HOMEM-CASTELO

 

retrato do homem (não do artista) quando jovem

e realmente menos jovem (bem-avindo de alterações sociais e estatutárias)

 

eu

sempre eu

perdi

noção do ridículo

nestes trilhos que a vida (que desconheço ser estúpida) me cavou na cara

importante

sou e tenho

poder emprego

garantido uma boa

situação e isto não é

anúncio de jornal o meu

lema é faz o que eu digo não faças o que eu faço

falho no resto não quero pensar

no resto                          tortura-me

está além                                muito além

da minha                                      inteligência

emocional                                         sensibilidade

pernilongo                                              (de)mente alta

cá continuo                                                    encartado no

sapato do formalismo                                                          da falta de vergonha

 

 

óbvio?! legitimado por cânones vigentes conforme conveniências sempre há alguém a quem despudor é útil assim se criam nuvens a apropositar conduta da mulher que abre a porta à procura de A e não cumprimenta B único ser sim ser presente na divisão   acolhe no regaço torpor das afeições filharam queixas "fui picado por mosquito ninguém nos prevenira de que mosquitos picam" "na brochura areia era amarelada na realidade mostrou-se branca" "na brochura deveria estar indicado que as lojas locais não vendem certo tipo de biscoitos"   louvaminha homens que nunca estão e só conhecem centelhas de formal altura   destila reverência dourando mortos velhos venera respectivos fantasmas   só atende estatutos normas da convenção de castelos com hora marcada por degrau ora ausente no supermercado em que aprendiz do homem-castelo atende telemóvel enquanto faz serviço de caixa

 

 

 

 

 

 

DESCASQUE

 

caixa de correio electrónico

lâminas

avatar de clavas para dia-a-dia

 

varejar outros para reunião

enquanto os debulhamos

barra FÓSFORO dá conta das suas actividades

mimo de julgar

se sua presença é obrigatória ou facultativa

 

nestes campos sempre se pode deitar chuva

propostas enviadas por mail

magna indulgência

podem aceitar

declinar

propor novo tempo tudo devidamente enquadrado por caixa de diálogo possibilitando redigir comentário à resposta anotar mensagens

como se de código civil se tratasse

 

 

 

 

 

 

CURA

 

sei de país a norte no qual "estupidez assimilada" é comum

sandices locais retomadas (e logo com maior intensidade) por aqueles que para lá

                                                                                              emigram

deméter do restaurante e da simpatia absolutamente esgotada na gorjeta     prova sobrenatural em novo betel   escada descida à terra?

espanhola primeira vez falante de espanhol a seguir interpelada na mesma língua responde em francês     instinto purificador não sendo eu leproso   água das máquinas para sete aspersões?

pedro do meu país no café modos pedra como não vejo no meu país     sacerdote ou

                                                                                              levita?

casal ao qual se pode desejar bom apetite jamais bom proveito     têm frio?

lojista que fora do comércio não gasta cumprimentos     complexo por não vender flor de farinha? falta de incenso?

senhor doutor e doutor de doutor que saúdo assim exercitando teatro     pretende lutar?

face a tanto óleo azeites não seria de chamar bruxa da arruda?

não lia ela no azeite para tratar mau-olhado!?

sementes de abóbora não são vermicidas!?

 

 

 

 

 

 

DESEJO NEGRO

 

Entrada na olaria

logo se multiplicou

Rasgava vale quando

mãos estentóreas

agitou cristal

Fora adentro se renovou

açulou veia jugular

em terreno visto crestadura

Sétimo halo

embebido a vapores da forma

pergunta o que é suicídio

se nem sequer conta presença

proximidade

corda desfeita de anos e crianças

E vê-la

que continuava

reflectia por outros olhos

predicado de sujeitos a vir

 

 

 

 

 

UMA TESE LIBERAL

 

resgata fábula das abelhas

 

quando leio crise

suas folgas

desregulação

noutra página desaparecimento das abelhas

agrupo sentidos

grandes vácuos fermentam

pedra vincular dos efeitos

 

 

 

 

 

CARRO DE GELADOS

 

rebuços orbívagos em música clássica

anunciam partituras de gelados e gofres

como margens das claves suscitando

denegando horas mágicas: mortos imitam vivos

mas vivos de quartos gorados

daquele estar assente do sendo

 

assim se configura direito potestativo

executado sobre fio policromático

verdadeira extensão alojada em bragas

 

a sujeição faz-se e sucede nos graus:

polenta dura de veneza interrompida

auréola versando sobre quem fingiu não conhecer

e o próprio frio solícito desembaciando glaciares

 

 

 

 

 

 

[imagem ©ribhu dey]

 

 
 
 
Paulo Pego nasceu em 1967, em Barcelos (Portugal). É Doutor em  Direito, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra  e Jurista-Linguista do Conselho da União Europeia, em Bruxelas. Publicou vários livros e artigos jurídicos. É membro da Oficina de  Poesia da Universidade de Coimbra e do Grupo Poético de Aveiro; em  Bruxelas, pertence ao Círculo Literário da União Europeia e ao "Grenier  Jane Tony". Integra o Conselho Editorial das revistas Sibila e Oficina de Poesia — revista da palavra e da imagem. Publicou poemas  em Portugal, no Brasil, na Bélgica e na Ucrânia; entre esses poemas,  alguns estão traduzidos em francês, inglês e russo. O seu livro de  poesia À Senoite data de 2009. Em 2010, obteve uma Menção Honrosa na  14ª edição do concurso literário "Dar Voz à Poesia". No mesmo ano,  beneficiou do programa "Artistas em Residência" promovido pelo  Município de Idanha a Nova. Em outubro de 2010, participou no Festival Mundial de Poesia "A lira emigrada", que teve lugar em Bruxelas. Ator  de teatro, participa desde dezembro de 2009 em ateliê da "Maison de la création" de Laeken (Bruxelas).