O livro de José Almino, A estrela fria, me faz pensar no livro organizado pelo Edson Cruz: O que é poesia?. Edson fez a pergunta, a sangue frio, a vários poetas. Penso que por mais variadas que sejam as respostas, a pergunta continua sem resposta. Percebi algumas coisas e despercebi outras ao longo de minha caminhada como poeta crítico (termo cunhado por Ítalo Moriconi). Uma é que todo poeta é um crítico. Outra que poesia é o bicho mais estranho que circunda o planeta. Isso para não falar no que despercebi.

Muita opinião formada (pura ignorância!) também se desfez quando organizei para a Global os melhores poemas de Patativa do Assaré. Mais ainda quando fiz o posfácio e a orelha da Antologia dos poetas virtuais I e II. Livros que nasceram de uma comunidade no Orkut. Talvez a poesia não seja um bicho, um monstro, um demônio. Talvez seja um ser divino, supremo. Essa talvez seja a melhor definição de poesia: Deus! Detalhe: sou ateu.

A poesia é onipresente. Tanto está na academia, na universidade, quanto fora dela, no sertão, no Orkut. Une ou distancia os grupos, as pessoas.

 Uma questão muito presente é o poeta escrever sobre o passado, sobretudo, sobre sua infância. A estrela fria de José Almino não foge à regra. O poema que empresta título ao livro relembra a infância do poeta. Pouco original comparar a infância com uma estrela morta: "De longe, / a infância queima: / ela é a luz de uma estrela fria". Por que será que os poetas acham necessário contar como foi sua infância ao leitor?

Almino parece blasfemar contra a infância. Ironizar o vício dos poetas em se reverem crianças, quando, em "Canção do exilado", diz: "Se eu voltar a lamber as botas do passado, / se eu voltar a chorar a memória da memória: / que me seque a mão direita!". "Não pedirei mais / perdão às virtudes do passado. / Repetirei, em desassombro / — se eu me lembrar de ti, Jerusalém —, / com os que diziam: / "Arrasai-a! / Arrasai-a até os alicerces!". E continua em "Quatro retratos": "III / Exangue, / la mémorie est saisie / no ritmo de um amor / a que a gente se apega, / no ritmo ou no amor / em que a gente se esfrega, / se entrega / e apaga: / limpa, limpa / limpa / a puta / desta nostalgia". Também em "A um passante": "O destino esbouçou-se uma, duas, três vezes: desistiu. / O mundo mudou. / Os amigos morreram. / A infância, esqueceu". Mas não passa da aparência. O poeta ratifica sua infância em muitos dos outros poemas. A ponto da palavra "infância" (e similares) aparecer algumas vezes ao longo dos poemas. Em "The Waste Land", título emprestado do famoso poema de T. S. Eliot, a expressão "infância esfacelada" abre e fecha o poema.

Há quem diga que as citações que aparecem em metade dos poemas do livro fortalecem a poética do autor: "Neste livro, as vozes de outros poetas e escritores, incorporadas à fala de José Almino, fundem-se aos seus versos, e as sínteses e sons dessas palavras colhidas em outras sensibilidades se articulam à linguagem do poeta pernambucano em ecos que reforçam e completam sua lírica". Penso o contrário. É mais um vício dos poetas. A outra metade do livro, os poemas onde não há citações, é a melhor.

E o livro segue com poemas bons e outros nem tanto. Mas os vícios continuam os mesmos.

 

  
 

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O livro: José Almino. A estrela fria. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 80 págs.

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junho, 2010