Para Alcir Pécora, leitor de padres, com o fito

de o reconduzir ao bom caminho.

 

 

Vieira disse:

 

Vê, Bernardo, da eternidade o mapa,

Deixa do velho Adão a geral cepa,

Pelo lenho da cruz ao Empíreo trepa,

Começando em Belém na pobre lapa.

 

Mais que rei pode ser, e mais que papa,

Quem de seu coração vícios decepa;

Que a grenha de Sansão toda é carepa,

E a guadanha da morte tudo rapa.

 

A dor da vida se é na cor tulipa,

De seus anos também se faz garlopa,

Que os corta, como o mar corta a chalupa.

 

Não há mister, que o ferro corte a tripa,

Se na parte vital o fato topa

Em apa, epa, ipa, opa e upa.

 

 

 

 

 

Eu, seu amigo, lhe digo:

 

Se quiser ter um aprazível mapa,

Desse padre abandone a velha cepa,

Pois o mundo é melhor para quem trepa,

Quer viva nos Jardins, quer lá na Lapa.

 

É melhor ser mendigo que ser papa,

Pois, sendo boa, a fé o tesão decepa,

E nos pentelhos sobra só carepa,

Se numa xota o pinto não se rapa.

 

Eis o mapa: alguma úmida tulipa,

Um beiço ávido, que se faz garlopa,

E um pinto como um mastro de chalupa.

 

E vez por outra adentre pela tripa,

Pela boca e onde mais a pica topa

Em apa, epa, ipa, opa ou upa!

 

 

 

[de Escarnho. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. Edição limitada.]

 

 

 

 

 

 

 

 

Paulo Franchetti é professor de literatura na Unicamp, onde ensina teoria literária e literatura moderna de língua portuguesa. Autor de estudos sobre literatura brasileira e portuguesa dos séculos XIX e XX, dedicou-se por vários anos ao estudo do haicai japonês e seu aproveitamento pelas literaturas modernas do Ocidente. Além de ter publicado livros de ensaios, de haicais e de contos, é crítico e colaborador de jornais e periódicos científicos. Desde 2003, dirige a editora da Unicamp. Principais publicações: Coração, cabeça e estômago — Organização, apresentação crítica, notas e comentários (São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003); O sangue dos dias transparentes (São Paulo: Ateliê Editorial, 2003); Poesia, linguagem e vida (São Paulo: Pueri Domus Escolas Associadas, 2002); Nostalgia, exílio e melancolia — leituras de Camilo Pessanha (São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001); O primo Basílio — Edição anotada, com estudo introdutório (São Paulo: Ateliê Editorial, 1998; 2001, 2ª edição, corrigida); Clepsydra — Edição crítica (Campinas: Editora da Unicamp, 1994 / Lisboa: Relógio d'Água, Editores, 1995, 2ª edição, revista e acrescida de documentos inéditos); Eça de Queiroz e Oliveira Martins. Correspondência, em colaboração com Beatriz Berrini (Campinas: Editora da Unicamp, 1995); Haikais (São Paulo: Massao Ohno / Aliança Cultural Brasil-Japão, 1994); Haikai — antologia e história, com Elza Doi e L. Dantas, contendo: organização, introdução e notas por P.F.; tradução dos poemas por E.D. e P.F.; estudo de história do Japão por L.D (Campinas: Editora da Unicamp, 1990; 1991, 2ª edição; 1996, 3ª edição); Alguns aspectos da teoria da poesia concreta (Campinas: Editora da Unicamp, 1989; 1992, 2ª edição; 1993, 3ª edição); Caetano Veloso, em co-autoria com Alcir Pécora (São Paulo: Abril Educação, 1981; 1988, 2ª edição; 1990, 3ª edição); Rubem Braga, em co-autoria com Alcir Pécora (São Paulo: Abril Educação, 1980). Mais aqui, em seu site oficial.
 
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