asas

agora invisíveis

tu que sentes frio

tu anjo desterrado que buscas calor

vem meu doce querer

que meu sangue circula para te aquecer

nada temas

aqui estou para te proteger

com a energia de amar

nada há de te acontecer

a não ser

ser em mim

como sou em ti

longe do fragor da turba

que não entende tuas palavras

nem as minhas

que as minhas tuas são

na célere lentidão do tempo

plasmado na plenitude de existir

no cálido ninho suspenso na ponta de uma estrela

onde nossa carne se unifica

entre espasmos e olhares abissais

Angel é teu nome

demiurgo que me queres gozo sem fim

só para ti

e eu velho guerreiro arribo no porto do teu desejo

e me dizes

— vou te contar um segredo

— qual é o segredo? pergunto

— ainda é cedo para falar

 

 

 

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[Publicada originalmente na Revista EisFluências, outubro de 2012 (Ano III /

Número XIX), Caderno I, p. 1-3; ampliada em janeiro de 2013]

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abril, 2013
 
 
 
R. Roldan-Roldan nasce na Espanha. É criado no Marrocos. Formação francesa. Cidadão brasileiro. Infância conturbada: é separado dos pais, durante o pós-guerra, devido à perseguição política. Empregado numa empresa de transporte aéreo, viaja pelo mundo. Numa dessas viagens, um marco em sua vida, é detido por engano no Afeganistão, país que o marcará para o resto de sua existência. Em 1996, já gerente de uma multinacional e com três filhos, abandona absolutamente tudo para dedicar-se à literatura. Come o pão que diabo amassou. Mas, coerente e liberto, assume seu destino e sente-se finalmente digno e em paz. É autor de 20 livros publicados. Os cinco primeiros (três na França e dois no Brasil) são por ele destruídos depois de editados e não constam de sua bibliografia. Sua obra, que abrange romance, conto, poesia e teatro, vai aos extremos. Como sua vida. Com a qual se confunde. Da paixão ibérica, do ceticismo gaulês, do solo islâmico e da sensualidade tropical surge a cor intrínseca de sua identidade, obsessão e tema principal de sua obra. (Fonte: Jornal de Poesia). Mais em davidhaize.wordpress.com.
 
 
 
 
 
Oleg Almeida (Bielorrússia, 1971). Poeta e tradutor, sócio da União Brasileira de Escritores (UBE/São Paulo). Autor dos livros de poesia Memórias dum hiperbóreo (2008) e Quarta-feira de Cinzas e outros poemas (2011) e de numerosas traduções do russo (Dostoiévski, Púchkin, M. Kuzmin) e do francês (Baudelaire, P. Louÿs). Mais em www.olegalmeida.com.
 
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