Eu nunca falei que queria dinheiro. Me compra uma lata de leite?

 

A fala soava gasta e contrastava com a boca tão jovem daquela menina, num script que não reverenciava em nada a famosa vaca sagrada. Ele se viu surpreso: fornecer leite aos nativos era algo quase religioso, e ele não havia pensado em si como um novo guru. Naquele quarto barato, sem janelas e com paredes encardidas, a indianazinha talvez só pudesse enxergar na pele branca dele — desnuda, europeia e cristã — a própria pureza do leite.

 

O nome dela começava com P, ele sabia, pois havia perguntado antes de despi-la. Puna, Priyanka, Prita, algum desses nomes indianos, que ele nunca memorizava. Sendo alta e um tanto envelhecida pelo ofício, P aparentava mais do que os 15 anos que dizia ter. A idade dela foi um empecilho nos primeiros minutos. Nórdico, casado, 42 anos e sem nome declarado — como convém nesses casos — nunca se imaginara aproveitando sexualmente de adolescentes pobres. Seu emprego o mandava a países distantes, mas até então só havia se aventurado com uma jovem sul-coreana, maior de idade. O caso em nada se assemelhava a esse.

 

Percebeu que, com aquela menina, tentava redimir-se do seu próprio fracasso familiar como filho, esposo e pai. Crianças indianas ainda eram obrigadas a casar-se em remotas aldeias, meninas de dez anos em altares religiosos com velhos asquerosos, infantes vendidos pelos pais a cafetões de Mumbai, forçados a trabalhar num regime de escravidão sexual horrendo, presos em cubículos gosmentos. Como P não pedira dinheiro, ele acreditou que era uma trabalhadora livre, talvez uma mãe adolescente lutando para alimentar o filho, e essa crença o tranquilizou profundamente.

 

Enquanto se vestia, P revelou-se mais esguia do que a maioria das jovenzinhas indianas. Tinha pernas longas, não era de pele tão escura e o cabelo era mais crespo, indecifrável. Destacava-se no meio dos pedintes, uma princesa deposta, quase afegã. Seu andar magro se dava na ponta dos pés, como essas meninas-deusas kumaris do Nepal, que nunca tocam o chão fora dos templos aos quais são confinadas. Como acontece com todas as crianças indianas, ela tinha aquele sorriso branco estampado, que a miséria nem de longe maculava.

 

Os lábios dela exibiam rigidez juvenil e textura intensa, típicas da idade — e em sua mente ele não conseguiu evitar o surrado clichê da fruta exótica. Poderia ter se contentado somente com aqueles beijos, se enxergado como um adolescente feliz, mas a sua porção masculina exigiu mais e ele não soube negar. Foi incapaz de romantizar uma situação em que ambos corriam tantos riscos.

 

De volta às ruas, a garota o guiou por vielas próximas ao pardieiro onde recebia seus clientes. Uma pequena tenda de madeira vendia alimentos. As latas de leite em pó eram sólidas, pareciam pesadas. Constrangido, ele pagou rapidamente ao vendedor.

 

P sumiu na multidão. Ela havia se transformado agora em seis latas de metal que imploravam pela ajuda daqueles tentaculares deuses hindus. Àquela garota, entretanto, só dois braços eram permitidos.

 

 

Nota: A prostituição infantil na Índia é um problema crescente, principalmente nas grandes cidades. A ONG Sonrisas de Bombay [https://www.sonrisasdebombay.org]  já salvou mais de 2 mil crianças, entre órfãos, leprosos, mendicantes e vítimas de abuso sexual, oferecendo abrigo, alimentação e formação escolar.

 

 

 

 

março, 2010