Nascimento da Vênus em Xangai

 

ela e Erik

Satie aos saltos

e aos sátiros

pela sala como numa praia

pelas ilhas gregas

 

sei que sou apenas

o terceiro no ménage

e ela rindo-se ria

ria íris brilhante

cintilando entre sóis

sedentos luas lâmpadas

 

excitada acesa

minha presa é esta

mulher Vênus

que se abre em concha

novo animal marinho

minha contraparte

na espécie, eu terrestre

 

mulher verso

escandida pela pele

escreve-lhe entre as pernas

minha pena ereta

 

Enfim sós e ao fim só

resta o rabo

a descoberta da finitude

da sua recusa, enrabada

à totalidade

de sua reputação ilibada

 

lambida em minha boca

lavada em libações

beijada ao fundo do corpo

sorvida ao fundo do copo

 

uso o cu com afinco

à vulva finco-lhe firme

o ferro exato à fera

exangue em feromônios

 

e mesmo imprecisa fica

nossa geometria

de retas e curvas

permanece trilha

à noite finda

 

tangência de tensões

encontro de incongruências

abraço de relevos baixo/alto

plug-in/plug-out descontínuo

lugar momentâneo

 

este repouso de opostos

rastros de mitos de origens

divergentes tempos e espaços

histórias geografias quotidianos

espalhados entre os restos da festa

aquela festa de ontem

 

 

Xangai, dezembro de 2007.

 

 

 

 

 

 

Dialógico

 

incomunicáveis a mulher

e o homem entre

si e consigo

mesmos, bichos

de nove vidas

e muitas vezes

sete cabeças

mais vezes dois

ou duas

 

tanto mais apartam-se

a minha e a tua morada

e me desenrolas

o mesmo novelo de queixas

 

entre madeixas

ouço que deixas

cheiro o que vejo

vi o que quis:

 

um lugar entre gris

e anil, anelo em

odor anis e abaixo:

o anelzinho trêmulo 

dizem amor é azulzinho

 

então reparto e tomo

a bunda, farta fruta

como e gozo em dobro

e te desforras

 

e mais não falas

não sei se gostas

enquando desbasto

a relva rala e molho

a carne tenra

tua vermelha terra

entre as pernas

 

mas ora me acolhes

o falo é minha fala

e o entendes

 

 

Xangai, novembro de 2007.

  

 

 

 

[imagem ©liles raeford] 

 

 

 

 

 

Ricardo Primo Portugal é escritor e diplomata, graduado em Letras pela UFRGS. Está completando sete anos vivendo e trabalhando na China, primeiro em Pequim, depois em Xangai e, a partir de 2010, em Cantão (Guangzhou). Publicou DePassagens (Ameop, 2004), Arte do risco (SMCPA, 1992), entre outros. Foi coorganizador da edição bilíngue chinês-português Antologia poética de Mario Quintana (EDIPUCRS, 2007), primeiro livro de poeta brasileiro traduzido para o chinês, com o apoio do Consulado Geral do Brasil em Xangai. Em junho passado, saiu, pela UNESP, Poesia completa de Yu Xuanji, edição bilíngüe da obra da poetisa clássica chinesa (Dinastia Tang), com traduções suas, em parceria com a esposa, Tan Xiao, primeira obra completa de poeta daquele país editada no Brasil, traduzida diretamente do original chinês. [Clique aqui e saiba mais sobre o livro.]

 

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