Você sai pela vida à procura de um destino. Sai à procura da felicidade, que é uma palavra metida, que nunca diz direito o que é. Ela é feita de coisas tão diferentes como dinheiro e um grande amor. E de outras, tão simples quanto conhecer um lugar, fazer uma viagem de rio, banhar-se no mar pela primeira vez. Em alguns casos, ela parece que vai e vem, sendo representada nos dois sentidos opostos. Assim, acontece de um sujeito se dizer feliz porque casa e, depois, achar que a mais pura felicidade está em cair fora do casório e morar sozinho, fugindo do casamento como o diabo foge da cruz.

Tom Jobim, certa vez, me disse que o pensamento é burro. Como prova, mencionou que o cidadão comum faz planos tais como ter uma mulher que ama, uma casa e dois carros. E depois que consegue tudo isso, quer uma amante em outra casa e três carros. Em contrapartida, lembrei-lhe, brincando, que se o pensamento fosse tão burro, ele não teria conseguido formular essa teoria. Ao que o maestro respondeu com uma bronca tremenda, gritando, aos brados, que eu "havia lido alguns livros e pensava que sabia tudo!".

Foi, talvez, o maior vexame que passei em toda a minha vida. Nunca tinha visto o maestro tão exaltado e jamais o veria assim novamente, no futuro. O bar, que estava no auge do movimento, silenciou bruscamente e fiquei de cabeça baixa enquanto Tom, que havia se posto de pé, continuava a gritar, bufando a frase absurda. Vai ver que a felicidade para ele era propor uma doutrina perfeita para explicar a eterna busca, pelo homem, da felicidade. E ficou muito infeliz por a tese não ter se consagrado e, decepcionado, por eu ter tornado evidente que o pensamento não é tão burro assim. Ainda, por eu não ter precisado ler tantos livros para demonstrar isso. Ficamos brigados mais de ano, até que ele me pediu desculpas na tarde em que Maysa morreu. Mas isso é outra história. De todo modo, fiquei muito feliz com as pazes. E com a volta aos nossos longos papos, me senti absolvido. O que foi muito bom, pois, sem culpa, a gente sempre caminha melhor em direção à felicidade.

Quando se é criança, então, a felicidade tem muitos outros sentidos. Como não sabemos ainda que a vida não é eterna, não nos preocupamos em encontrar o que nos torne felizes por um grande período de tempo. E o contentamento passa a ser coisa de algumas horas, minutos, ou instantes pequeníssimos, que parecem até pensamentos. Eu mesmo tinha muitas maneiras de ser feliz, naquele tempo. E creio que a maior forma de felicidade que vivi acontecia nas Pedrinhas — um lugarejo pequeno, de cinco ou seis casas, terra natal de minha irmã de criação. Não sei quantas vezes estive por lá. Tenho certeza, apenas, de que foram pouquíssimas.

Na primeira manhã em que gozei essa sensação, fui levado na garupa de um cavalo para tomar banho num riacho límpido, cujo solo ao redor era coberto de pedregulhos mínimos e redondos. Diferentemente dos que existiam no lugar onde eu morava, que eram cheios de pontinhas cortantes, estes não machucavam a sola ainda fininha dos meus pés. Amoldavam-se, confortáveis, como se tivessem sido fabricados especialmente para que eu os pisasse. Bem à beira do córrego transparente, havia pedregulhos maiores, macios e lisos, que eu saboreava, apertando-os entre as mãos. Ainda hoje, fecho os olhos e sinto o tato confortável que transmitia uma energia diferente, que me enchia de um vigor até hoje difícil de explicar. A não ser que, deixando de lado alguma lógica exata, eu interprete aqueles momentos como sendo, apenas, o achamento singelo da mais pura, autêntica, e cada vez mais fugidia, felicidade.

 
dezembro, 2012