Em decúbito dorsal, a mulher movia ritmadamente os quadris, repuxando os cabelos do parceiro, que tinha a cabeça metida entre suas coxas. De repente, da TV ligada jorrou a ouverture instrumental do hino nacional brasileiro. Era o encerramento da programação.

Aos vinte compassos da primeira parte, ela desatou numa gargalhada:

— Para, menino, para! Ouvindo o hino nacional eu não consigo!

Dando risadinhas curtas, ela acendeu um cigarro e relaxou.

— A senhora quer que eu vou embora?

— Que eu embora — ela corrigiu.

— É. Isso. Quer?

— Você já quer ir embora?

— Não, tô muito bem aqui na cama da senhora.

— Por que você continua me chamando de senhora?

— Eu respeito muito a senhora.

— Me faz sentir velha.

— A senhora não é velha. A senhora é uma mulher madura e gostosa.

— Engraçado isso: me chamar de senhora e de "gostosa" na mesma frase.

— Me dá tesão te chamar de senhora quando chupo os peitos da senhora, aliso as coxas da senhora, beijo essa bunda maravilhosa da senhora.

— Você é muito sabido pra sua idade. Sabe tratar uma mulher com respeito.

Pouco depois, a TV emitiu um zumbido eletrônico, fora do ar. Ela apagou o cigarro, agarrou o rapaz pelos cabelos e o levou direto ao ponto.

— Sabe o que eu acho? — ela chiou e riu ao mesmo tempo.— Que agora, ai, o "virundum" é o nosso tema, hum, é a nossa canção, ai, assim, ai, não para, não para, não para.

 

 

março, 2010

 
 
 
 

Luiz Roberto Guedes. Poeta, escritor e tradutor, nasceu e sobrevive em São Paulo. Publicou, entre outros, Calendário lunático — erotografia de Ana K (Ciência do Acidente, 2000), a novela O mamaluco voador (Travessa dos Editores, 2006), e organizou a obra Paixão por Sâo Paulo — antologia poética paulistana (Terceiro Nome, 2004). Prepara o lançamento de Alguém para amar no fim de semana (contos, Annablume/Demônio Negro).

 

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