Era uma vez
um escritor chamado Hans Christian Andersen, dotado de extraordinária
capacidade de imaginação, cujas histórias muita gente conhece, mesmo não
sabendo que são de sua autoria. Um dia, atravessando uma rua de sua
cidade natal, Copenhague, ele teve a ideia de uma história que desde o
século XIX vem encantando as pessoas. Ouvi esse conto quando menina, em
uma sala de aula, e nunca pude esquecê-lo. Por isso, vou recontá-lo, da
maneira que me lembro.
Num país
gelado, onde nevava muito, uma mãe estava em sua cabana, cuidando do
filho doente. O marido tinha ido embora há tempos e ela ficara sozinha
com a criança. Preocupada e sem saber o que fazer, sentou-se à beira do
fogão, para aquecer-se, pedindo a Deus que não levasse o seu bebê. Cada
vez mais fraco, o menino estava desfalecido, respirando com dificuldade.
Não havia médico ou remédios na região, ela era pobre, não tinha botas
para neve, nem trenó, e sabia que, se saísse com a criança naquele frio,
certamente ela não resistiria.
Enquanto
fazia suas orações, alguém bateu à porta. Era um velho pedindo abrigo,
tremendo de frio. Ela ofereceu-lhe uma cadeira e um chá quente,
penalizada por ele estar sem agasalho. Exausta, pois não dormia há
várias noites, cochilou durante alguns instantes. Quando acordou,
percebeu que o velho havia desaparecido, levando o seu
bebê.
Desesperada,
ela saiu à procura do filho e encontrou uma mulher de roupas negras,
sentada sobre a neve. Chamava-se Noite e vira o velho, que era a Morte,
passar correndo com a criança nos braços. Contudo, disse que só
revelaria o rumo que tomaram se ela cantasse todas as canções de ninar
que conhecia. Como eram muitas, passou horas cantando, até que chegou à
última música. A Noite então lhe disse que fosse pela direita, onde
encontraria um bosque de abetos. Chorando, a mãe correu em direção ao
bosque escuro.
A mulher
conseguiu chegar, mas os caminhos se cruzaram e ela não soube mais qual
deles deveria seguir. De repente, encontrou um espinheiro sem folhas nem
flores, castigado pelo inverno. Ele disse ter visto a Morte passar com o
menino, mas só revelaria a direção se a mulher o aquecesse. Respirando
fundo, ela abraçou fortemente o espinheiro, apertando-o contra o corpo.
No mesmo momento, enquanto o sangue escorria-lhe pelo peito, o
espinheiro encheu-se de folhas verdes e de pequenas flores. Aquecido e
verdejante, ele indicou-lhe o rumo a seguir e a mãe correu à procura do
filho.
Sempre
apressada, a mulher viu que o caminho dava num lago, onde não havia
nenhuma embarcação. Ele havia começado a degelar e por isso era
impossível atravessá-lo. Abaixou-se, disposta a beber toda a água ali
existente. Sabia que era uma tarefa inútil, mas esperou que um milagre
acontecesse. O lago lhe disse que colecionava pérolas e seus olhos eram
as mais claras que já havia visto. Prometeu levá-la até a outra margem,
na casa da Morte, onde esta cuidava de árvores e de flores, que
representavam as pessoas. Em troca, queria que chorasse até seus olhos
caíssem. Ela chorou tanto que eles se transformaram em pérolas, caindo
no lago. Como combinado, num passe de mágica ela foi transportada para a
outra margem, onde existia uma casa enorme, que ela, por estar cega, não
podia ver. Como guardiã dos canteiros, havia uma coveira, vestida de
negro, que lhe disse: muitas
plantas morreram essa noite, e a Morte virá replantá-las. Como cada uma
representa uma pessoa diferente, o coração delas bate. Vá procurar o seu
filho. Talvez consiga reconhecer as batidas do coração dele. Em troca,
quero os seus lindos cabelos negros, pois os meus já estão brancos.
A mulher entregou-lhe os longos cabelos, e foi conduzida à morada da
Morte.
Lá havia
uma profusão de árvores, algumas altas e fortes, como as palmeiras, os
plátanos e os carvalhos. Outras eram pequenas ainda, carregadas de
flores. Existiam também plantinhas doentes, murchas, em pequenos vasos.
Cada planta tinha uma placa com um nome. A mãe examinou as menores,
tentando reconhecer as batidas do coração do menino, até que encontrou
um pequeno pé de açafrão muito doente, quase morto. Sentindo que era o
filho, começou a gritar, e a coveira recomendou-lhe que, quando a Morte
chegasse, não a deixasse arrancar a planta, ameaçando-a de arrancar a
planta vizinha. Nenhuma delas poderia ser tocada sem a permissão de Deus
e a Morte tinha que prestar contas de uma por uma.
"Como pôde
encontrar o caminho?", disse-lhe a Morte. "Sou mãe, Nosso Senhor me
ajudou". "Mas só faço o que ele deseja, obedeço as suas ordens. Sou a
sua jardineira, planto todas as sementes no jardim do paraíso, mas não
sei como crescem, isso não posso lhe dizer". "Devolva-me o meu filho, eu
lhe imploro! Se não o fizer, arrancarei as outras plantas, eu juro!".
"Não as toque! Quer fazer outra mãe infeliz, como você?". "Ah, não,
outra mãe, não", exclamou, desconsolada.
A Morte
entregou-lhe duas pérolas, dizendo aí estão os seus olhos. Tirei-os do
lago, pois brilhavam muito, e não sabia que eram seus. Vou lhe dizer o
nome das duas plantas que queria arrancar. Olhe para a água e verá o
futuro das duas pessoas. Com horror, viu no fundo do lago dois destinos
opostos: um, abençoado, só trazia alegria para todos que estavam à sua
volta; o outro era pura dor e tristeza. "Diga-me, Morte, qual é a flor
da felicidade e qual a do infortúnio?". "Não vou dizer. Apenas lhe conto
que uma é o seu filho, você viu a sorte de seu próprio filho". "Oh, não,
tenha compaixão. Salve o inocente! Leve-o para Deus, esqueça as minhas
súplicas!". "Não a compreendo, disse a Morte. Você quer o seu filho de
volta ou prefere que o leve para a terra que ninguém conhece?".
A mãe caiu
de joelhos, rogando a Deus que não ouvisse os seus pedidos, se fossem
contrários à Sua vontade. Prometeu-lhe abrir mão dos seus desejos,
entregando-lhe a vida do filho. A Morte pegou a criança nos braços e
levou-a para o seu reino. Uma grande paz inundou o cansado coração da
mãe.