O livro Arquivos de Criação: arte e curadoria (Vinhedo/SP: Horizonte, 2010, 240 págs., R$ 48,00), da professora, pesquisadora, escritora e curadora do Itaú Cultural Cecilia de Almeida Salles, reúne um roteiro — um mix de 13 ensaios, mais para artigos e estudos — de vários campos artísticos e literários. Traça um panorama rico de situações vividas na fertilidade das contemporaneidades. Ao mesmo tempo em que reflete universos distintos da criação, em diferentes percursos e suportes, encontra a especificidade necessária imersa num projeto amplo e bem acabado. Com uma grande vantagem: contextualizam os estudos, privilegia o percurso da construção (uso de diários, anotações, cadernos, sites, etc.) e conserva um diálogo sutil, em última analise, com Fayga Ostrower, falecida em 2001, autora do lendário Criatividade e Processos de Criação.

 

A metodologia, ampliação das teorias acessadas, para evitar excessos e referências à crítica genética (ao mesmo tempo engloba esta teoria), vai além a propor críticas sintomáticas às pesquisas sobre os caminhos pelos quais os processos de criação tomaram. São também escritos dirigidos (dentro do arcabouço e repertórios cada vez mais amplo de informações na atualidade) que abrem um leque vasto naquilo que pode/poderia ser visto como uma obra e possíveis conceitos de inacabamento, ou seja, algo que pode/poderia também ser modificado pela leitura e uma estética que alimenta veementemente uma obra (tanto o livro em si quanto as obras analisadas) em contínua construção ou re-significação. A intertextualidade como uma percepção transformadora vai ao cerne com a pergunta necessária que a autora sempre desenvolveu em outras pesquisas, aulas e participações em encontros e seminários: "Como você chegou a este estudo?". A metodologia do livro decorre em grande parte desta questão essencial.

 

Em se tratando de uma curadoria em si, observo que é importante estabelecer diálogos pertinentes com o artista. Escolhas, leituras, reflexões, montagem e certas pontuações necessárias. Parece simples, mas não é! Parece difícil, mas não é! O caminho do meio é a criatividade e interconexões que possibilitam a contemplação (ainda acredito nesta palavra/atitude para qualquer tipo de manifestação artística) com maior intimidade, entendimento, consistência e fruição. E isto vale não somente para as artes plásticas. Também para a literatura. Englobando no foco das narratibilidades das individualidades, como observa acertadamente a autora, que "se dá em vários níveis: dos artistas estudados, do curador e do pesquisador". O foco mediador carrega as marcas da percepção transformadora não por coincidências, muito menos pelo contato direto, mas pela abordagem e desdobramentos conseqüentes sobre as questões fundamentais da autoria, autenticidade e identidade.

 

Desde o projeto literário de Luiz Ruffato, o diálogo entre palavras e imagens de Ignácio Loyola Brandão e Daniel Senise, Tomie Ohtake, criações cinematográficas, a própria arte contemporânea e a sua crítica (dos processos criativos), modos de percepção em Paul Klee e Alberto Giacometti, dentre outras seções do exemplar, chama a atenção no capítulo curadoria de processo, uma observação de Cecilia de Almeida Salles que olhares atentos para muitos na era da internet: "Continuando na tentativa de propor outras possibilidades de curadoria de processo, volto ao ambiente da web. No caso do blog, houve o aproveitamento de arquivos virtuais já existentes, mas pode-se pensar também na criação de banco de dados de documentação de processo de um artista, por exemplo. O estudo crítico chegaria a algumas das questões que caracterizam a singularização desse processo (assim como os aqui apresentados). As generalizações sobre esse processo se converteriam em links, que estabeleceriam conexões entre os documentos. Seria um banco de dados, cuja acessibilidade propiciaria a compreensão desse pensamento em criação. Essa proposta pode ser ampliada em duas direções: o número de arquivos digitais dos artistas (ou grupo de artistas) e os links teóricos responsáveis pelas interconexões. A ampliação viabilizaria o desenvolvimento de um ambiente digital colaborativo para a discussão das redes de criação".

 

O livro percorre caminhos de modo sólido, embora Arquivos de Criação seja feito para um universo mais acadêmico e específico. Para ser lido e estudado. Traz reflexões importantes sobre o patrimônio imaginário e acrescenta uma claridade em rede de criação nas estações dos trópicos, em pleno começo do século 21. Para nós brasileiros, um tempo que parece ser bastante promissor no campo da estética.

 

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O livro: Cecilia de Almeida Salles. Arquivos de criação: arte e curadoria.

Vinhedo/SP: Horizonte, 2010, 240 págs., R$ 48,00

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dezembro, 2010

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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