©paulo porpeta
 
 
 
 
 

 

 

Marcelo Mirisola sobreviveu ao rótulo de escritor transgressor dos anos 90. Ele já não é mais e nunca quis ser o novo Bukowski. Ele quis apenas destilar seu veneno, suas porradas e até a sua — pasmem! — doçura numa obra vigorosa e consistente. Depois de mais de dez anos da publicação do seu primeiro livro, Fátima fez os Pés para Mostrar na Choperia, Mirisola acaba de finalizar o seu romance Charque, que será publicado pela editora Barcarolla no segundo semestre de 2010. A respeito de Charque, o escritor declara: "Acho que é a melhor coisa que fiz até hoje, e que merece umas férias". Nesta entrevista, Mirisola continua direto e cortante, pra não dizer, curto e grosso. Não importa. Marcelo não faz concessões, mas é modesto quando afirma: "Me sinto um fox paulistinha da literatura". [Paulo Mohylovski]

 

 

 

 

 

Paulo Mohylovski - Já foi dito num desses muitos estudos de literatura pelo mundo afora que muitos livros foram escritos com ódio e me lembro que um dos livros citados foi Um Diabo no Paraíso, do Henry Miller. Você também escreve impulsionado pelo ódio?

 

Marcelo Mirisola -  O ódio é apenas mais um recurso, entre tantos. De certo modo, quando o encaro dessa maneira, me esvazio do sentimento propriamente dito. A mesma coisa vale para o amor.

 

 

PM - Você é "acusado" de fazer um texto escatológico e violento — como se a sociedade não fosse assim, algo que está mais para um covil de lobos do que para ovelhas. Afinal, você é um espelho dessa sociedade violenta e suja ou você também tem um certo grau de violência dentro de si mesmo, que precisa extravasar através da escrita?

 

MM -  Vale o mesmo raciocínio da questão anterior. Sou apenas um cara distanciado, se não fosse assim, eu estaria fazendo companhia ao Fernandinho Beira-Mar no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes.

 

 

PM - Mesmo com um texto contundente, você tem humor e um certo deboche. Qual é a função do humor no seu texto? Catarse? Riso nervoso? Ou é mesmo simples deboche?

 

MM -  A mesma função do ódio.

 

 

PM - Num primeiro momento, você foi comparado ao Bukowski. Aliás, não se pode mais escrever em primeira pessoa — muito menos se embebedar em primeira pessoa — sem ser comparado ao Bukowski. Agora que já tem uma voz própria: você teve mesmo uma influência forte do Bukowski ou a comparação é equivocada?

 

MM - Escrevi um livro chamado Bangalô, para "provar" (como se precisasse...) que não tenho nada a ver com Bukowski. Gosto muito dos livros dele, e é só. Influência zero.

 

 

PM - No século vinte, houve uma explosão da primeira pessoa nos textos. Voltando a citar Henry Miller, já disseram que foi ele quem inventou a primeira pessoa no século vinte. E hoje, quando todo mundo escreve em primeira pessoa, ainda é válido escrever assim ou temos que partir para uma outra coisa? E você pratica mesmo a autoficção, como está na Wikipédia, ou é autobiografia mesmo?

 

MM - Esse "temos" que você usou na pergunta, responde à questão. Trata-se de um problema dos outros, eu já resolvi isso. Que, aliás, nunca foi um "problema" para mim. Simplesmente, porque acho chato escrever e ler em qualquer outra pessoa diferente da primeira do singular.

 

 

PM - Eu me lembro que uma atriz, amiga sua, disse na TV que você era muito doce, até como maneira de atenuar a sua imagem de escritor violento, agressivo. Eu não vejo contradição entre ser violento e doce, pois podemos ser ambas as coisas ao mesmo tempo. Você pessoalmente se acha violento? Por que essa doçura não se reflete nos seus textos? E se reflete em quais deles?

 

MM -  Já respondi. Questões 1 e 2.

 

 

PM - Qual é a postura do escritor diante da vida e da sociedade: lançar um olhar generoso como fez Steinbeck ou uma visão ácida, como fazem tantos outros escritores?

 

MM - Principalmente não se omitir. Tanto faz se ele distribui beijinhos ou porradas.

 

 

PM - Nenhum escritor nasce de geração espontânea; ele pertence a uma linhagem, a uma tradição, mesmo que depois venha superar ou antagonizar esta mesma tradição. Então, a qual tradição da literatura brasileira você pertence? Qual seria a sua linhagem? E Machado de Assis, há algo em comum entre a sua literatura e a dele?

 

MM -  Me sinto um fox paulistinha respondendo a essa pergunta. Como se eu devesse satisfações a meu pedigree. Inclua todos os autores confessionais que não se omitiram em sua lista, porque não estou com saco de ir à minha biblioteca. Com relação a Machado de Assis, acho que ele era um José Dias disfarçado de Bentinho Santiago. Ou seja: um agregado embromador de primeira linha, além de corno incompetente e confesso. Felizmente, Sandór Marai escreveu As Brasas e preencheu — a pedido do próprio Machadão — suas lacunas.

 

 

PM - Apesar da aparente simplicidade, a crônica, quando bem realizada, é um gênero difícil de ser praticado. Como entra a crônica dentro da sua literatura? É mesmo para ganhar algum dinheiro como você disse numa entrevista?

 

MM - Acredito que se trata de um gênero menor, cujo maior expoente — percebe a ligação? — era e continuará sendo o velho Machadão de Assis. Depois, Nelson Rodrigues e Carlinhos Oliveira. Escrevo crônicas apenas para ganhar uns trocos, e distribuir umas porradas e um beijinhos. Nada de mais.

 

 

PM - Você faz citações de pessoas no seu texto que vão de Nelson Rodrigues a Sergio Mallandro. Faz referências à televisão, música, etc. Sem querer rotular uma literatura que não tem rótulos, a sua pertenceria ao gênero "literatura pop"?

 

 MM -  Pop é a Luciana Gimenez. Aliás, Superpop.

 

 

PM - Nos seus contos, o estilo é alucinante, quase uma colagem, uma verdadeira cacofonia de ritmos, imagens e impressões. É um fluxo de palavras aparentemente anárquico (ou de uma outra ordem) ou há um roteiro prévio, mesmo que seja um roteiro mental?

 

MM - Não tem nada de anárquico nem de alucinante, muito menos de alucinógeno, existe uma lógica muito particular. Fluxo ou é coisa de preguiçoso ou de livro psicografado, eu trabalho muito nos meus textos. 

 

 

junho, 2010
 
 
 
 
Marcelo Mirisola (São Paulo/SP, 1966). Bacharel em Direito, não exerce a profissão. Publicou Fátima fez os pés para mostrar na choperia (São Paulo: Estação Liberdade, 1998 [2ed. 2006]), O herói devolvido (São Paulo: Editora 34, 2000), O azul do filho morto (São Paulo: Editora 34, 2002), Bangalô (São Paulo: Editora 34, 2003), O Banquete (As gostosas de Caco Galhardo revisitadas por Marcelo Mirisola. São Paulo: Barracuda, 2003), Notas da arrebentação (São Paulo: Editora 34, 2005), Joana a contragosto (Rio de Janeiro: Record, 2005), O homem da quitinete de marfim (Rio de Janeiro: Record, 2007), Proibidão (São Paulo: Amauta, 2008), Animais em extinção (Rio de Janeiro: Record, 2008), Memórias da sauna finlandesa (São Paulo: Editora 34, 2010). Participou das antologias Geração 90: manuscritos de computador (2001), Geração 90: os transgressores (2003), organizadas por Nelson de Oliveira (São Paulo: Boitempo Editorial) e Putas, lançada em Portugal pela Quasi Edições (2002). Possui contos publicados em diversos jornais e revistas do país.
 
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Paulo Mohylovski (São Paulo/SP, 1972). Redator, escreve para diversos sites. Vive em São Paulo.