anjo enredador! Perca-se minha alma na volúpia dos teus granadinos lábios gozosos; e se despenhe meu desejo no estranho mormaço dos teus lacrimosos olhos negros.

 

2Ó anjo custódio! Inunde a úmida língua de teus ardentes beijos à sedenta boca; e se ilumine a obscuridade do meu leito em presença de tua altiva fronte resplandecente.

 

3Ó anjo corredor! Entontece o meu corpo com a desfalecente neblina entorpecente de tua paixão; e me arrebatem os lancinantes fulgores de teu rutilante corpo suado.

 

4Ó anjo esmoler! Exalte em mim a angélica misericórdia humana do teu corpo; e tome à alma nua o luzeiro viril do teu corpo desnudo; e abunde ao ser o halo fulgurante.

 

5Ó anjo insaciado! Atravesse a ígnea flecha resplendente à trêmula alma; e se esconda na úmida sombra da fáretra a aguda pértiga, cujo calor abranda a chagada carne.

 

6Ó anjo ensandecido! Bafeje meu rosto o embriagante hálito de tua boca; e faça estremecer ao corpo abrasado a terebrante dor, que transpassa a ferida da alma talhada.

 

7Ó anjo embriagado! Lamba ao veludo das entranhas a salobra água da corrente do gozo; e o corpo extasiado em tórpido transe se esgote, à força do emulgente suplício.

 

 

 

 

 

 

 

ão pretendia tomar parte nesse embate de almas; mas meu corpo não resistiu ao chamado dos teus gestos adversos; a espada puxada chamou meu corpo à luta.

 

2Não foi, porém, pela tua espada que conquistaste os rincões da minha alma; nem foi a possibilidade do terno conchego de teu forte abraço, o que me prendeu a ti.

 

3Arrebatou-me a luz mortiça desse olhar moreno; seduziu-me a doçura dos beijos de tua boca, porquanto te encantaste com as palavras brandas de meus lábios.

 

4Nem tudo que me sobreveio, depois que confessei ao mundo meu amor, que é, para todos, o pecado de minha alma, houve-me contra o sentir de singulares modos.

 

5Por amor a ti não me resguardei do descrédito que se refletiu sobre mim; nem me atingiram os insultos dos que ficam à roda de quem ama como nós para afrontar-nos.

 

6Mesmo diante das injúrias, que sei, infamam injustamente aos que amam com gestos ímpares, o coração não voltará atrás ou abdicará o amor que alimenta a vida.

 

7Não resvalarão os passos com as ofensas desfechadas; pisarei a absurda crença do pregador que falseia; e, se for preciso, silenciarei a voz que ousar me despojar de ti.

 

8Sei, pois, que teu rosto amado estará sempre diante de mim; e a luz do teu olhar me cobrirá de paz, ante o grito daquele que insulta o amor com o rancor do agravo.

 

9Essa noite passará; ao nascer o dia meu coração contará as maravilhas que realizaste em minha alma; e o amor será sempre o sustento da alma, de dia e de noite.

 

 

 

 

 

 

 

espertarei eu mesmo a manhã, porque se levantará sobre mim a formosura do teu rosto; e se matizará o suor da face na luz desses escuros olhos; o sol não empanará o resplendor de tua terna mirada.

 

2As petições dos meus lábios, a tua boca não negará; beijos eu te pedirei e muitos tu me darás; teu sorriso absorto armará um laço para a minha boca; e buscarei a doçura debaixo da quentura de tua língua.

 

3Beberás minha saliva como quem bebe água; e seduzirás minha alma com tua boca, que falará branduras; suaves serão as palavras que procederão dos teus lábios; e se gloriará a alma no gozo do corpo.

 

4O sopro morno da brisa de tuas narinas acariciará o meu rosto; falarás com os lábios doces e coração terno; e teus afagos multiplicarão a ternura dos teus beijos; e tuas carícias acenderão a minha candeia.

 

5Tu cingirás o corpo de meiguice para o teu abraço, de sorte que o peito palpitará; e farás com que eu te dê as espaldas, enquanto aprontas tua flecha para o arremesso; nesse então teso se mostrará o arco.

 

6Sei que teu amor se me submeterá, prostrando-me debaixo de ti; e tomarás o meu prazer em tua boca; e usarás palavras brandas para me possuir; e o abrasado desejo do teu corpo será o anseio do coração.

 

7Soltarás a tua boca para meus afagos; e tua língua tramará carícias; e farás pesar teu corpo, que se alongará sobre mim; e do dorso se abrirão as côncavas partes; e te aprofundarás na cavidade que te sorverá.

 

8Tomarás o meu nome nos teus lábios; e sentirei que te agradam os murmúrios de minha voz lastimosa; e nesse estado de tensão, em nome do desejo, te apoderarás de mim; e na carne entronizarás a lança.

 

9Suplicarás os meus favores; e o anseio do teu coração será de amor; sob os rogos do meu apetite exaltado, tua face rubra ressumará prazer; e o corpo se moverá com ímpeto; e gotejará do favo o mel das delícias.

 

10Ouvirei as palavras do teu bramido; gemidos tamparão os meus ouvidos; e tu, anjo meu, te assentarás no átrio de meu corpo pelos teus golpes desfalecido; tira de mim o teu flagelo, eu rogo por minha alma.

 

 

 

 

 

 

elebre minha língua tuas palavras, no tempo em que o prazer se acende para mim; encha-se minha alma de canções de amor e, de risos a minha boca; em louvor a ti branduras profiram os meus lábios.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

2Estejam teus ouvidos atentos à voz do meu fervor; quando diriges teus passos nus para minha cama; se acaso em teus braços me tomares, sob o vigor do teu abraço, sejas doce porque tenro é o meu regaço.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

3Possas amparar meu desejo com teu abraço; e repousar sobre mim o peso do teu corpo; qual o amante atento aos olhos do amado, os teus eu vigiarei; e aos meus negarei sono; e adormecimento às pálpebras.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

4Abrirei a boca para o teu deleite; e arquejarei anelante por tuas carícias; dê sabor à minha língua o sumo de tuas entranhas, que na boca sôfrega goteja; e em teu corpo a alma se emaranhe sobremodo farta.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

5Arem minhas costas os dedos longos de tuas mãos, em busca de sulcos para deitar sementes; e realiza a semeadura do tresloucado gozo; mesmo a temer que o abafadiço tempo seque a relva florescente.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

6Sejam de rojo as profundezas invadidas, pois me comprazo se em mim te derramas; e a boca entreaberta no adormecido rosto; e observe a alma à dormente natureza; é o suor sobre o corpo nu orvalho do deleite.

(Agora tu, anjo meu, ensina minha alma a gozar os dessemelhantes prazeres que em teu corpo rebrilham).

 

 

 

 

 

 

ntrarei na casa que habitas e deitar-me-ei no leito em que dormes; e a mão vagueando, às escuras, tuas delícias procurará; e alcançará ao desejo, que florescerá ao calor das carícias sob o tecido de tuas vestes.

 

2Usarei os dedos para fazer-te afagos, braço estendido e mão carinhosa; e para ser apenas ternura, se esquecerá a destra da força; fosse a garra de amestrado carancho, a apresar a ave do gozo em vôo nas alturas.

 

3Empunharei teu cetro; e pelo toque da mão que se empenhará para prendê-lo, ele será mantido desperto; esse bastão cingido à proeminência do ventre é o ordálio da cativa alma, da tua carne o envenenamento.

 

4Cortarão o silêncio graves gemidos, fossem desembestados tropéis, que na garganta se atropelam; a língua se apegará no céu da boca, daquele que me falará carinhos, para que da gulosice de teus lábios eu coma.

 

5Farão as gotas esparsas reluzir ao rosto; será o suor que borrifará a face esparsa chuva a cair sobre relvados banhados de luz; enquanto te consomes ao prazer do toque, e apanhará à alma o ardor do gozo.

 

 

 

 

 

 

ransbordam as fantasias do coração e recriam desatinos; esvaecida de anseios busca-te a alma, que incendeia o ardor do anseio; chamas florescem nos teus olhos; e teu sussurro quente à paixão inflama.

 

2As tuas mãos, causa dum prazeroso gemer, por onde não há caminhos seguem desgarradas; e teus afagos despertam desejos abrasadores, que não reconheço; e tuas palavras sentimentos que desconheço.

 

3Com o mel da boca me sacias; com os braços, entre os quais me aninho, envolves o peito; um colar a cingir o pescoço são as caricias de tua língua; úmido rasto, no encalço do gozo, que lambe a eriçada pele.

 

4Com beijos me sacia tua boca, qual místico pão angélico que sustenta; pesa teu corpo a ondular o rubro fruto que pende no abdome; e enlaçada no teu ser treme a alma; arde minha carne a bendizer teu nome.

 

5Marcas de dentes no corpo são gravadas, que nem amorosos sinais; os gemidos chegam aos ouvidos; à luz do rosto se desvelam ocultos gozos; e na escuridão do corpo, em lúbrico frenesi, fartam-se apetites. (5 Imagina o que fará quando estiver em presença do anjo amado).

 

6Ouvirei suspiros e gemidos amorosos a te roubarem o fôlego; a alma se agitará com a espada sem gumes na bainha da boca; e rebentarão nascentes nas tuas delícias; e tremerá o tronco a espargir o gozoso lume.

 

7Elevarei a cabeça para ver teus olhos, que anunciarão teu gozo; e tua saliva será o meu sustento, pelo que dentro da boca esmorecerá; e por fim o desalento abaterá a alma, que na serenidade do corpo se regozijará.

 

 

 

 

 

 

u te busco; ainda estou sob os teus solenes votos; observo da sacada, o poente sonho viandante, e me devora a gretada solidão; sufoca-me o aroma das recordações.

 

2Eu te busco; as espirradeiras floridas deitam no escuro da noite um cheiro adocicado; os lábios da saudade soluçam na minha alma; penaliza-me o aroma das recordações.

 

3Eu te busco; o vento lambe os arbustos do descuidado jardim de áspera luxúria; nos tristes olhos meus dançam as cinzentas sombras; aflige-me o aroma das recordações.

 

4Eu te busco; não encontrei quem console meu pranto; o abandono fecha sua boca sobre minha alma; a angústia machuca o coração; lacera-me o aroma das recordações.

 

5Eu te busco; os terrores da noite assaltam meu leito e calafrios abalam o meu corpo; a tristeza engrinalda a alma sedenta de amor; angustia-me o aroma das recordações.

 

6Eu te busco; a chuva cai sobre os terrenos descampados de retorcidas feições; meu coração ferido pela ausência murmura o teu nome; assola-me o aroma das recordações.

 

7Eu te busco; as minhas mãos vazias, necessitadas de ti, agitam-se no ar; e meus olhos se enfraquecem privados de tua formosura; devasta-me o aroma das recordações.

 

 

 

 

 

 

is que ficaste em espreita como um animal em emboscada; e apanhaste meu indefenso coração; apartando-o para ti mesmo.

 

2Eis que tomei em meus lábios o teu nome; e em teus braços tomaste meu corpo; e meus seduzidos passos seguiram teu caminho.

 

3Eis que te desbocaste em doces falas amorosas; e tua voz grave entrou em meus ouvidos; e meu coração meditou a tua paixão.

 

4Eis que a doçura estava em tua língua; quando me desnudaste com doces palavras; e adestraste minhas mãos para as carícias.

 

5Eis que tombei diante de tua força; e a alma foi esmagada pelo teu anseio; e recompensaste a queda com a delicadeza do afago.

 

6Eis que a minha paixão já não se esconde de ti; e os meus lábios gritaram de gozo; e a exaltação do corpo conheceu tua pírtiga.

 

7Eis que buscaste o meu regaço; e um jorro salobro inundou minha garganta; e com o sabor das delícias fartou-se a minha boca.

 

 

 

(imagens ©mariea)

 

 

 

  

 

Z.A. Feitosa é o pseudônimo de Zeilton Alves Feitosa, ficcionista, poeta e memorialista, nascido e residente em Marizópolis, PB. Graduado em administração de empresas e ciências contábeis, especializou-se em jornalismo brasileiro e comparado, em São Paulo, SP. Obras publicadas: Mulher macho — sim, senhor! (Romance, São Paulo: Editora Cortez, 1980), Asas queimadas (Suíte, São Paulo: Edição do Autor, 1981), Algolagnia: histórias reais e imaginárias (São Paulo: Econ Editorial, 1984), O íntimo ofício (Memórias, São Paulo: Scortecci Editora, 2007) e Borboleta em cinza (Salmos profanos, São Paulo: Scortecci Editora, 2008). Mais aqui.