Eu poderia ser Keith Jarrett
tocando em
cada vértebra
da sua coluna
ouvindo as notas
do seu
sussurro
implorando por
dó
dó
dó
eu
responderia
sem dó
sem sol
sem ré
em falsete
que foi
de lá
que compus
nosso instante.
Palavra desgraçada
Palavra desgraçada
me rasgou a boca
me
lascou o verso
e foi-se embora.
Palavra, quando voltar,
te
prego na cruz
de todos os meus demônios.
Me vingo, palavra
fugidia,
te fazendo ficar
nos versos mais tristes
que eu
souber produzir.
Catherina
Não entendo como pode haver tanta beleza
nesses olhos armadilha.
Olhos acesos,
como se adivinhassem um
tufão
que não existe.
Olhos d’água
que conhecem toda a dor
do mundo
e espocam em desassossego e mansidão.
Olhos cor de
aurora em seu começo.
Submersos despretensiosamente em
pretensão.
Olhos alfa
Olhos ninfa
Olhos alma
Apoio,
amparo, apelo
Olhos cegos,
muito além da alma.
Os olhos
doídos
como quem lamenta conservar-se menina
sem se dar conta
de que já se fez mulher.
Quero ganhar
Quero ganhar
palavras
ficar velha
delas
renovar
quero engolir
o sêmen
das
palavras.
romper
o hímen.
cair de quatro
sair da
moita
virar
anu
biguá —
vestida
de
silêncio
A chuva anda se
esquivando
A chuva anda se esquivando da minha
vidraça.
Só poeira enche as janelas:
tudo acontece a
distância
míope
tetraplégico
esquizofrênico
O vento
sopra, mas a partir de 45 centímetros
de distância
de
desprezo
de vingança?
a vida parece que esquece
de
mim.
Você dormindo é
reticências
Você dormindo é reticência,
e eu não
sei
onde cabem mais palavras:
se no seu sono
ou no meu
pensamento
quando te vejo dormir.
Não sei se cabem mais
versos:
nas reticências
ou nas suas pálpebras
quando
cedem
ao cansaço.
Não sei onde deixei
meu escaninho de
memórias
quando observo você
encorpado
de Três
Marias.
Eu também
eu também já fui
iniciação
de
pássaro.
também cantei
solenidades.
tantas,
tantas!
hoje sou de terra,
meu verso ainda
resiste.
mas meu canto
é um
lamento
triste.