Dona Joana faz bolos de aniversário à moda antiga do glacê e do suspiro em forma de coroa. Recheio de doce de leite e ameixa. Cobra barato o quilo para ganhar com os salgados e brigadeiros. Deixa a neta raspar a panela se ajudar a enrolar os docinhos. Usa caldo de galinha no rissole de carne e diz para filha mais velha não espirrar sobre a massa, não cresce. Só aceita encomendas de segunda à quinta, para entrega em até quarenta e oito horas. Faz dois bolos para caridade por semestre, por conta de uma promessa feita a Santa Ana em agradecimento ao fato de só ter perdido um dedo no acidente com a batedeira semi-industrial que comprou em vinte e quatro prestações no cheque quando as coisas começaram a dar certo, graças a Deus. E pelo membro amputado não ter feito mal aos convidados do cliente.

 

 

 

 

 

 

Nada depende de mim. Carregado pra cá, pra lá. Quem quer saber onde eu realmente quero ir? O que adiantava saber, se só eu não vou. As pernas já não obedecem e os braços não giram maçanetas lisas. Os banhos não são mais um momento de solidão e contemplação onde a água caía sobre minhas costas enquanto eu pensava em desejos. Agora são somente o momento de lavar, a limpeza do corpo para espantar o cheiro podre. Eu não lembro quando isso tudo começou, quando deixei de ir e vir. Mas sei onde isso vai terminar e não faz diferença. O que faz é o quando. Até quando? Não aguento mais não ser entendido nos meus muxoxos e mesmo quando sou um olhar de piedade é a resposta a uma afirmação mais otimista. Não é mais permitido a mim ser otimista. Olho para o teto durante horas até que alguém me vire e eu possa olhar para a televisão. Eu vejo um homem que corre em direção de uma moça, na chuva. Eu beijo a moça e logo estou fazendo amor com ela. No chuveiro. Então sinto um calor entre minhas pernas, é hora de trocar a fralda.

 

 

 

 

 

 

Yolanda não conhece a música que dá origem a seu nome. Nunca ouviu falar, Yolanda não dança. Não usa computador e não come doces industrializados. Vai ao culto evangélico, estuda massoterapia e acredita secretamente em alienígenas. Espera que um dia Jesus venha do céu para buscar os salvos, grupo onde ela se inclui. Salvará sua alma e a isentará de pagar as prestações da televisão. Mas Yolanda se conformaria se no lugar de Cristo aparecesse Kyron-707, morador do planeta Z-878, onde todos os machos têm três pênis e não sabem falar.

 

 

 

 

 

[imagem @mel toledo | fonte "legotype", desenhada

por francisco anguís para a revista Neo 2]

 

 

 

 

 
 
Claudio Brites é professor e editor. Nasceu em São Paulo, capital, em 1983. É formado em Letras e mestrando em linguística. Tem vários contos publicados e organizou alguns livros, entre eles Cartas do fim do mundo (São Paulo: Terracota, 2009), que conta com a participação de Moacyr Scliar, Raimundo Carrero, Márcio Souza, Marcelino Freire, entre outros. Coordena o curso Prática de Criação Literária com Nelson de Oliveira, no Espaço Terracota e na Universidade Cruzeiro do Sul. Escreve o blogue Hipocentro e o blogue da Terracota