esfinge

 

o amor

não e apenas um nome

que anda por sobre a pele

 

um dia falo letra por letra

no outro calo fome por fome

é que a pele do teu nome

consome a flor da minha pele

 

cravado espinho na chaga

como marca cicatriz

eu sou ator ela esfinge

clarice/beatriz

 

assim vivemos cantando

fingindo que somos decentes

para esconder o sagrado

em nosso profanos segredos

 

se um dia falta coragem

a noite sobra do medo

 

na sombra da tatuagem

sinal enfim permanente

ficou pregando uma peça

em nosso passado presente

 

o nome tem seus mistérios

que se escondem sob panos

 

o sol e claro quando não chove

o sal e bom quando de leve

para adoçar desenganos

na língua na boca na neve

 

o mar que vai e vem

não tem volta

 

o amor é a coisa mais torta

que mora lá dentro de mim

teu céu da boca e a porta

onde o poema não tem fim

 

 

 

 

 

 

PoÉtica 9

 

eu sou drummundo

e me confundo

na matéria amorosa

posso estar

na fina flor da juventude

ou atitude

de uma rima primorosa

e até na pele/pedra

quando me invoco

e me desbundo

baratino

e então provoco

umbarafundo cabralino

e meto letra

no meu verso

estando prosa

e vou pro fundo

do mais fundo

o mais profundo

mineral

guimarães rosa

 

 

 

 

 

 

PoÉtica 8

 

o poema

não é apenas

um ajuntamento de palavras

metáfora lambendo

o sal em tuas pernas

mar em profusão de espumas

a praia nos chamando

para o coito

 

dezoito vezes

gozei ontem de amor e susto

com o leito transbordado

quando acordei em outra cama

e o poema

nem tinha começado

 

 

 

 

 

 

subVersão poética subVersão

ou atentado poÉtico para Jommard Muniz de Britto

 

duvido do poeta

que nunca amolou a língua

afiou a faca

atirou a pedra

saltou da ponte

para o outro lado da linguagem

 

duvido do poeta

que nunca escreveu uma sagaranagem

explodiu a fala

saltou para dentro do abismo

de qualquer palavra

no poço fundo da voragem

 

duvido do poeta

que nunca pensou uma fulinaimagem

nunca foi drummundo

nem mergulhou fundo

em algum corpoema

nunca quebrou a meta

 

com o coração selvagem

 

duvido do poeta

que nunca arrombou alguma porta

nem assaltou uma janela

que não entorta a linha reta

não sabe que coisa é ela

a arma branca do poeta

 

poeta que é poeta

não descreve situações

corta a verborragia dos versinhos

e só escreve subversões

 

 

 

 

 

 

A flor na tua boca

 

tudo o que quero

falo

tudo o que sinto

toco

no centro do teu centro

o foco

se tua língua

não me diz

espero

pode ser poema em linha reta

ou quem sabe

a vida em linha torta

como um poeta que deseja

a flor na tua boca

no instante

que tocar a tua porta

 

 

 

 

 

 

Fulinaimagem

 

1

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e a minha língua fosse

só furor dos canibais

e essa lua mansa fosse faca

a afiar os verso que ainda não fiz

e as brigas de amor que nunca quis

mesmo quando o projeto

aponta outra direção embaixo do nariz

e é mais concreto

que a argamassa do abstrato

 

por enquanto

vou te amar assim admirando o teu retrato

pensando a minha idade

e o que trago da cidade

embaixo as solas dos sapatos

 

 

2

 

o que trago embaixo as solas dos sapatos

bagana acesa sobra o cigarro é sarro

dentro do carro

ainda ouço jimmi hendrix quando quero

dancei bolero sampleAndo rock and roll

pra colher lírios há que se por o pé na lama

a seda pura foto síntese do papel

tem flor de lótus nos bordéis copacabana

procuro um mix da guitarra de santana

com os espinhos da rosa de Noel
 
 
 
 
 
 
 
 

natural orgia

 

fosse o que não diz ou se assim dissesse

toda palavra fala em minha língua cresce

fermento em algum tempero

como sentir teu cheiro e muito mais que isso

que não sei o nome e inda queima em brasa

nos lençóis de linho

fosse em sua cama ou em minha casa

ou até fosse mesmo em qualquer  cozinha

essa loucura minha passeando a noite

em um poeta teso mesmo fosse dia

fosse sol ou lua natural orgia

em tua boca nua esse poema preso

 

 

 

 

 

 

SagaraNagens Fulinaímicas

 

guima

meu mestre guima

em mil perdões

eu vos peço

por esta obra encarnada

na carne cabra da peste

da hygia ferreira bem casta

aqui nas bandas do leste

a fome de carne é madrasta

 

ave palavra profana

cabala que vos fazia

veredas em mais sagaranas

a morte em vidas severinas

tal qual antropofagia

teu grande serTão vou cumer

 

nem joão cabral severino

nem virgulino de matraca

nem meu padrinho de pia

me ensinou usar faca

ou da palavra o fazer

a ferramenta que afino

roubei do mestre drummundo

que o diabo giramundo

é o narciso do meu Ser

 

 

 

 

 

 

Pontal Foto Grafia

 

Aqui,

redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras — descobrimento

espinhas de peixe convento

cabrálias esperas

relento

escamas secas no prato

e um cheiro podre no

AR

 

caranguejos explodem mangues em pólvora

Ovo de Colombo quebrado

areia branca inferno livre

Rimbaud — África virgem

carne na cruz dos escombros

trapos balançam varais

telhados boiam nas ondas

tijolos afundando náufragos

último suspiro da bomba

na boca incerta da barra

esgoto fétido do mundo

grafando lentes na marra

imagens daqui saqueadas

Jerusalém pagã visitada

Atafona.Pontal.Grussaí

 

as crianças são testemunhas:

Jesus Cristo não passou por aqui

 

Miles Davis fisgou na agulha

Oscar no foco de palha

cobra de vidro sangue na fagulha

carne de peixe maracangalha

que mar eu bebo na telha

que a minha língua não tralha?

penúltima dose de pólvora

palmeira subindo a maralha

punhal trincheira na trilha

cortando o pano a navalha

fatal daqui Pernambuco

Atafona.Pontal.Grussaí

 

as crianças são testemunhas:

Mallarmè passou por aqui.

 

bebo teu fato em fogo

punhal na ova do bar

palhoças ao sol fevereiro

aluga-se teu brejo no mar

o preço nem Deus nem sabre

sementes de bagre no porto

a porca no sujo quintal

plástico de lixo nos mangues

que mar eu bebo afinal?

 

 

 

VeraCidade

 

por que trancar as portas

tentar proibir as entradas

se já habito os teus cinco sentidos

e as janelas estão escancaradas?

 

um beija-flor risca no espaço

algumas letras de um alfabeto grego

signo de comunicação indecifrável

eu tenho fome de terra

e esse asfalto sob a sola dos meus pés

agulha nos meus dedos

 

quando piso na Augusta

o poema dá um tapa na cara da Paulista

flutuar na zona do perigo

entre o real e o imaginário

João Guimarães Rosa Caio Prado Martins Fontes

um bacanal de ruas tortas

 

eu não sou flor que se cheire

nem mofo de língua morta

o correto deixei na cacomanga

matagal onde nasci

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

 

 

 

 

 

Jura Secreta 54

 

moro no teu mato dentro

não gosto de estar por fora

tudo que me pintar eu invento

como o beijo no teu corpo agora

 

desejo-te pelo menos enquanto resta

partícula mínima micro solar floresta

sendo animal da Mata Atlântica

quântico amor ou meta física

tudo o que em mim não há respostas

 

metáfora d'alquimim fugaz Brazílica

beijo-te a carne que te cobre os ossos

pele por pele pelas tuas costas

 

os bichos amam em comunhão na mata

como se fosse aquela hora exata

em que despes de mim o ser humano

do corpo rasgamos todo pano

e como um deus pagão pensamos sexo.

 

 

 

 

 

 

Baby Cadelinha

 

devemos não ter pressa

a lâmina acesa sob o esterco de Vênus

onde me perco mais me encontro menos

 

de tudo o que não sei

só fere mais quem menos sabe

sabre de mim baioneta estética

cortando os versos do teu descalabro

 

visto uma vaca triste como a tua cara

estrela cão gatilho morro:

a poesia é o salto de um vara

 

disse-me uma vez só quem não me disse

ferve o olho do tigre enquanto plasma

letal a veia no líquido do além

cavalo máquina meu coração quando engatilho

 

devemos não ter pressa

a lâmina acesa sob os demônios de Eros

onde minto mais porque não veros

 

fisto uma festa mais que tua vera

cadela pão meu filho forro:

a poesia é o auto de uma fera

 

devemos não ter pressa

a lâmina acesa sob os panos quem incesta?

perfume o odor final do melodrama

 

sobras de mim papel e resma

impressão letal dos meus dedos imprensados

misto uma merda amais que tua garra

panela estrada grão socorro:

a poesia é o fausto de uma farra
 
 
 
 
 
[imagens ©thresca]
 
 
 
 
 
 

Artur Gomes (Campos dos Goytacazes/RJ, 1948). Poeta. Ator. Produtor Cultural. Videomaker. Desde 1996, é presença marcante no Congresso Brasileiro de Poesia, realizado na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. Atualmente, dirige a Oficina Cine Vídeo no Instituto Federal Fluminense (IFF), coordena o Laboratório de Cinema no Campus Campos Centro e realiza o espetáculo poético Poesia In Concert. De 16 a 20 de abril de 2012, produziu e coordenou o 1° Festival Nacional de Cinema do IFF.  Autor dos livros Suor & Cio, Couro Cru & Carne Viva e Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas. Inéditos: SagaraNagens Fulinaímicas e Juras Secretas. Em 2002, lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia. Sua poesia  está disponível no Youtube nos seguintes canais: www.youtube.com/fulinaima | www.youtuve.com/carnavalha | www.youtube.com/tvfulinaima. E aqui: http://www.artur-gomes.blogspot.com.br.