Matilde

 

 

De joelho,

mais humilde

que um coelho,

mulher é Matilde!

 

Decúbito, tanto faz

dorsal ou abdominal,

pela frente ou por traz

Matilde é infernal!

 

De pé,

ela é que é

mulher!

 

Indo

ou vindo

Matilde me deixa sorrindo...

 

 

(maio, 2008)

 

 

 

 

 

 

Eu, poliedro seu

 

 

A você... Sou sempre dos outros!

 

 

Eu sou o que sou...

Sou o que sempre fui.

E serei sempre o que sou: eu.

 

Eu sou eu...

O meu pensamento sobre mim.

Sou objeto e sujeito do meu pensar.

 

Eu sou a minha consciência,

consciência de minha individualidade,

de minha própria existência.

 

Eu sou eu...

Um feixe de forças várias,

minhas identidades pessoais.

 

Eu sou eu...

Um ser em eterna construção,

morto e ainda não estarei pronto.

 

Eu sou o que sou...

Um ser imperfeito, mas com plena

consciência da perfeição.

 

Eu sou eu...

Mas, às vezes, sinto-me mais personagem

que ator nessa minha vida.

 

Eu sou o que sou: eu.

Um poliedro convexo,

mas em todos os meus lados sou sempre seu.

 

 

(8/12/1974)

 

 

 

 

 

 

Inesquecível  turma

 

 

A todos os Professores

 

 

Tive uma turma de aluno

Da qual o tempo gatuno

jamais há de me fazer esquecer,

tal a alegria no aprende,

 

tanta que foi mais do nunca

uma festa o ato de ensinar.

Essa turma da espelunca

aos altos tribunais será ímpar.

 

Cada turma, ao final do semestre, deixa uma dor!

É que com ela lá se vai mais um pedaço do professor

com cada um dos alunos, mas eles deixam marcas.

 

Parece que ensinei,

contudo mais aprendi.

Tive uma turma que jamais esquecerei.

 

 

(junho, 2005)

 

 

 

 

 

 

Mãe preta

 

Linda mãe preta!

De tão longe,

doce teta

dedicação de monge.

 

Linda mãe preta!

guardo tuas estórias e tua careta,

Se este mundo fosse meu

realizava tudo que ele te prometeu.

 

Mãe preta,

Nega espoleta:

jamais esqueci tua silhueta.

 

Nega Marieta,

minha mãe preta,

de longe te traz minha luneta.

 

 

(março, 2008)

 

 

 

 

 

 

Menino azul

 

Um dia no corredor de casa

vi um menino todo azul!

Ele era pouco maior que eu

Falou-me algo e desapareceu.

 

Esse menino azul

anda hoje comigo.

É meu amigo

e eu, seu abrigo.

 

Às vezes imagino

que esse menino

sou eu pequenino.

 

Às vezes cogito

se esse menino azul

não é meu espírito!

 

 

(dezembro, 2007)

 

 

 

 

 

 

Não matem mais jovens!

 

Mais um soldadinho morreu,

que pena!

Mais um jovem roubado ao amor do(s) seu(s).

que pena!

 

Quem detém tamanho poder

de decidir quem vai viver,

quem vai morrer ou

quem muito vai sofrer?

 

Qual guerra seria justa e legítima o suficiente

para ameaçar vidas tão preciosas quanto incipiente(s)?

Jovemcídio, geração lesada! Que dor minha gente!

 

Que os maduros que mandam e comandam possam ter compaixão!

Que se apiedem desse trecho melhor da vida humana, força da perpetuação

da espécie. Eis uma boa razão para que só os maduros sofram a triste convocação.

 

 

(abril, 2004)

 

 

 

 

 

 

Olha a feira!

 

Feira! Lugar de muita vida...

vida muita. Que beleza!

Comida tantas e para toda mesa.

Arte popular, beleza para ser vista e ouvida.

 

Feira do interior, feira da cidade...

História viva, direta descendência medieval.

A agitação, a vozeria da compra e venda.Que festividade!

é a vida toda passando nesse mercado informal.

 

Catrevage muita, desafio de mimoseios em pregão.

Arte mais viva não há não!

Bichos e roupas, alegrias e tristezas: economia em aulão.

 

Muita cor, variedade e novidade, até o bizarro...

Raízes que curam, roupa usada, e até cigarro!

Tudo passa nesse riachão chamado feira: da carroça ao carro!

 

 

(fevereiro, 1980)

 

 

 

 

 

 

Pivete

 

Morre o pivete

antes dos dezessete.

Nasce a vida bandida

cuja infância é perdida.

 

Favela, Favela!

Triste  mais que ela

só a riqueza que apela,

mas há de viver na cela.

 

Bandido admirado,

homicídio infantilizado.

Não há tempo: é o fundo do poço!

Nem dá para esperar  o almoço...

 

Criança e canivete,

Agora, fuzil e pivete.

Rimas que dão manchete,

Caos social em maquete...

 

 

(março, 2006)

 

 

 

 

 

 

Poética  cidadã

 

Na imaginação do poeta

o mundo é todo azul,

muitas crianças de bicicleta,

só alegria de norte a sul.

 

Na consciência do cidadão

o mundo é sofrimento e luta,

injustiça e exploração.

Para muitos é só labuta!

 

Mas é a veia poética

que agita o sangue da consciência política!

A inércia paralítica...

 

É que a arte remove

a apatia cívica e comove

corações e mentes e o homem se move...

 

 

(outubro, 1978)

 

 

 

 

 

 

Quando eu nasci

 

Quando eu vim para esta vida

desfilava uma linda Senhora,

sob lágrimas e aplausos do povo na avenida.

Marcou-me muito aquela tão forte hora.

 

Quando eu nasci era um dia

de tanta festa e muita cantoria.

O povo na rua em devoção seguia

a Santa, enquanto eu nascia...

 

Em outubro nasci,

em Belém cresci:

dias que nunca esqueci.

 

Nasci em outubro,

em dia nada delubro,

Dia de Nossa Senhora de Nazaré com cujo manto me cubro.

 

 

(outubro, 2005)

 

 

 

 

 

 

Rosa cálida, formigas pálidas

 

Um dia eu e meu filho

passeávamos num jardim

quando vi uma flor caída ao chão,

ainda chorava as dores da separação.

 

Era uma rosa caída,

morrida,

uma rosa cálida

velada por formigas pálidas.

 

Não resisti

Fiquei também a velar e a chorar

tanta beleza no fim

da rainha do jardim

 

Meu filho diz: Não adianta mais, pai,

há outras ali e mais belas, vai!

Fui, mas carreguei comigo a sensação

de que havia uma dívida de gratidão a pagar.

 

Tu não morreste, ó dama de vermelho,

trocaste tão-só de jardim:

uma beleza assim, não pode ter fim.

Leva contigo nossa emoção por tão gratuita beleza.

 

Estou indo meu filho, estou indo!

 

 

(setembro, 1993)

 

 

 

 

 

 

Tributo à Billie Holiday

 

Ó doce e sensual canto!

É de Billie Holiday tal encanto. Ela me faz invejar

Lester Young, pois, poder adormecer ao acalanto

dessa voz esculpida por Deus de modo ímpar

e lapidada pelas amarguras raciais e de amor, é carícia auditiva.

 

Se o jazz é música para fornicar,

Billie é um convite a tanto.

Lady Day do Harlem, ao cantar

é a quintessência do soul, o canto

da beleza sem esperança: pura emoção!

 

Eleanora Fagan, depois Billie: a gardênia que encanta

em cada lamento que derrama de seu infeliz e triste coração;

menina e mulher sempre humilhada, artista e negra segregada, decanta

de sua infeliz e sofrida condição humana, doces e estimulantes cantos tão

belos quanto amargos e nos quais ela nasce e morre e já por isso toca coração     

        e mente, senão de todos que a ouvem, pelo menos, daqueles mais sensíveis.

 

 

(17/07/1979, vinte anos da morte de Billie)

 

 

 

 

 

Luiz Otávio de Oliveira Amaral. Poeta e autor de três livros de poemas: Registros de minh'alma, Escuta-me e Só para você, todos pela Editora Nelpa/SP, 2009/2010. Advogado e professor, pós-graduado, na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília-UCB. Membro do Instituto dos Advogados do DF. Autor das obras: Relações de consumo (4 vol., 1982), 1982; O cidadão e consumidor (coautoria, 1984), Legislação do advogado (MJ, 1985) Comentários ao Código de Defesa do Consumidor (coautoria, Forense, 1992). Lutando pelo Direito (Consulex, 2002), Direito e segurança pública — juridicidade operacional (Consulex, 2003), Teoria geral do Direito (Forense, 1.ed./2004, 2.ed/2006, 3.ed, Saraiva, 2010), Teoria geral do Direito do Consumidor (Rev. dos Tribunais, 2010). Site pessoal: www.ensinandodireitoluizamaral.com.