Presidente da Seção Brasileira da Anistia Internacional por dez anos, professor universitário, redator e editor internacional, Secretário de Cultura do Município de São Paulo, atualmente representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em São Paulo, o escritor e jornalista Rodolfo Konder sempre transformou todas estas múltiplas funções em verdadeiras missões, nas quais a luta pela liberdade, pelos direitos humanos e a busca da pluralidade se sobressaem. Leia, a seguir, a entrevista concedida por Konder, que acaba de lançar seu vigésimo livro, O Destino e a Neve.

[Beatriz Amaral]

 

 

 

 

 

 

 

Beatriz Amaral - Prof. Konder, neste seu novo livro, O Destino e a Neve (São Paulo: RG Editores, 2009), vê-se a nítida confluência entre a literatura e o jornalismo. Grande parte de seus textos testemunha fatos históricos relevantes e instiga o leitor à construção democrática da liberdade. Em que medida a atividade política e a experiência de dois exílios contribuíram para delinear o premiado escritor Rodolfo Konder?

 

Rodolfo Konder -  Sou, de fato, filho deste fantástico casamento entre a literatura e o jornalismo, que aconteceu nos Estados Unidos, com o chamado "New Journalism". Aqui no Brasil, trabalhei durante dois anos (1969 e 1970) na revista "Realidade", que simbolizava o novo jornalismo e representava sua chegada ao nosso país. Foi depois da minha prisão (1975) e da minha fuga (1976) para um segundo exílio — que durou três anos — que comecei a publicar meus livros. Os primeiros foram escritos no Canadá (em Montreal) e nos Estados Unidos (em Nova York). A atividade política está em todos eles, explícita ou implicitamente.

 

 

BA - A liberdade é um exercício permanente?

 

RK - A liberdade é um exercício permanente, no cotidiano, na política, no jornalismo — e até no convívio com a arte, como ensinava André Breton: "A razão e a lógica frequentemente nos castram. A arte nos liberta".

 

 

BA - Entre paisagens de neve e praias tropicais, durante décadas de lutas e reflexões, há um olhar político e um olhar poético permeando toda sua obra. Os dois se conjugam no sentido de gerar um olhar profético?

 

RK - O jornalista registra os fatos, o escritor humaniza os textos. O profeta morreu. Mas a memória ainda é a morada da alma, como ensinava Santo Agostinho.

 

 

BA – A obra de Jorge Luiz Borges é uma de suas principais referências e fontes de inspiração. Como se deu o seu primeiro contato com o texto borgeano? O senhor também traduziu obras do escritor argentino?

 

RK – Anos atrás, quando eu era militante comunista, via Borges com reservas. Reservas estúpidas e preconceituosas. Depois, livre das amarras ideológicas, descobri maravilhado a sua grandeza. Traduzi muitos textos de Borges; alguns, li num programa de rádio ("O sabor da crônica"), que fiz durante anos. Com Borges, "abandonei os arrebaldes e os conflitos e agora busco as manhãs, o centro e a serenidade".

 

 

BA - Prof. Konder, é possível identificar também em seus livros uma acentuada vocação para o docere, algo que ultrapassa em larga medida a clareza exigida de um bom jornalista. Fale-nos um pouco a respeito de sua atividade docente — não apenas no âmbito acadêmico, mas também exercida de modo itinerante em infindáveis conferências por todo o país.

 

RK – Fui professor de jornalismo durante anos, sou membro do Conselho Municipal de Educação, creio que isso confirma uma certa vocação, que também se revela em inúmeras palestras e conferências.

 

 

BA – O Destino e a Neve narra missões na Guatemala, visitas à Irlanda, Finlândia e África do Sul, do privilegiado ponto de vista de um agente político que jamais esquece a vocação literária. Como foi sua experiência como dirigente da Anistia Internacional — Seção Brasileira?

 

RK – Após a desilusão com o chamado "socialismo real", voltei-me para a defesa dos Direitos Humanos e da liberdade. Ainda em Nova York, fiz contato com a Anistia, através do seu dirigente Andrew Blane. De volta ao Brasil, ajudei a organizar a Seção Brasileira, da qual fui presidente.

 

 

BA - Suas gestões à frente da Secretaria Municipal de Cultural de São Paulo foram marcadas pela busca da pluralidade. Quais as experiências mais marcantes do período?


RK – A busca da pluralidade só foi possível porque não queria ocupar o cargo. Para me convencer a fazê-lo, o Prefeito Paulo Maluf me prometeu plena autonomia. Graças a essa autonomia, desenvolvi uma política acima das fronteiras partidárias e ideológicas, com o pleno uso da máquina (fazíamos 2 mil eventos culturais por mês).

 

 

BA - Atualmente, o senhor dirige a Representaão da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em São Paulo, entidade centenária e muito respeitada pela coragem de suas posições e atitudes ao longo da história. Como vê o jornalismo que se pratica hoje no Brasil e no mundo?

 

RK – A liberdade de imprensa é essencial numa democracia. Defendê-la é defender uma sociedade livre. A ABI simboliza essa batalha permanente, porque as ameaças, os inimigos da imprensa livre estão aí, à espreita. Hoje temos liberdade de imprensa, embora o "Estado de São Paulo" continue sob censura. E amanhã?

 

 

BA - Por que, neste início de terceiro milênio, a liberdade de imprensa ainda tem sido constantemente ameaçada e aviltada? Como combater com eficácia a censura?

 

RK – Combater a censura é tarefa de todos. A questão deveria ser permanentemente discutida nas escolas e universidades. Vale lembrar sempre que, nas ditaduras, a imprensa vive amordaçada.

 

 

BA -  E qual o papel da ABI nos dias de hoje?

 

RK – O papel essencial da ABI é banir as mordaças e garantir a liberdade de imprensa.

 

 

 

 

dezembro, 2009
 
 
 
 
 
 

 

Beatriz Amaral. Mestre em Literatura e Crítica Literária, musicista e escritora, publicou nove livros, entre os quais Planagem (1998), Alquimia dos Círculos (2003), Luas de Júpiter (2007).
 
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