rascunhos nas ruínas do templo

 

 

 

I

 

Esse andar de abracadabras

na noite de flagelos.

Para você

esconderei a adaga

antes que no pescoço do cordeiro

ela faça seu caminho.

Não tenhas medo.

Os seios que alimentam o mundo

são os mesmos

que atordoam

seus quereres.

 

 

 

 

 

 

II

 

Assim quando

foi girada a ampulheta

e congelei meu grito

no espelho.

A vida escorrida

no torso suado

do cavalo negro.

                                 Corro.

O vento açoita-me o rosto

as ferraduras reviram

lúpulos e pedras

— mesmo assim, nada vejo.

Os grãos da ampulheta

deslizam na madrugada eterna

— agarro-me nas crinas

os galopes atravessando uma sucessão de Eras.

                                 Morro.

 

 

 

 

 

 

III

 

As horas pesadas

batem batem batem

numa bigorna

de sexo e dor.

Essas lâminas saem curvas

e amoldam

todas as Verônicas e Salomés.

Sou a anônima enfim liberta.

Não escrevo mais para ti

ou para outrem.

Escrevo para o Gozo

      ou para mim.

Eis-me mais que nua

     mais que falanges

     mais que um futuro cadáver ao sol.

Eis-me íons

      sêmen

      plasma.

                                 fim

 

 

 

 

 

 

IV

 

O que restou?

Resta-me agitar meus guizos

e rir de nós?

Não há claro-escuro

sombra-luz

sim-não

— porque eu diluí

na lucidez acre

todos os perfis e todas as respostas.

E,  porque:

uma chuva de semânticas

e adjetivos

não transformam em éden

este deserto.

Já não me restam nem restos

para sorrir.

A eterna ilusão escatológica

                que é viver.

 

 

 

 

 

 

V

 

Aqui os derradeiros momentos

dos nossos apocalipses:

as bocas que entredevoram o medo

as carnes suadas nas carícias de beijos.

Quis teu corpo.

As palavras que, sei,

nunca irá dizer.

O chulo escondido nos sorrisos

a devassidão que não viverá.

Sou a puta que entregou-se aos homens

no templo da deusa

e que recolheu os óbolos

para as profecias.

Sou livre. E meu Destino sou eu mesma.

E tu, desejado no mezzo minuto

que passou

cumpre assim a sina dos fracos.

Ser alimento das piras

e arder na covardia.

 

 

[Seleção de poemas do livro Delivrário de amor e morte — opus nefandus]

 

 

 

[fonte "paperfont", desenhada por

ipsum planet para a revista Neo 2]

 

 

   

 

Semíramis. Um dos dois heterônimos do poeta Raimundo de Moraes, jornalista e publicitário, coeditor do portal literário Interpoética. Os dois heterônimos estarão reunidos no livro Tríade, a ser lançado no segundo semestre de 2010, através de projeto aprovado pela Fundarpe — Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.