do barulho e silêncio

 

o primeiro som que ouvi na vida

foi o pulsar do coração de minha mãe

e aquele tambor humano

fazia com que o deus dentro de mim

parasse os olhos diante do ritmo

que rodeava minha curiosidade genética

e acabaria por reger

o modo de ser de meu próprio coração

 

 

 

 

 

 

do segredo mais antigo

 

ela sempre foi o princípio do ano

ela sempre foi sem pedra na mão

ela sempre foi a bicicleta enfeitada

ela sempre foi o de mais bonito que eu via

 

ela sempre foi a música que eu assobiava

ela sempre foi o vento que não me punha medo

ela sempre foi de sossegar minha correria

ela sempre foi o nome bem dentro do coração de giz na calçada

 

ela sempre foi minha alegriazinha

 

 

 

 

 

 

da lembrança primeira

 

naquele tempo

a vida da gente era uma ruazinha de barro

esperando a chegada do asfalto

uma casa pintada de azul

rodeada de árvores

e os dias de toda a família

mais pareciam uma canção de milton nascimento

a combinar com montanha, cachoeira e feriado

 

 

 

 

 

 

 

da bala doce

 

vez em quando

a vó enchia as mãos de bala

num gesto de vó

em deixar o neto contente

 

confesso que mais doce que todas as balas

só o jeito dela dizer

 

é de coração

é de coração

 

 

 

 

 

 

da mãe

 

coisa pra lá de bonita

disse a mãe da gente

enquanto fritava bolinhos de chuva

pra merenda da tarde:

 

"foi num tempo em que a vida

só ventava incerteza

que matei minha sede

bem na fome de teu pai"

 

 

 

 

(imagens ©fujoshi)

 

 

 

 

 

Marcelo Rocha. Poeta, compositor, cantor, formado em Comunicação Social e editor do fanzine Coisas Nossas, nasceu na Bahia e desde os nove anos faz casa em Minas Gerais, na cidade de Governador Valadares. Tem poemas publicados em livros — entre eles, Amor amora (Edição do autor, 2002) — coletâneas, jornais, fanzines e revistas. Participou de diversos recitais em faculdades, escolas e bares. Recebeu diversos prêmios literários, como o Prêmio Nacional de Poesia Cidade de Ipatinga, do CLESI — Clube dos Escritores de Ipatinga, com o 1º lugar pelo conjunto de poemas "do tempo enfeitado de azul" (2009). Lançou, recentemente, o CD independente Porque a gente se gosta, com músicas de sua autoria. Edita o blogue Marcelo Rocha.