Última estação

 

Brotam lilases

entre tuas coxas

e teus peitos

são  favos

de Primavera.

Escorre o mel/luz

dos teus olhos

por meus lábios de Inverno.

E foges através da janela

perdendo-se no céu

do improvável

Mesmo assim te acolho

miragem

da última estação fértil

de minha vida.

 

 

 

 

 

Lago

 

Quando tua libélula forma

esvoaça sobre meu corpo

um lago vítreo rebenta

em círculos argênteos.

As margens se fazem distantes

e flutuo vitória-régia

na superfície do desejo maduro.

A vida, surpresa aquática,

me arrasta em cheiros

nas ondas negras dos teus cabelos.

Enfim, sem as amarras da razão,

aprendo a nadar

nas profundezas do teu riso

como uma estrela-do-mar.

 

 

 

 

 

Cicatriz

 

Beijo tua cicatriz

tua alma é minha.

Teus músculos distensos

em minha boca

gritam que a vida

é este mar de fúrias.

Teu sexo é uma taça

de vinho contemplativo

erguido em saudação

pelas almas anárquicas.

E entre o partir do trem

e o latido de um cão

as crianças cantam

uma ciranda líquida

ao entardecer

girando no cálice róseo

da tua alma, irmã da minha.

Bendita seja a palavra

adormecida e saciada

em nossos corpos de madrugada.

 

 
 

 

Filho do Sol

 

Dedos mergulham

na tão funda cicatriz

E rasgam os pontos

da cesariana no meu peito.

Ele vem, filho do tempo

querendo ar, fecundar.

É por dentro que se faz

o parto e emendam-se

as partes do corpo

antes desmembrado.

Na noite escura ele se dá à luz

ele me dá a luz

e põe mais uma marca a ferro e fogo

nesta alma sem alforria.

Brotam olhos como amoras

na Primavera.

Sou imenso cesto de vermelhos sabores.

 

 

 

 

 

De repente

 

De repente amar

é mais que um copo

de cicuta na mesa de cabeceira

é mais que uma corda

no pescoço pendurada

é mais que a gilete

no pulso comovido

com o sangue do ontem

é mais que saltar

de um prédio do doze andares

ou atirar-se aos famintos

trilhos dos trens.

 

De repente, a maior prova de amor

é não sofrer.

 

(imagens ©shiny red type)

 

 
 

Jurema Barreto de Souza. Poeta, professora. Editora desde 1982 da Revista A Cigarra. Atuou junto como Grupo Livrespaço, editando várias coletâneas, participando de intensa atividade cultural de 1983 a 1994, com o Projeto Autor/Leitor na Escola. Editou, com o Grupo Livrespaço, a "Revista Livrespaço" (1992-1994), ganhadora do prêmio APCA 1993. E Seduzir para a Poesia — Trajetória do Grupo Livrespaço (Alpharrabio Edições, 2008). Atuou como membro do Conselho Municipal de Cultura de Santo André, pela Comissão de Literatura, 2004/2007. Coordenou o Projeto Ler & Falar Poesia, ao lado de Zhô Bertholini, na Casa da Palavra em Santo André, 2001/2007. Publicou Papoulas e Amnésias, Dalilas Siamesas, Poética da Ternura. Participou das coletâneas A Margem (poesia), Exóticos e Livres (contos), Casa da Palavra (contos), As cidades cantam o Tamanduateí que passa (poesia), entre outras. Considera ser a poesia matéria essencial ao ser humano, um modo de vida, um modo de estar no mundo e recriá-lo a cada palavra. Edita o ZINE ZERO, Edições A Cigarra.