ÉDIPO

Cercou-se de silêncio e mansamente

reina sobre aquilo que sonhou.

Erros seus, má fortuna, amor ardente —

nada lhe mostrou que era a hora.

Errou sua fortuna e só agora

a treva lhe ilumina o amor silente.

 

O olhar vazio é tudo quanto tem.

Entre ser e não ser, nada lhe resta

senão dois pássaros azuis

                                  ruflando

as asas no oco outrora habitado

por olhos que giravam no espanto

de ver o que não viam, mais além.

 

Pássaros azuis, erros seus, mais nada —

espessa escuridão lambendo a alma

guardada em si mesma: erros seus e calma.

No crânio abandonado as asas batem

(má fortuna) e afugentam para sempre

a luz e a treva de um amor ardente.

 

 

 

 

 

 

CAVALO ALADO

 

Foi como ervas e arrancaram-no.

Hoje pasta absorto em campo sombrio

(perdido voo, exílio nefasto) e

lambe cicatrizes de ferida nenhuma.

 

Às vezes relincha, reclina

o dorso à procura de um rasto,

resto de fome clandestina,

mas não rasteja : ergue a fronte

e sopra dardos de fogo no horizonte.

 

O pouco do nada que lhe coube

é muito. O peito chora sem lágrimas

enquanto a cauda e a mansa crina

ondulam (brisa leve, pranto

alheio), rolando nas dunas

e nas ervas que foi, entre urzes.

 

Arrancaram-no mal raiou a madrugada.

Hoje pasta absorto entre sombras

alimenta-se da noite e sabe

que eterno dura. Mais nada.

 

 

 

 

 

 

AR/AROMA

 

A sombresparsa noite de dálias decepadas

denuncia o cálido perfume oculto

nas dobras do lençol amarfanhado.

Na cama vazia de ruído ou vulto,

o silêncio adensa a sombrespessa.

          (A noite é um insulto.)

 

Noite de sombra, inútil perfume alado.

Já não retine a nítida campânula

de lírios e receios e o monocórdio coração

anula a memória de amar como um pêndulo,

amor amaro, aroma pluridesplumado

          (O amor é uma flâmula.)

        

Amor: um quase nada a tremular

a chama cheia de gnomos e arpejos

que num assomo explode e vira maremoto

e se arrasta e grava a auriflama do desejo

na pele vazia do mar de coisa nenhuma.

          (Vício e tatuagem.)

 

Emblema: o quarto é uma fornalha quase

branca de tão rubra mas um ponto negro

cresce e se avoluma e a noite insultuosa adentra

o peito de quem ama e a chama se consome

em sombra e o amor passado é só um perfume

          no ar (vazio) aroma.

 

 

 

 

 

 

MAIS UM DIA

(fragmento)

 

Sei que tudo já foi dito

e melhor, tantas vezes,

mas é minha vez

de dizer mal-

dito e recomeçar.

         Dizer o quê?

Que estou aqui à mercê

de sonhos e acessos?

Que estou aqui

estourando o limite

de um frágil motor

de trinta cavalos

         (dez mil

novecentas e cinquenta

rotações por segundo)

e que não tenho asas?

 

Mas vou comer

mais um naco de lua,

vou raspar as estrelas

e mergulhar nas águas

para devorar as costelas

do Centauro

                que naufragou

e me desafia

com olhos de medusa,

entre algas

               & esperança.

Aliás quase nenhuma.

É quanto basta

para estar aqui

a arrancar as vísceras

da tarde, a tarde deste

e de outros dez mil

novecentos e cinquenta dias.

 

Quando findar a tarefa

de me roer as entranhas,

a noite virá derramar

seu óleo espesso

pelas paredes do quarto,

pela terra nua.

Um ponto de luz
            perdido

se extinguirá na poeira

da calçada, logo adiante,

à beira da mesa vazia

e eu me direi: Viu?

Não era nada!

             Melhor

dormir
             esqueça!
             Amanhã

é mais um dia.

 

 

 

 

 

 

MÁRIO DE ANDRADE EM SAN FRANCISCO

(fragmento)

 

                            para Roberto Piva & Claudio Willer

 

 

Quatro horas da manhã.

Caminhamos em silêncio pelo longo e frio corredor infinito da Pow­­­ell St.

à espera do primeiro carro do subway que nos levará de volta a

                                                              [Ber­­keley e à Te­le-

         ­graph Avenue,

onde a Revolução é um estado de espírito perma­nen­te e qual

                                                                 [Uro­boro do seu

        pró­prio tédio se ali­menta,

onde até o breakfast cheira a conspiração e onde os filhos dos hi­p­pies

                                                                                              [vendem

        pen­duri­ca­lhos & melan­colia e aceitam credit card.

Mas você sabe, Mário,

São Paulo também sempre foi berço de revoluções.

 

Quatro horas da manhã.

Deixamos para trás o cais e a noite negra

e em nossos ouvidos ecoa o grito de Álvaro de Cam­pos:

                     — Ó coisas navais!

  Meus velhos brinquedos de sonho!

  Componde fora de mim

  a minha vida inte­rior!

 

Caminhamos em silêncio pela Powell St.

e você começa a saltar pela calçada

como se estivesse na avenida São João.

    De repente

      o riso debochado

que brota dos teus e dos meus lábios

se espraia pelas ruas solitárias

e divide a madrugada.

Antes você perguntava pela culpa do insofrido

e se queixava:

                   — Miséria dolo ferida

                   isso é vida?

Agora teu coração secreto nos leva de volta

ao dia claro de onde viemos.

 

Quatro horas da manhã.

A maresia vem do cais distante

e se espreme entre os prédios altos

e arde cheia de aroma

no céu pesado de chumbo

                                entre
essas duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas

como você costumava dizer da rua de São Bento.

Jamais

        madrugada tão sombria,

jamais minha alma tão serena e vazia.

 

Quatro horas da manhã.

Caminhamos em silêncio pela Powell St.

e em algum lugar a Primavera nos aguarda

com dez mil milhões de rosas paulistanas.

 

                     No ar

daquele banjo desdentado o som já desfeito em penumbra

nos guia os passos

e somos duas crianças

balbuciando o rondó das tardanças.

E como sabe que vai morrer

                     daqui a um segundo

                     daqui a um verso

a noite mergulha em treva mais densa

                     (vingança!)

e em nosso olhar o dia todo se ilumina

em milhares de brilhos vidrilhos

                    arlequinal!

                    comoção de nossas vidas!

 

 

 

 

[Poemas do livro Subsolo, 1989]

 

 

 

GRAMÁTICA

 

Etimologia

 

Saber de cor

a água

a cor da pele

cada anseio

que a língua

recolhe.

Saber de cor

o coração.

 

 

 

Fonética

 

Datilo

grafo

meu espasmo rude

em teu peito

e os dedos cravam

entre a bilabial

e a sibilante

o Ó

inaudível.

 

 

 

Vogais

 

Adiar

odiar

ode e ar.

As vogais se espalham

no céu da boca

e o sopro adiado

imobiliza

a língua

em forma de U.

 

 

 

Consoantes

 

Flácido sussurro

o desejo abrupto
torna o solerte
tatibitate
e o mais esperto
tarta
mudo.

 

 

 

Ortografia

 

Sátrapo

íncubo

(sonho se escreve

com cedilha?)

sede do desejo:

seguir a trilha

e morrer de sede

à beira do poço

da armad'ilha.

 

 

 

Morfologia

 

Mastigo

um naco de sombra

e um assombro

de sílabas mudas

escorre dos dentes

entre os escombros

da memória calcinada.

 

 

 

Pontuação

 

Fotograma

atrás de fotograma

teu rosto

é a prolongada pausa

impressa na retina

entre parêntesis

do travesseiro.

 

 

 

Sintaxe

 

Olho por olho

a besta fera elogia

a vítima que abate

e sem saber imita

o discurso indireto

                livre.

 

 

 

Linguagem figurada

 

Tropel de trapos

lençol amarfanhado

         a convulsão

de umas sílabas rebeldes

a desarrumar a cama

& a folha em branco:

o peito de quem ama.

 

 

 

Conjugação

 

Eu me arquipélago

tu te maravilhas

ele se istma

nós nos montanhamos

vós vos espraiais

eles se eclipsam.

 

 

 

[Do livro Lição de casa, 1998]

 

 

 

 

LIBÉLULA

 

Essa diabólica libélula me perseguiu por décadas.

Só a esconjurei quando decidi congelá-la, em três etapas.

Primeiro um falso soneto; segundo um sonetilho

com estrambote; terceiro outro soneto, cujas sílabas,

os versos, as estrofes, os hemistíquios & cesuras,

       ao datilografá-lo, me rolaram dedos abaixo.

 

 

1

Melhor abandonar o espetáculo
mal começado. Acerto o passo trôpego,
rasgo nos dentes a lembrança nítida
da burla e me distraio com a libélula,

 

esta esvoaçante donzelinha estúpida
que insiste em me seguir com ar ilícito.

Que farsa é essa enfim em que os intrépidos
se dão as mãos e choram como náufragos?

 

De qualquer modo, venha... Mais efêmera 
que o dia iluminado é a noite mágica
(amiga!), plena de outra luz & música.

 

Mas esqueça o compasso, o ponto e a vírgula
e se puder me explique sem retórica :
a que vem toda essa efusão esdrúxula?

 

 

 

2

Ah poetinha finório!

Se quiseres dou-te um lírio
e não te chamo de otário.

Vamos, pra quê essa fúria?

 

Espetáculo notório,
de saboroso mistério,
seria a nossa luxúria
não fosse eu tão vigária.

 

Diz que eu sou o teu colírio,
diz que eu sou a tua glória,
pode me chamar de espúria,
esgota o abecedário, 

teu teatrinho tão sério,
tão sem sal, sem repertório.

 

Mas me chama de libélula
que eu te chamo de crepúsculo.

 

 

 

3

Então você prefere que eu a chame
libélula? Está bem: libélula. Donzelinha
que tal? Quem sabe cavalinha-do-diabo,
lava-bunda ou odonata? Sim, eu sei,
você os detesta mas estão todos lá,
no dicionário, os nomes que Deus
ou o povo lhe deu.

                        E quem sou eu
para inventar nome melhor?

Não lhe pedi para me seguir,
posso chamá-la como quiser
ou até nem chamar.

Só não posso esquecer
que libélula ou cavalinha
você é carnívora, voraz,

e suas asinhas coloridas
            transparentes
se alimentam da água podre
na imundície.

                Por isso
minha doce, pútrida libélula,
não me desgarro de você.

Tento (como posso)

arrancá-la da memória

     do sexo

     da alma

     das veias em chama

mas para onde quer que eu vá
lá está você,
lá estou eu em mim
              em você
              você em mim,
asinhas fétido-farfalhantes,
espetáculo mal parido,
pior continuado
: nosso teatro inglório.

E você vem com

  história

  lamúria

  delírio

  miséria (
sonetinho mal ajambrado)
e esse tu tão aprumado.
verbos e desconsolo
tão bem conjugados.

Chega chega de tu! É você
já lhe disse: você! Libélula

donzelinha odonata mar de prata

lua a apodrecer no pântano lava-

bunda de bromeliáceas: você!

 

Gostou?

Se não

 me deixe

 me largue

 me troque

por quem já não sou
ou por outro qualquer.

 

Quanto a me chamar de crepúsculo
vá lá: talvez justifique
este nosso amor
esdrúxulo.

 

 

 

 

 

 

BILLIE HOLIDAY

 

                   para Camila Diniz Ferreira

 

 

Dizer de Billie Holiday "é como" equivale a dizer "não é":

artifícios da figuração. Só não estão nesse caso

o silvo de serpente ensolarada, as violetas & as magnólias.

 

 

1

É como adentrar um castelo em ruínas
e de repente ver renascer o esplendor
de seus salões ou a languidez acetinada
             de suas alcovas.

 

É como se todos os ventos súbito
amainassem, deixando atrás de si
o seu arrepio no dorso da pantera
             em pleno salto.

 

É como pressentir ao longe
o colear da serpente na areia fina
do deserto a deslizar, a flutuar
             sob o sol que cega.

 

É como embalar ao colo a fera
enfim liberta da fúria
que a prendia ao olho do ciclone
             : placidez de vendaval.

 

 

 

2

Vendaval era o que Billie fazia
& ain't nobody's business if I do!

Por isso todos a querem por perto.
Billie sorri

    mas que fazer

se quando é escuro aqui
outra luz desponta

           mais adiante?

 

Lady Day?

               Pássaro cego, asas
a ruflar no coração da noite nula,

a espalhar por aí o esplendor
de seus castelos, carícia

no dorso da pantera,
silvo de serpente ensolarada
: mansidão de vendaval.

 

Lady Day

   nada quer

senão um maço de violetas

  ou magnólias

para saudar no horizonte
a luz que vem do mar

como num sonho
de que não possa

despertar.

 

 

 

 

 

 

CHARLIE PARKER

 

                   para Ricardo Aleixo

 

Certa madrugada eu ouvia Charlie Parker
quando me surpreendi a cantarolar um refrão antigo,
do tempo em que Jorge Benjor era Jorge Ben
: oba-oba-oba Charlie!

Tendo reparado que é um verso redondilho
reparei também que Charles Anjo 45
não tem nada a ver com Charlie 'Bird' Parker.

Ou tem?

 

 

1

Como vão as coisas, Charlie?

Como é que é, my friend Charlie? O-ô!

Não foi assim que o nosso Jorge

cantou? E você nem aí... Quando

alguém chama: Charlie Charlie
Charlie, todos os Charles do mundo
encolhem os ombros: não é comigo,
deve ser outro Charles qualquer.

Vai ver você tentava soprar
três notas de uma vez (duas
já era fácil, não era?)

e nem ouviu.

               Vai ver
não era mesmo com você
e não adianta insistir.
Jorge
bem que insistiu: take it easy
         my brother Charlie
take it easy meu irmão de cor o-ô!

Mas dá uma vontade danada
de gritar: oba oba oba Charlie!

Como vão as coisas, Charlie?

Mas eu sei que você não está
nem aí... nem aí...

 

 

 

2

Como daquela vez em Toronto,
mil novecentos e cinquenta e três:

você se lembra? Nunca ninguém ouviu
nada igual, nem no primeiro dia da criação,
nem durante o dilúvio, nem quando a alegria
passarinheira um dia pousou em sua mão.

 

Naquela noite o-ô! foram cinco dilúvios:
você, outro Charles, o Mingus, Max
o domador de baratas, Powell, o Bud
& o velho Dizz.

                     Dá para acreditar?

Vocês tinham visto passarinho azul

naquela noite?

 

Max The Roach rola pelo despenhadeiro
e arranca árvores como quem despetala
uma rosa. Bud salta e rodopia,
colhe um punhado de estrelas,
joga tudo aos pés da loira nervosa
e sorri.

        Você?

        Nem aí... Você nem aí...

Mingus estilhaça os vitrais
de todas as catedrais

do continente perdido

e você

        você nem aí...

Dizzie afrouxa a gola da camisa
e faz bater em revoada
o enxame de abutres guardado
no estojo do trompete, só para curtir
o olhar deslumbrado da loira nervosa.

  E você?

Você desata o seu sopro: manada
de búfalos levíssimos que partem,
agoniados, mar afora,
no encalço da aurora.

Você se lembra, Charlie? Nunca
ninguém ouviu nada igual. Foi

o oitavo dia da criação, dilúvio
de todos os dilúvios, no Massey Hall,
Toronto, Canadá: mil novecentos
e cinquenta e tal.

 

Dizem (não sei) que naquela noite muitos
homens abandonaram suas mulheres.

Dizem também que muitos homens
voltaram às suas mulheres

                            naquela noite.

Claro que você não lembra! Isso lá é coisa
pra lembrar? Só se lembra quem não esteve lá.
Mas você estava, naquela noite, você estava lá,
naquela noite mais clara que o dia,
em Toronto, Canadá.

 

 

 

3

Agora o que eu queria mesmo saber
é essa história de bird:

    Charlie 'Bird' Parker.

Me conte aí, Charlie, me conte essa história

toda : Bird of Paradise, Young Bird, Yardbird

Suite o-ô! Ornithology: não é? E não me esqueci
do Rare Bird, do Bird's Nest ah! The Birdland!
Mas isso é tudo, tudo mesmo?

                                      Ouvi dizer
que essa passarada toda é pista falsa, nada 

a ver: o pássaro que mora entre Charlie
e Parker é só o bluebird que um dia pousou
em sua mão

                  alegre

                  triste

                  folgado

                  meio perdido

e em vez de ser livre escolheu ficar
do seu lado (Charlie!) o resto da vida,
para ser mais livre ainda, junto de quem
lhe desse o amor mais criança.

Diga que não, Charlie

diga que não...

 

Ouvi dizer que ele bateu as asas assustado

quando soube que você, todo beleza, tinha

acabado de estrear um lindo casacão

de madeira.

                  Ouvi dizer que ele foi atrás,
cortejo todo, bicou muitas vezes o casacão
inviolável, acompanhou aflito cada punhado
de terra, cada braçada de lágrimas,

                                                  pediu
a cada um que lhe explicasse o que estava
acontecendo

                  e quando todos se foram

começou a cantar a cantar a cantar
o mesmo fiozinho de voz, tão tênue,
mais forte que o aço, a mesma manada
de búfalos levíssimos que ele lhe ensinara.
(Ou foi você que lhe ensinou?)

Cantou cantou cantou o-ô
tarde noite madrugada afora
              para anunciar
a aurora de todas as auroras.

Não é essa a história toda, Charlie?

 

Está bem, eu sei, não precisa dizer.

Não se preocupe também se alguém mais
insistir em saber como vão as coisas o-ô!

como vão as coisas, Charlie.

                                         Ninguém

quer se intrometer em nada não.

É só um jeito de dizer: obrigado irmão!

 

 

 

[Do livro Noite nula, 2008]

 

 

 

APOSTASIA DO HAICAI

 

 

1

um raio de sol
atravessa a nuvem branca
e corta a garganta

 da montanha que ruge ameaça gritar desiste não reage ao
          ultraje suspira & agasalha para sempre o cálido rubor que
          lhe percorre as entranhas

 

 

 

2

voa o rouxinol
a neve insistente cai
o dia não re-

 siste ao enxame de sombras que escorrem de um par de
          asas perdidas já quase sem vida & a noite definitiva (mundo
             branco) brota do silvo agudo que o pássaro exala ao se
             espatifar no barranco

 

 

 

3

açafrão dourado
o vento sopra ligeiro
o ouro se espalha

 se emaranha no cipoal nos grilos nos vagalumes foge

 assustado para o sopé da montanha & escorre liquefeito

 no peito do tigre que de costas ao luar se banha

 

 

 

4

luar de dezembro
no lago as estrelas brilham
a lua despu-

 dorada se despe mergulha se roça nos arbustos como se

 fosse agosto esfrega no estelar marasmo os seios latejantes

 & goza mais um orgasmo

 

 

 

5

um peixe de prata
salta no encalço da lua
uma estrela nova

no fundo do lago pulsa ao afago da água-viva perdida de

paixão pelas escamas que rebrilham no rasto deixado pelo

pequeno astro que gira & já não mais respira

 

 

 

[Inédito]

 

 

 

[ imagem ©absolom ]

 

 

 

 

 

Carlos Felipe Moisés (São Paulo/SP, 1942). Poeta, estreou com A poliflauta (1960), a que se seguiram, entre outros, Carta de marear (1966), Círculo imperfeito (1978), Subsolo (1989), Lição de casa (1998) e Noite nula (2008). Publicou também vários volumes de crítica literária, entre os quais O poema e as máscaras (1981), Poética da rebeldia (1983), O desconcerto do mundo (2001) e Poesia e utopia (2007). Em 2010, publicou o livro de contos Histórias mutiladas (Prêmio Governo do Estado de Minas Gerais de Literatura 2008 - categoria Ficção). Tradutor (J. Campbell, O poder do mito; M. Berman, Tudo o que é sólido; J.-P. Sartre, O que é a literatura?), autor de livros infanto-juvenis (A deusa da minha rua, 1996; Conversa com Fernando Pessoa, 2007, Prêmio FNLIJ), é formado em Letras Clássicas pela USP, onde lecionou, assim como na Universidade da Califórnia (Berkeley) e outras instituições, no Brasil e nos EUA. Vive em São Paulo, onde se dedica à coordenação de oficinas literárias.
 
Mais Carlos Felipe Moisés em Germina