"Vale a pena percorrer São Paulo com este livro nas mãos e descobrir onde estão os detalhes flagrados pelos autores", observa com clareza de espírito Heródoto Barbeiro. De fato! O diálogo com o lugar, com afeição, poesia e envolvimento pessoal e público são pontes necessárias para o imaginário do homem urbano. Carinhas(os) Urbanas(os) (Luciana Fátima e Arlindo Gonçalves. Vinhedo/SP: Editora Horizonte, 2009) transmigram fotos e poesias contra o tédio — estímulos, olhares edificantes —, diante da degradação nada gentil e o desmonte promovido pela indústria da especulação imobiliária. O livro realça e resgata os ornamentos e fachadas dos prédios históricos do Centro Velho da Cidade de São Paulo. A metrópole que possui fachadas ricamente trabalhadas. "As sombras que ressaltam/ os cinzas da cidade/ refletem a saudosa tristeza/ da garoa que se foi...", tem agora um guia de visual de valor inestimável. Ensaio fotográfico em preto e branco e a delicada percepção poética de lugares imortais que convive com os prédios mais novos, asfalto desbotado e o corre-corre dos transeuntes. Praça Clóvis Bevilacqua, Rua Florêncio Flores, Avenida Prestes Maia, Largo do São Bento e muitos outros logradouros, são algumas presenças que o coletivo fotográfico "Diálogos com a cidade revisitam" — Luciana Fátima e Arlindo Gonçalves também são escritores. Destacam o uso do espaço urbano, a importância da preservação do patrimônio e a valorização da memória em meio à desordem e a diversidade bruta. Um livro delicado, um recorte, que transmiti a beleza silenciosa e meio escondida de uma cidade que não pára.        

 

Nesta obra selecionada pela Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, o escritor reúne poemas escritos entre os anos 2004 e 2008. Em Fera bifronte (Claudio Daniel. São Paulo: Lumme Editor, 2009) temos um conjunto de prismas, enigmas, aniquilações e paisagens vertebrais diante da esfinge. Segmentado como os múltiplos ossos fossilizados que se desfibram em temas e técnicas arrojadas. Uma escrita diabólica (lembrando que a palavra vem do grego "Dia" — longe, distante, fora de algo — mais "Bólos" — movimentar, levar, bailar), logo a ebulição da divisão apresentada faz sentido. O posfácio de E. M. de Melo e Castro, suplementa informações importantes a partir de um outro poema do autor ("Traça", do livro Figuras Metálicas: travessia poética, 1983-2003). O escritor português vai adiante na correlação esclarecida do poema citado e o novo livro: "Pois se o escritor constrói o texto, o leitor tem que destruí-lo, mas o texto deve estar feito de tal modo que pode ser destruído de várias maneiras, mas nunca de um modo total e definitivo. Ao texto compete resistir às estratégias de leitura. Esse é um texto propriamente dito. E como Claudio Daniel diz, no poema Traça, ('Toda leitura é uma cicatriz'), ou seja, a marca de uma ferida e de uma luta. Luta de duas frontes ou duas frentes: a frente poética do escritor e a frente poética do leitor. Bifronte, portanto. Fera viva, ou 'machado duplo' ou lâmina 'de dois gumes', é a arma que o texto é, à imagem dupla do mito de Janus. Dupla e ambígua, múltipla e polissêmica. Mas hermética e difícil de se dar. Questão esta que deve ser aprofundada, considerando cada uma destas três poéticas de que se faz a polissemia literária, especialmente a da poesia". Reiterando que a fruição dos poemas do autor nesta obra se dá mais pela leitura do que pela poesia escrita. Em parte conotativa, porém não livre da tentação do embate autor x escrita x leitor. Uma dialética em movimento, repleta de jogos de linguagens amplificadas numa imagética complexa. No qual o rigor estético, elipses e metonímias separam e aproximam os cortes e justaposições metafóricas "multiplicando o mistério/ no espaço íntimo expandido/ reinventam o tempo/ em seqüência infinita/ letras são números/ na máquina lírica/ para a música imaginária/ linhas atravessam cores/ em planos precisos". Clique aqui e saiba mais. (botar link da resenha do livro)          

 

Ensaio, crítica, trajetória e imagens primorosas, obra híbrida e luxuosa, universo brilhante sobre um dos mais importantes cineastas brasileiros de todos os tempos. Outro grande lançamento do ano! Patrocinada pela Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, CEMIG, Filmes de Minas e o Governo do Estado de Minas Gerais, Kiryrí Rendáua Toribóca Opé: Humberto Mauro revisto por Ronaldo Werneck (Ronaldo Werneck. São Paulo: Editora Arte Paubrasil, 2009), quase 450 páginas, tamanho 27x21 cm, significa uma película repleta de depoimentos consistentes, entrevistas, fotografias, citações e diálogos; enfim, uma pesquisa excelente na qual aparecem Glauber Rocha, Paulo Emílio Salles Gomes, Sheila Schvarzman, dentre outros atores, diretores e estudiosos. Mais os comentários do autor, que conviveu, a partir da década de 1970, com o ilustre amigo nas suas idas e vinda (pois vivia e trabalhava no Rio de Janeiro) a Volta Grande e Cataguases, MG, terra natal de Ronaldo Werneck, e onde foi criado Humberto Mauro (1897-1983). Um grande presente: o resgate de Humberto Mauro em sequências/capítulos magistrais configura a afirmação constante do cinema brasileiro, pois o livro além dos múltiplos enfoques apresentados, esclarece acontecimentos relevantes para os cinéfilos, pesquisadores, historiadores e os espectadores mais novos, sobre a importância do cineasta mineiro para a formação da cultura nacional. Um detalhe interessante no título é a expressão "Kyrurí Rendáua Toribóca Opé", que na língua tupi-guarani significa "lugar de calma e sossego no Rancho Alegre", estampada na entrada do sítio de Humberto Mauro em Volta Grande, MG, sua terra natal. Vale relembrar a resposta do cineasta à pergunta "Que conselho você daria aos cineastas brasileiros?", numa entrevista feita por Miguel Perreira (Revista Manchete, 03/02/1973): "Que procurem avançar cada vez mais, descobrindo sempre uma forma nova de contar a história. Mas mensagem não se deve dar. Também estou precisando de conselhos para poder planejar melhor o que vou fazer no futuro. Não acho que seja necessário falar só de coisas brasileiras, mas é muito melhor tocar em assuntos nossos. A arte brasileira é motivo brasileiro universalizado. Desde que você faça a verdadeira arte, ela será universal".

Primeiro volume da coleção Os Contemporâneos, reunindo 45 poetas brasileiros e estrangeiros. Leitura obrigatória sobre determinado aspecto do panorama literário, O que é poesia? (Organização de Edson Cruz. Rio de Janeiro: Editoras Confraria do Vento e Calibán, 2009) surgiu a partir do blogue Sambaquis, e realiza um registro importante, no qual os escritores convidados respondem à queima-roupa: 1) O que é poesia para você?; 2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira? e 3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas? Portanto, observa-se o caráter didático da antologia, a multiplicidade de estilos e visões, também a possibilidade de saber um pouco mais sobre as preferências e formações dos autores escolhidos: os primeiros passos e seus desdobramentos, com direito a muita reflexão. Interessante notar que a mescla vai de autores consagrados, mais velhos, mais novos, alguns pouco conhecidos do grande público até aquele que se diz ex-poeta, que é o caso do lúcido Sebastião Nunes, morador da histórica Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG. Além do honorável Sebastião Nunes, dentre outros, temos Ademir Assunção, Affonso Romano de Sant'Anna, André Vallias, Augusto de Campos, passando por Carlito Azevedo, Fabiano Calixto, Glauco Mattoso, Horácio Costa, José Kozer, Nicolas Behr, Rodrigo Petrônio, Virna Teixeira, terminando em Washington Benavides. Uma recomendação é a leitura atenta do depoimento do escritor cubano José Kozer (atualmente vivendo na Califórnia, EUA), cujo pequeno trecho a seguir tem a tradução de Mariana Laura Corullón: "A poesia pra mim não é nada do outro mundo. Um modo de existir, respirar. Já faz anos que a considero uma prática, uma ablução. (...) Tenho fé no estopim do poema, nisso que surge de repente (no meu caso, quase que diariamente) e que eu atendo, escuto, escrevendo-o. E depois de colocar no papel esse estopim, escrevo com os olhos fechados (entreabertos) e vou deixando que as coisas fluam e se situem sobre a página em branco, do seu jeito. (...) Para mim a poesia não é angustiante, é, pelo contrário, uma felicidade, um modo de sustentar, dentro do possível, a saúde do corpo (e não da cabeça, a maldita cabeça que a tudo transtorna)".

Sem dúvida alguma, um dos fatos históricos decisivos para o Brasil e a América do Sul foi a Guerra do Paraguai. Fato ainda pouco comentado, estudado e refletido com pertinência pelos cidadãos tupiniquins. Em Calúnia: Elisa Lynch e a Guerra do Paraguai (Michael Lillis e Ronan Fanning. Tradução do Inglês por Marisa Paro. Tradução do Espanhol de Declaração — Protesto que faz Elisa A. Lynch — por Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009) temos uma boa oportunidade para rever de forma lúcida esse acontecimento. A figura central é uma mulher (Elisa Lynch), amante irlandesa do ditador Solano López, brilhantemente resgatada pelos escritores e historiadores também irlandeses Michael Lillis e Ronan Fanning, que garimparam os arquivos da Irlanda, Inglaterra, França, Argentina, Paraguai e Brasil. Interessante observar que o livro além de ser uma aula de historia é uma narrativa complexa que tem algumas semelhanças com romances de detetive. Entre as reflexões de Elisa Lynch, aproximando-se dos procedimentos literários de Proust, Olgária Matos tece o comentário elucidativo: "Calúnia oferece três planos simultâneos de interesse cultural: a pesquisa histórica que o inscreve nas competências da análise documental e o estabelecimento dos critérios de validades; a reconstituição do imaginário de uma época em meio às Guerras de Independência e a constituição das políticas de centralização autoritárias; o gênero literário e seu destaque entre as biografias históricas. Além de reabrir o passado, amplia os horizontes, não para contar a 'história do vencido', mas refletir sobre as injunções que tornaram possível, de ambos os lados, a barbárie. O livro não prescinde da consideração do papel das paixões nas decisões políticas, afastando-se da noção de uma objetividade assegurada pelo sentido único dos eventos políticos". Outro bom lançamento de 2009, que merece ser evidenciado nas universidades nacionais, pois é uma excelente obra e deve servir de subsídio tanto para as futuras pesquisas da graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Contando, é claro, com a colaboração do exército brasileiro, para que se abra os arquivos da Guerra do Paraguai, inexplicavelmente não acessíveis até hoje. 

Projeto realizado com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Programa de Ação Cultural 2008, que descreve a evolução e crises existenciais de uma inquieta personagem urbana. Situações melodramáticas, antiquário, estética e desenhos pops, roupas descoladas, show de rock, lembranças da infância, pesquisas na internet e a solidão nada amigável. Uma História em Quadrinhos sensível, expressionista, criativa e bela, retomando de certa forma a explosão de personagens femininas, muito comum neste gênero, na década de 1990. Em Lina (Roteiro de Cristina Judar e Arte de Bruno Auriema. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2009) — uma jovem moradora de uma metrópole, que curte Punk e Beethoven —, observamos um álbum ricamente ilustrado, combinações de múltiplas cores vivas com os tons pastéis e escuros, acompanhadas de argumentos consistentes. O enredo apresenta a redescoberta de um universo fascinante a partir de um antiquário. Uma missão com a História. Entre delírios e a realidade, Lina encontra três personagens aparentemente sem qualquer relação com a sua vida e o mundo em que vive. Um frustrado músico de jazz da década de 1950, um soldado inglês da Segunda Guerra Mundial (década de 1940) e um jovem hippie da década de 1960, imerso em seus sonhos. Interessante observar o diálogo da personagem contemporânea com os outros personagens de três décadas consecutivas. A grande jornada é justamente correlacionar estas diferentes realidades e perceber o real encontro de distintas gerações. A salvação, já falava um nobre poeta do interior do Estado de Minas Gerais, é sair da toca e se deslocar pelo mundo do tempo. Ano após ano, década após década, como têm acontecido com os comportamentos e atuações das personagens femininas nas HQ: acompanham as mudanças sociais e históricas. No caso de Nina, na sua juventude, levar uma vida mais solta, sem resposta pra tudo. E aprender que uma vida sem tantas respostas prontas, fazendo as perguntas que realmente importam, é bem mais interessante, saudável e inteligente.

Dez escritores mineiros de gerações diferentes, seis mulheres e quatro homens, bailam em tramas que vão das delicadezas do amor até a angústia existencial em compassos de inquietudes diante dos mistérios da vida. Os 18 contos de Claro(e)scuro (Organização de Eunice Dutra Galery e Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: Editora Veredas & Cenários, Obras em Dobras, Coleção Poieses Interlinguagens, 2009) assinalam riqueza de estilos e linguagens. São textos originais, colchas de retalhos, claros e escuros, luzes e sombras, com destaque para a ficção "A Palavra", de Maria Magdalena Lana Gastelois (falecida em 2008, ex-professora da UFMG e UFOP, doutora em Literatura Francesa pela Sorbonne, Paris, França). Um estranho passeio pela morte anunciada, narrativa densa, intertextualidades e um trecho expressivo: "'Alô, o que o médico disse hoje?'. 'Disse que estou vivo'. 'Grande novidade, eu poderia dizer a mesma coisa, não precisava pagar'. Ah, uma diferença linguística desconcertante entre o uso de ser e estar. Ninguém nunca pôs em questão sua característica bem marcante, você sempre foi um sujeito vivo, muito vivo, de repente estar vivo é mais definitivo do que ser, e, paradoxalmente, é por isso mesmo e sempre um estado provisório sujeito a uma irreversível ruptura. Como se para você continuar a ser um cara vivo não precisasse mais estar vivo". Além de Maria Magdalena Lana Gastelois, temos as presenças de Ana Maria de Almeida, Augusto Galery, Eunice Dutra Galery, Ilka Valle de Carvalho, Nancy Maria Mendes, Nina Melo Franco, Otávio Galery, Ronald Claver e Vladimir Kotilevsky. Na apresentação do livro, Letícia Malard, professora titular emérita de Literatura Brasileira da UFMG, comenta a essência da antologia: "No caso dos temas: os autores, em sua maioria, trabalham questões relacionadas à presença e ao papel da mulher na sociedade, na família, do passado remoto ao presente próximo — mulheres vivas surpreendidas em seus flashes do cotidiano, nos afazeres domésticos, no trânsito, na busca da beleza, nas relações amorosas e no contato com pessoas queridas a caminho da morte destas; mulher morrendo de morte natural ou ameaçada pelo consumo de drogas; mulher morta afogada não se sabe como, que toca fundo no coração de outra mulher. Não raro essa temática confronta limites entre a realidade e o sonho ou o pesadelo, a loucura e a sanidade, o normal e o absurdo, o racional e o alucinatório".   

Belas composições literárias para quem gosta de cachorros. Ou melhor, para quem é apaixonado por eles! Uma proposta e temática bem contemporânea, principalmente levando-se em conta os aspectos da solidão urbana, na sua grande maioria preenchida pela companhia dele, o cão. Muitos perambulam pelas ruas ou são internados nos abrigos das Sociedades Protetoras dos Animais. Decorre deste fato o caráter do projeto: um movimento e tributo ao Canis lupus familiares. Segundo o ex-senador americano George G. Vest: "O mais altruísta dos amigos que um homem pode ter neste mundo egoísta, aquele que nunca o abandona, que nunca mostra ingratidão nem deslealdade". Em Poemas que latem ao coração! (Organização de Ulisses Tavares e apresentação de Luisa Mell. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009) presenças marcantes de Olavo Bilac, José Paulo Paes, Astrid Cabral, Carlos Nejar, Ricardo Corona, Luiz Roberto Guedes, Glauco Mattoso, Domingos Pellegrini, Valéria Tarelho, Marcelo Tápia, Frederico Barbosa, Ricardo Mainieri, Ivan Santtanna, Leila Míccolis, Jovino Machado, José Aloise Bahia, dentre outros, totalizando 50 escritores na antologia. Coordenação editorial (Nathália Lippi), Projeto gráfico (Humberto D'Ambrosio e Adriana Ortiz) e fotografias (Agência Reuters, Itockphotos e Dreamstime) colorida (na capa) e em preto e branco (no miolo) de primeira qualidade. Um prato cheio para os leitores de poesia e os que defendem a causa dos animais, da paz, ecologia e a convivência fraterna entre as diferenças, sejam de humanos ou animais. O livro tem a delicada e plena certeza que, sem um cão, a vida seria um osso duro de roer! Convém salientar que, a antologia também é destinada àqueles que participam de campanhas e associações de adoção de cães abandonados e contra os maus tratos aos animais. Outro fato interessante é a presença do escritor parnasiano Olavo Bilac — membro fundador da Academia Brasileira de Letras, criou a cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias —, participando com o imortal poema "Plutão", que, com certeza, muitos recitaram na infância, adolescência ou juventude. Faz parte da história e formação de qualquer poeta: "Negro, com os olhos em brasa,/ Bom, fiel e brincalhão,/ Era a alegria da casa/ o corajoso Plutão./ (...) Dormia durante o dia,/ Mas, quando a noite chegava,/ Junto à porta se estendia,/ Montando guarda ficava,/ Porém Carlinhos, rolando/ Com ele às tontas no chão,/ Nunca saía chorando/ Mordido pelo Plutão...".

"Quem lê Euclides da Cunha, desde o primeiro momento vê que há dois Brasis: um inclemente, e outro das inclemências". As palavras de Antonio Houaiss são de uma atualidade medonha, aplicáveis para caracterizar vários setores, instituições, fundações, etc. e comportamentos pessoais e públicos da vida nacional. Quem se interessa pela história e pelos rumos da cultura brasileira têm que ler este debate com alguns dos mais brilhantes estudiosos da obra de Euclides da Cunha e da Guerra de Canudos, presentes em Euclidianos e Conselheiristas: um quarteto de notáveis (Organização de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009). O livro não deixa de ser também uma homenagem, pois todos os quatro estão falecidos, e se apresentam numa transcrição da célebre mesa-redonda reunida na Editora Ática em 1986, em São Paulo, com a participação de Antonio Houaiss, Franklin de Oliveira, José Calasans e Oswaldo Galotti. Também as presenças importantes dos debatedores José Carlos Garbuglio, Valentim Facioli e Walnice Nogueira Galvão. Uma mesa rica e polêmica, na qual é fundamental ressaltar duas opiniões essenciais, impressões sobre a complexidade do beato Antonio Conselheiro e do escritor e repórter jornalístico Euclides da Cunha. José Calasans: "À margem da Igreja. A Igreja deu-lhe apoio antes que os proprietários se lançassem contra ele, e foi a própria Igreja quem deflagrou o processo. Um ou outro padre o apoiava, mas a Igreja se julgava prejudicada. Avalio o Conselheiro como uma grande figura de líder da comunidade sertaneja: um homem que construiu três cidades — uma foi destruída —, mais duas dezenas de igrejas, açudes e cemitérios. Eu costumo dizer que ele foi a SUDENE do sertão brasileiro (risadas), no século passado, que fazia uma diferença para os sertanejos (todo mundo fala junto). A minha opinião, independente dessa minha atitude de... conselheirista, é esta". Na outra ponta, Oswaldo Galotti dá a sua versão sobre a opinião que Euclides da Cunha tinha sobre Antonio Conselheiro: "... Homem singular. Extraordinário senso moral deprimido. Ditador humilde. (...) Gnóstico bronco. (...). Neurótico vulgar. Um doido. Psicose progressiva. Franco delírio sistematizado. Paranóico em fase persecutória". Este livro é outro grande lançamento de 2009, que merece uma leitura atenta e singular. Imperdível! Que ajuda e muito, a compreender, algumas passagens malditas sobre o que foi a carnificina chamada Canudos.

Após o notável estudo do poema fescenino "O Elixir do Pajé", de Bernardo Guimarães (1825-1884) e o magnífico Matéria Bruta, no qual "a carne é reticente; a noite cega", o poeta mineiro retoma os ritmos, sonoridades e metáforas contrastantes no complexo Per Augusto & Machina (Romério Rômulo. São Paulo: Editora Altana, 2009). Uma poética implacável, como bem observa Maria da Conceição Paranhos. Um diálogo fecundo com a obra de Augusto dos Anjos. Tumulto, razão, emoção e revoadas de um pulmão amargo, vazado pela solidão e a tormenta de uma carne trêmula entubada pela máquina do tempo. Amálgama de versos soltos e solenes, restaurando a dignidade no pensamento e verbo que se faz tecido, pautado em recorrências temáticas — extensões do corpo físico — como a morte, solidão, vida, transformação, loucura, terra, nuvens, noites, desfiando as fibras do vento e o pulsar do sangue em cada veia. Interessante notar no novo livro de Romério Rômulo a recorrência em relação à questão do corpo e da noite, haja vista que tais temáticas também são exploradas com apurada sensibilidade no livro anterior, Matéria Bruta. Faz sentido delirarem no reino de thanathos: "a noite trêfega, dura, me apavora./ meu sono é manhã adjacente./ são osso minha clave de delírio,/ meu corpo marginal, incendiado.// falo noite e ruptura, quero andrajos/ de palavras que quietem a voz/ do vento apregoado do deserto/ de uma voz que, outra, me apavora. (noite e ruptura)". Um processo imagético pleno de sabedoria na ação e conhecimento, restaurando o corpo, o corpo da poesia. Maria Conceição Paranhos reluz a interpretação mais visível e límpida da obra: "Uma aguda consciência do tempo percorre todo o livro. A despeito do inevitável, do precário, da morte, enfim, não há recuo. Ao contrário, a palavra poética se arremessa contra as paredes do tempo, conferindo-lhes o sentido de que carece. O nonsense é escavado e restaurado em agudo confronto com cada aresta do viver. Tudo, então, é denso. Não de uma densidade turva, bem pelo contrário, na perseguição de uma opacidade em que a experiência do existir se mostre em plena luz".

Você já parou para pensar na relação das garrafas pets com o mercado americano? O refluxo no Brasil foi às tubaínas (refrigerantes populares), que começaram a usar as pets, barateando o preço final do produto. Isso tornou-se uma pedra no sapato dos lucros da Coca-Cola, não só aqui, também pelo mundo afora. Essa informação e muito mais encontramos em A Tribo do Mouse: histórias, dicas e truques do mundo corporativo (João Paulo Reginatto, Juarez Poletto Junior e Ulisses Ponticelli Giorgi. Porto Alegre: Editora Fábrica de Livros, 2009), um conjunto de crônicas bem humoradas e surpreendentes. Nada de formalismos e formulismos, pelo contrário, pois a editora publica o livro com duas capas distintas, deixando para o leitor a escolha que mais lhe agrada. Um fato audacioso! A tribo formada por Jack, Reggie e Zambol usa uma linguagem bem coloquial, semelhante as que observamos na internet. O referencial é o cotidiano das empresas, relatados com ironias em situações e comportamentos inusitados nos locais de trabalho. O trio divide a obra em três partes: "Quem somos", "O que nos move" e "Para onde vamos". Três "fusos horários" diferentes, com direito a um presente da editora ao final do livro, poema de Bruna Lombardi (INPUT - THROUGHPUT - OUTPUT/ cibernose). Em "Quem somos", temos histórias de escritório e testemunhos que levam ao autoconhecimento como projeto ético. O foco muda em "O que nos move". A pergunta essencial dessa seção gira em torno do seguinte: o que nos faz levantar pela manhã? O trio limita o escopo da pergunta ao mundo corporativo, o horário comercial das 8h às 18h e suas consequências básicas. Finalmente, no último capítulo "Para onde vamos", a reflexão gira em torno de tentativas e mudanças. Mudanças de mentalidades, direções e sentidos sobre a maneira de viver e valorizar o trabalho. Já que o livro é fruto de um blogue, não é um livro de auto-ajuda (pode ter certeza disso), a Tribo do Mouse deixa o seguinte recado: "Ser nerd é: 1) Conseguir falar sobre qualquer assunto. Sendo nerd, você lê muito e tem muita facilidade em discutir qualquer tópico que seja. Afinal, nerd tem inteligência acima da média, senão não seria nerd, seria somente esquisito; 2) Adorar Lost, ainda que saiba que iria morrer de tédio na ilha, sem um notebook com internet rápida e 3) Ser a única pessoa segurando um livro, na beira da Praia do Rosa, em Santa Catarina".

dezembro, 2009

 

José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, pesquisador, ensaísta e colecionador de artes plásticas. Estudou Economia (UFMG). Graduado em Comunicação Social e pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo (UNI-BH).  Autor de Pavios curtos (Belo Horizonte: Anomelivros,  2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (Lisboa: Fundação Camões/Belo Horizonte: Anomelivros, 2005), dos livros Pequenos milagres e outras histórias (Belo Horizonte: Editoras Autêntica e PUC-Minas, 2007), Folhas verdes (Belo Horizonte: Edições A Tela e o Texto, FALE/UFMG, 2008) e Poemas que latem ao coração! (São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2009).
 
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