©doriano solinas

 
 
 
 
                                                                    




Na primeira vez que viu seu nome sob o artigo do jornal, informando a autoria, ele sorriu e mostrou aos amigos. Eles também riram da coincidência. Nome idêntico, mesmas letras, o acento na terceira sílaba. Quando aconteceu de novo já não havia motivo de graça, tampouco para que prestasse qualquer atenção ao fato insignificante. Há tantos homônimos no mundo. Todos lembram alguma confusão causada por nomes idênticos.

Até esqueceu que seu nome, ou melhor, um nome igual ao seu apareceria com freqüência assinando artigos e reportagens de jornal. Só que um dia disse: vou ver o que escrevi esta semana. No segundo parágrafo levou um susto. Na terceira linha do quarto parágrafo ele procurou uma cadeira. Quis respirar, beber água, mas era preciso terminar o artigo.

Não era só seu nome que batia com o do autor. Os nomes daquelas pessoas — duas mulheres — também eram os mesmos daquelas duas garotas da juventude, primeiro na cidadezinha cujo nome prefere esquecer, depois onde pretendia viver para sempre. A primeira se chamava G... — quantas voltas na rua do footing para confirmar e curtir a indiferença da garota – a outra era S... — havia chegado às vias de fato com ela, mas deu o fora na moça e depois a moça deu o fora nele. Assim estava escrito e publicado no jornal.

Exato como aconteceu. Se o homônimo desse para bisbilhotar sua vida, recorreria à justiça, processava. Ele é um sujeito casado, bem casado, com um filho e, fora a oficial, um velho galho com F., também casada, etc. Só não usa chapéu porque isto se passa há duas semanas do segundo mês do ano de 1986 e não trinta ou cinqüenta anos antes dessa data. Talvez tenha esquecido de colocar um chapéu na cabeça da personagem. Sempre há algum segredo guardado no chapéu.

Depois disso não perdeu um só dos artigos. A preocupação agora era evitar que os amigos do escritório de advocacia vissem ou comentassem. Tomou a precaução de cancelar a assinatura do jornal, para que a doce ordem doméstica não fosse perturbada. Lia e relia. Quem sabe não saltara uma palavra, uma frase, um nome. Tudo é possível nesta vida.

Mas não foi tão terrível. A mudança de assunto no jornal permitiu-lhe até certa mudança de ares. Era uma série sobre viagens. Ler aquilo fazia bem. Um sonho duplo: imaginava todos aqueles lugares no exterior e ficava tranqüilo, podia respirar, enfim nada ali coincidia com sua vida anônima. Em todo caso, num certo momento, disse em voz alta, no escritório: caramba, como tenho viajado.

Veio o esperado. Desta vez falava de um sujeito que certo dia ao ler o jornal, etc. Estava tudo ali, com exceção do final, em que o homônimo leitor entra armado na redação, dispara duas vezes e o xará cai em decúbito. Nunca achou que poderia matar alguém. Mesmo que descobrissem o segredo não guardado no chapéu. Suicido? Fora de cogitações. O revólver guardado à chave no armário nunca tinha sido usado. E não seria, porque, apesar de tudo, dizia a última frase do artigo, não vale a pena levar as coisas tão a sério.

 

 

 

 

__________________________________________

 

Publicado originalmente em 31-10-1986 no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo.

 

__________________________________________

 

 

 

 

 

 

 

 

outubro, 2009